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A SAGA DOS VENDEDORES DE REDE DA PARAÍBA

Eronildo Barbosa
Eronildo Barbosa*

Compre uma rede meu bom patrão/Sou Paraíba /Sou redeiro do sertão/É rede boa, tem tieta e tem jamanta/Tem manta crua e bordada/Feita de puro algodão. (Tihino de Almeida)

Dezenas de jovens cruzam as ruas de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e de outras cidades do estado levando sobre os ombros um pesado fardo de rede de dormir, com aproximadamente 20 quilos, que, depois de algumas horas, conforme me relatou o redeiro Chico do Cego, a sensação é que o peso triplica.

A imensa maioria desses trabalhadores veio da Paraíba, da pequena São Bento do Brejo do Cruz, importante centro de fabricação de rede. Todos os dias, em média, cinco caminhões carregados de rede partem desse munícipio para os grandes centros do país, isso sem falar da produção de outras cidades da Paraíba e do Ceará.

A confecção de rede é uma tradição antiga no Nordeste. Começou com os índios bem antes da frota de Cabral aportar naquela Região, entretanto, com a introdução das máquinas de tear, no século XIX, foi largamente difundida. Depois, na década 1960, com a instalação de máquinas mais modernas, a produção de rede que estava voltada para o Norte e Nordeste, ganhou escala e passou a atender também as praças do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e parte da América do Sul.

A conquista dos grandes centros pelos vendedores de rede foi ancorada em relações de trabalho típicas do início do século XX. Alguns donos de fábrica de rede reuniram centenas de jovens, prometeram dias melhores para todos, e partiram para vender suas mercadorias pelos rincões do Brasil.

Essa iniciativa ensejou o nascimento de uma das mais complicadas relações de trabalho que se tem notícia no Brasil. O redeiro, até os dias de hoje, não tem a garantia assegurada pela Legislação Trabalhista Nacional. Não tem contrato e nem carteira de trabalho registrada. Ele se desloca de uma cidade para outra em cima de caminhão baú, com 12 metros quadrados, junto com rede e malas, num total de vinte pessoas por veículo, na sua expressiva maioria analfabetos, portanto, em tese, mais vulnerável à exploração econômica e social.

Dorme nos postos de gasolina, no relento, em rede armada na lateral do caminhão. Em Campo Grande o posto escolhido é o (Sem-Limite) na saída para São Paulo. Pela manhã, cedo, o redeiro organiza seu fardo de rede e sai sem rumo pelas ruas da cidade à procura de clientes. À noite, cansado, sem uma melhor alternativa, se diverte bebendo e jogando sinuca, sem se esquecer da buchada de bode que vai saborear quando voltar à terrinha.

Até o final da década de 1980 o retorno econômico com a venda de rede era positivo. Isso permitia que o redeiro mandasse dinheiro para a família ou comprasse moto, terreno, entre outros bens, mas, com a crise econômica dos anos 1990, caiu enormemente à demanda por rede, inclusive alguns mais experientes largaram a profissão e foram labutar em outras atividades.

Na tentativa de driblar a crise, o remédio adotado pelo capital foi aumentar o número de vendedores por carro. Nessa nova fase garotos de 14 e 15 anos foram cooptados normalmente e subiram nos caminhões para ganhar o mundo, mas, por outro lado, perder parte importante da sua adolescência.

Para burlar alguns Postos Rodoviários da Paraíba que proibiam menores em caminhão de rede, os corretores enviavam seus vendedores em automóveis, até um local que não houvesse mais a ameaça de serem identificados. O pior é que os garotos abandonavam os estudos para se aventurar numa atividade informal e duvidosa.

Daí que era muito comum encontrar meninos com um fardo de rede sobre as costas, quase do seu tamanho, pelas ruas de Campo Grande, fazendo de tudo para vender uma rede, na qual, com muita sorte, ganharia em torno de 35% por peça.

O Ministério Público da Paraíba foi acionado e tem tomado providências para tentar modernizar as relações de trabalho nesse setor. Não se tem mais visto garotos vendendo redes, mas, por outro lado, continuam as ilegalidades, basta conversar com algum redeiro que ele conta às dificuldades que enfrenta pelo fato de continuar trabalhando na informalidade.

Quando escrevia esse artigo liguei para um corretor e perguntei por que o vendedor de rede não tem sua carteira de trabalho registrada como manda à lei. Ele me respondeu, sob a condição de seu nome não ser citado, que se isso acontecer a economia da cidade de São Bento vai quebrar. Esse argumento é tão falso quanto aqueles usados pelos donos de escravos que juravam de pé junto que só não libertavam seus cativos porque a economia brasileira entraria em crise.

*Eronildo Barbosa é professor universitário e autor do livro Sindicalismo em Mato Grosso do Sul – 1920 / 1980.
A SAGA DOS VENDEDORES DE REDE DA PARAÍBA A SAGA DOS VENDEDORES DE REDE DA PARAÍBA Reviewed by Clemildo Brunet on 12/30/2010 07:11:00 AM Rating: 5

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