Enterro das utopia
Rinaldo Barros |
Rinaldo
Barros*
Correndo o risco de não ser compreendido
nestes tempos pós-modernos, no qual tudo é descartável e efêmero, vou falar de
alguns fatos históricos que marcaram uma geração; coisas permanentes. Escrevo
com saudades, atiçadas pela releitura do texto fácil de José Nêumane Pinto, em
seu livro antológico “O Silêncio do delator”.
O livro fala dos anos inesquecíveis,
indeléveis, da década de 1960: quando Paris era uma festa para a resistência
política às ditaduras e os movimentos sociais arrastavam multidões. Em que uma
nova linguagem expressava o descontentamento e a indignação, em que as
superpotências ensaiavam um confronto nuclear, surgia uma vanguarda no cinema,
na arquitetura, na música, na literatura, no teatro e
Tempo em que eu achava que os sonhos se
tornariam realidade, e sonhava mudar o mundo.
Era o tempo da Guerra Fria, motivada
pelo auge do socialismo, com o Vietnã e Cuba impondo dura humilhação aos
Estados Unidos. A música de protesto em marcha, os Beatles empunhando a
bandeira do pacifismo, 1968 na França e no Brasil, Woodstock e a liberdade de
expressão, o culto ao prazer e às drogas e as palavras de ordem do "faça
amor, não faça guerra".
Cultuavam-se o cinema de Fellini,
Truffau, Godard, Glauber Rocha e Buñuel, o teatro de Nelson Rodrigues e Augusto
Boal, os grandes festivais de música e a crença na revolução armada, em Che,
Fidel e outros camaradas. O homem invade a lua, a bossa nova traz um novo
alento à música brasileira; o AI-5, um balde d'água na liberdade e nas
garantias individuais; a censura recrudesce, o mundo em ebulição, o
existencialismo em moda, filosofias vicejando em todo o canto, o mundo
acreditando numa saída.
Os ingredientes desses anos de rebeldia,
insubmissão e efervescência estão mapeados no livro de Nêumane, um romance
testamentário de quem viveu os legendários últimos anos de um século em agonia
e desencanto, época de veloz escalonamento de valores, mudança de
comportamentos, debates ideológicos e implosão das velhas estruturas de
pensamento.
Nêumane saiu-se bem ao fazer o balanço
crítico de uma geração, sem cair no lugar-comum, evitando o panfletismo ou o
viés sentimental, tão comuns em textos que visam resgatar a história a partir
da vivência de quem as conta. Trata-se de um registro sincero sobre um tempo
que não se reproduzirá, um tempo em que a consciência se aliava a uma causa e
se sabia por que empunhar bandeiras e gritar bem alto, algo de que carecem os
que hoje tentam levantar a batuta para comandar a orquestra da história atual.
O Silêncio do delator é um formidável
referencial para os que querem compreender a recente história do Brasil e do
mundo. Uma obra que nos fala do enterro das utopias, a decrepitude dos sonhos,
o fim das ilusões e o estabelecimento de uma nova ordem, impondo o reinado do
alheamento e da passividade, no qual o mercado é o grande deus, com seu pragmatismo
e seus fundamentalistas econômicos em busca do lucro máximo, o que afasta de
nós qualquer possibilidade de retorno às utopias.
Para quem foi testemunha ocular dessa
paixão, como fui, bateu uma saudade danada.
E a certeza de que está se encerrando um
ciclo da história política brasileira. E
de que estamos assistindo ao fim melancólico das “esquerdas”, no Brasil.
A ilusão do poder as matou, com o pior
veneno: a corrupção!
O pior de tudo é saber que não fomos
capazes de encontrar a Estrela da Manhã.
É o enterro das utopias!
*Rinaldo
Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
Enterro das utopia
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/07/2015 04:47:00 AM
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