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O QUE NOS FALTA, AGORA

Jerdivan Nóbrega de Araújo*
Sabe o que eu queria agora? Eu queria um tempo onde as pessoas ao se cruzarem nas ruas cumprimentassem-se pelo nome como faziam os meus pais no meu tempo de criança. Um tempo em que o pão e o leite eram deixados nas madrugadas frias, pelos padeiros e leiteiros, nas soleiras das portas e janelas, e ali ficariam até que os donos das casas acordassem, sonolentos, para tomar o seu café na mesa da cozinha com a sua numerosa prole. Ir à bodega com uma caderneta e trazer uma “quarta” de qualquer coisa, sem a preocupação de passar cartão disso, cartão daquilo ou consultas a Serasa.
Eu queria agora falar com alguém que me amasse sem antes perguntar quanto eu ganho, o que eu sou, o que eu tenho. Eu queira falar com alguém que me ouvisse sem me interromper, para só depois cairmos juntos em inexplicáveis gargalhadas. Não ter que mudar a sintonia do rádio de casa para que meus filhos não escutem certas letras de musicas: eu queria um tempo em que músicas maliciosas tinham letras como “procurando tú”, ou “ Eu tava na peneira tava peneirando, eu tava no namoro eu tava namorando”. A inocência dos namoros no escuro de um cinema do interior; serenatas numa janela entre aberta onde a amada encosta o ouvido nas frestas para ouvir os acordes de um violão ou o solo de um sax.
Se um olhar poderia dizer todo amor, também um olhar de reprovação de um pai dizia mais do que mil palmatoradas de um professor primário, pelo erro da tabuada de somar. Carro novo era Jeep, Rural, Fusca, Camionete era só da Chevrolet. Outros modelos diferente desses já se aglomeravam crianças e abriam-se janelas pela novidade. Cantador de Cordel era astro de feira livre e duplas de Poetas Violeiros eram estrelas que visitavam a cidade uma vez por ano. Comícios eram realizados encima de caminhão Fenemer 1965. Discursos de políticos eram igualmente mentirosos, mas, as promessas eram possíveis: emprego público, cesariana, apadrinhar crianças e comparecer a casamentos de filhas de eleitores.
Sabe o que eu queria agora? Morar no interior e poder sentar á sombra de uma árvore, lendo as poesias maliciosas de Manuel Bandeira como eu fazia no meu tempo de João da Mata. “Descoberta da rua! Os vendedores a domicílio. Ai mundo dos papagaios de papel, dos piões, da amarelinha! Uma noite a menina me tirou da roda de coelho-sai, me levou, [imperiosa e ofegante, para um desvão da casa de Dona Aninha [Viegas, levantou a sainha e disse mete. Depois meu avô... Descoberta da morte! Com dez anos vim para o Rio. Conhecia a vida em suas verdades essenciais. Estava maduro para o sofrimento E para a poesia! ” Eu pensava sempre que o Rio do poeta era o mesmo que eu já tinha, e que era só meu e que corria ali por trás da minha casa. As horas na sirene de uma fábrica, a maleta preta encardida do médico dá família, que aviava Penicilina para garganta , Estaphillase para afinar o sangue e Padrax para vermes. O moleque atravessando a rua nas carreiras para avisar a Parteira que havia chegado a hora. As difusoras dos postes que avisavam a hora dos enterros. Naquela época morrer era uma raridade: não se morria tão jovem como hoje. Eu queria agora morar lá no interior. Por onde andam as estrelas que eu contemplava no céu da minha cidadezinha? Aqui elas são tão raras. A vida é cara!
Sabe o que eu queria agora? O cheiro do café e do pão posto à mesa e a minha mãe me chamando para o lanche da tarde, o silêncio das 15 horas nas ruas desertas de Pombal, o cheiro de terra molhada nas primeiras chuvas de inverno, os lavradores comentando o início da plantação, e o “pé” de vento fazendo redemoinho na rua principal da minha cidade.
· Eu que por aqui nunca mais vi o Saci-pereré. Ainda colocavam-se fundos em latas, consertavam-se panelas de alumínio, fabricavam-se “copo de dente” para tirar água do pote e não se negava um copo d´água. Acho que ainda não estou maduro para o balançar dos tempo. Acho que ainda desconheço a “vida em suas verdades essenciais”.
*Escritor Pombalense.
O QUE NOS FALTA, AGORA O QUE NOS FALTA, AGORA Reviewed by Clemildo Brunet on 3/11/2009 04:00:00 AM Rating: 5

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