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CINE LUX DE POMBAL

Jerdivan (foto)
Jerdivan Nóbrega de Araújo*
Eu vi um homem chorar como criança. Eu vi uma senhora segurar com força as grades pretas de ferrugem e ficar por horas mirando as desnudas paredes onde eram expostos os cartazes nos áureos tempos daquela velha casa de exibição cinematográfica. Eu vi suas lágrimas. Eu senti que aquele homem e aquela senhora viajavam para um passado onde, com certeza, eu estava. Eu sei o que eles viram. Eu sei por que eu também viajei naquele sonho e vivi aquele tempo de glória. Então, nós vimos o passado. O nosso passado! E ele lembrava o premiado Cinema Paradise que, por ironia do destino, nunca chegou a ser exibido nas telas do velho Cine Lux. Mas com certeza, quem nasceu em Pombal chorou ao assisti--lo.
Nós vimos “ seu ” Afonso chegar com um lançamento da Vera Cruz ou da Cinelândia. Nós vimos o Sr. Juiz entrar apressado, mesmo sabendo que sua cadeira era reservada e cativa. Nós assistimos “O Ébrio” e “A aparição de Fátima”. Nós vimos Padre Andrade deixar a celebração da missa de domingo pela metade, colocar um picolé em cada bolso da sua velha e surrada batina e entrar correndo para dormir na sua cadeira predileta, bem próximo ao barulhento ventilador que mais parecia um helicóptero em decolagem.
Nós relembramos o milésimo gol de Pelé nas atentas lentes do Canal 100. E, nas matinês de domingo, nos acotovelamos para assistir Durango kid ou Tarzan. Nas noites adentro vimos mocinhas e senhoras chorando após verem por três vezes consecutivas o clássico "Dio como ti amo".
Ver um filme no Cine Lux, antes de ser uma forma de entretenimento numa pequena cidade do interior, era, acima de tudo, um raro momento de prazer que, só quem viveu aquela época, poderá explicar. O espetáculo tinha início do lado de fora da casa de exibição. Namorados desfilavam de um lado para outro; crianças liam os cartazes expostos. Não adiantava sair de casa antes de terminada a seção do cinema. A vida na noite de Pombal tinha início com o apagar das luzes do velho Cine Lux.
Tudo ao som das mais lindas canções. Pois é, seria injustiça deixar de dizer que o Cine Lux contava com uma discografia de fazer inveja às grandes emissoras de rádio da capital. O sinal de luz avisava que o filme estava para começar. Galdino, sempre inquieto, recolhia um a um os ingressos. Lá dentro, avisos de não fume de todos os lados e o silêncio mágico dos espectadores que aguardavam os três últimos sinais de luz. Depois de quinze minutos do início da exibição, as portas se fechavam e ninguém mais entrava . Era a disciplina que na época reclamávamos da sua rigidez e hoje lamentamos a sua falta.
A tela era panorâmica. Uma das primeiras na Paraíba para exibição do recém chegado Cinemascope. Isto mesmo. O gênio empreendedor o “Seu” Afonso via sempre à frente. Como moleque que éramos mentíamos a idade a fim de assistirmos fitas proibidas para menores. Lembro-me de alguém que esteve na capital vaiou o certificado de censura. Ele foi expulso, mas deste dia em diante, já entendendo o motivo, continuamos vaiando aquela cena sem arte.
Ali, parado, em poucos minutos viajamos para um passado tão perto e tão distante. Pegamos na mão da primeira namorada e fomos advertidos pela lanterna vigilante de Galdino. Como isso nos irritava! Se soubéssemos que tudo ia fazer parte desse passado doído, teríamos aceitado o constrangimento com todo prazer. Em pensamento, eu passo no Mercado Público e ainda vejo lá, exposto, o cartaz do filme do dia. —Hoje será exibido "Moisés". Só que desta vez ele não dividirá mar nem levará os filhos de Israel à procura da Canaã. Desta vez ele levará os filhos de Pombal saudade a dentro, nas telas da realidade e os afogará em um mar de desrespeito e esquecimento da sua própria memória.
Mas é preciso acordar. Encarar a realidade sem culpar a ninguém. O progresso, vilão de toda nostalgia, fez a sua parte enterrando no esquecimento aquele cinema e suas duas máquinas projetadas que já foram consideradas as melhores do Nordeste. O tempo, roteirista de cenas findas, vem cumprindo o seu papel enterrando para sempre todo e qualquer vestígio dos tempos de glória do velho Cine Lux.
“ A força da grana que ergue e destrói coisas belas ” já levou o sobrado da rua Nova e a casa de farinha da “Outra banda ”. Já silenciou o apito da chaminé da Brasil Oiticica, devastou as ingazeiras, assoreou o velho Piancó, parou no tempo a velha estação de trem e afastou-me da roça de Mila.
— Que mais ela quer de mim?
*Escritor pombalense.
Dez/1997
CINE LUX DE POMBAL CINE LUX DE POMBAL Reviewed by Clemildo Brunet on 5/31/2009 06:08:00 AM Rating: 5

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