A GLÓRIA DA PROFESSORA IVANIL
Severino C. Viana (Foto) |
No período vespertino, quando aquecia os primeiros movimentos de minha caminhada diária, no espaço da orla marítima, na cidade de João Pessoa, observava atentamente as ondas ralas da praia onde um vento fino soprava a superfície das águas marinhas e fazia balançar as bordas do mar, que na minha visão se entrelaçava com as nuvens brandas que apareciam no ocaso, e, este mesmo mar me falava uma linguagem que eu tentava compreender, e a compreensão cada vez mais obscurecia.
De repente, no meio desta comunicação com a natureza, o telefone celular toca e na ocasião leio no visor o nome de Nachite. Atendi o telefonema orientado pelo espírito de tranquilidade, e ela me informava a triste notícia do falecimento da professora, IVANIL SALGADO DE ASSIS. Depois de tentar acalmar o viver de lástima que Nachite passava naquele momento doloroso, imediatamente, interrompi a minha caminhada, segui até a beira do mar, foi quando rolou a primeira lágrima dos meus olhos, então, me dei conta de que quem precisava ser confortado era o meu próprio ser. Sentei à beira do mar e comecei a refletir sobre aquela calmaria que a paisagem marítima findava na ofuscante luz do zênite. Com a cabeça erguida para o firmamento, naquele instante, compreendi perfeitamente a mensagem que o mar me queria transmitir.
As pessoas especiais carregam um dom, que pelo tamanho de sua grandeza é incomensurável, formando um elo de sustentação entre o bem recebido gratuitamente e o doado com desinteresse, carinho e gratidão, no convívio social, que se comunga com o bem servir, alcançando o campo transcendental dos mistérios Divinos, pois foi um presente ofertado pela natureza, que nós o chamamos de carisma.
Na missa do trigésimo dia, ajoelhados no altar de Nossa Senhora do Bom Sucesso, prestamos a nossa homenagem justa e merecida a emérita professora e notória cronista: IVANIL SALGADO DE ASSIS, que pela perfeição de sua dicção e o tom vibrante de sua voz, representava uma imagem carismática, amoldando a esfinge da sabedoria e enraizando o espírito da bondade, que vivificavam a sua espiritualidade, só podendo ser comparada a um canteiro embelezado de flores, mesmo que o jardim continue sendo regado pelas lágrimas da saudade.
Temos uma razão probante para assim fazê-lo pelo sentido de nossa afinidade, pois, a nossa homenageada é, nada mais nada menos, que a nossa madrinha de batismo. E ela como testemunha ocular do nosso crescimento humano e da nossa projeção social no seio da comunidade, que acompanhou de perto o passo a passo de nossa vida, certa vez proclamou em alto e bom som: “eu vi um raio de luz que baixou sobre a sua cabeça na pia batismal”.
A bênção que recebemos ainda criança no Templo de Deus, que assinalava o registro de uma vida na consagração no livro Divino, hoje, aparece de forma diferenciada, neste mesmo altar da Virgem Santíssima, quando rendemos a nossa homenagem derradeira, por intermédio de nossas preces erigidas pelo sentimento de fé. Só imaginamos a sua presença nas nuvens etéreas desconhecidas, porém vislumbramos a sua imagem espiritual sendo recebida pelo toque cristalino das cornetas dos arcanjos e a harmonia cadencial das flautas dos querubins anunciando a sua chegada á Casa do Pai.
As portas do mundo se abriram para receber uma pequena criança, no dia 11 de outubro de 1924, quando o choro de alegria ecoou no lar de Antônio Salgado de Araújo e Maria Arnaud Salgado (Mariinha). Logo no período da inocência e na fase da incompreensão das coisas do mundo, com apenas 03 (três) anos de idade, repentinamente perdeu a sua estimada genitora, indo morar e sendo criada no Assento da Pedra, considerada como neta por dona Doninha.
O curso colegial de formação, o antigo Curso de Madureza, concluiu no Colégio Nossa Senhora da Neves, na cidade de João Pessoa. Posteriormente, como uma exigência para lecionar, terminou o Curso Pedagógico na Escola Normal Josué Bezerra. Mestra por uma vocação inata cumpriu o papel de seu ideal, ensinou no Grupo Escolar João da Mata, onde por muitos anos foi Diretora Escolar e ensinou no Colégio Josué Bezerra, na cidade de Pombal. Na cidade de Campina Grande lecionou no Colégio Estadual João Moura e no Colégio das Damas, á época escola particular.
A realização do sonho de menina-moça acabou por encontrar a sua forma de concretização, casando-se com Geraldo Arnaud de Assis, no dia 28 de dezembro de 1950, na matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, celebrado pelo Monsenhor Valeriano, cuja árvore genealógica está constituída de Geraldinho, Olenka, Odilon e Ivanoska, estendendo-se os galhos da ramificação dos netos: Terceiro e Danuta, Carol e João Geraldo, Breno, Arthur e Caio, e, por último, Arthur José, cuja árvore na linha direta de descendência pelo embelezamento natural completou-se com a sua querida bisneta: Nara. A sombra desta árvore se estendia com o galho de sustentação que nós chamamos de Beca Bandeira, que o criou e tinha como filho, com um carinho especial que guardava na parte mais reservada do seu coração materno. No dia 19 de janeiro do ano em curso, depois de um prolongado desafio à ciência médica, partiu deste mundo para fixar-se como mais uma estrela a brilhar na esfera sideral.
A criança Nachite, que chegou logo cedo em sua companhia, terminou sendo uma verdadeira escudeira, que não arredou o pé, em um só momento, numa labuta diária, quer chovesse, quer fizesse sol, nos instantes de alegria e nas horas deprimidas de dor; nas ocasiões de felicidade e nas angústias ocasionais, cumpriu o seu dever de fidelidade, com o amor como se filha fosse ou como se fosse à filha espiritual que carregando um candelabro que iluminava as paragens dos minutos de tristeza com o seu braço forte de apoio e nos passageiros 1segundos de alegria compartilhava com um sorriso aberto ou uma gargalhada vibrante.
Ivanil Salgado de Assis (Foto arquivo da família) |
Dona Ivanil nos últimos dias de sua vida terrena, como se tivesse recebido uma inspiração de despedida, fez-nos um gesto de consideração, compilando as suas crônicas literárias, suas biografias e seus cronológicos escritos, de forma manuscrita, reverenciando os seus familiares e entes queridos que partiram em busca da eternidade, encadernando-os e entregando-nos para guardá-los e servi-los como provas à posteridade. A partir daí, então, pudemos fazer uma simples avaliação do seu conteúdo. Percebemos que o seu fraco, na arte da literatura, no conteúdo das biografias, era descrever, narrar e enaltecer as vidas e as memórias de Ruy e Janduhy Carneiro. Além disso, no seu estilo pessoal de exteriorização do sentimento criativo, não se cansava de repetir a lenda ou a história da Cabocla Maringá, quer na figuração viva do folclore nordestino quer na representação histórica do povo de Pombal.
Na arte literária, nós classificamos dois tipos de crônicas: tradicionais e não-tradicionais. As crônicas tradicionais correspondem às exaltações às datas festivas, que seguem o calendário gregoriano ou festividades adotadas no folclore brasileiro, e, assim, fizemos questão de enumerá-las, cronologicamente, os focos da musa inspiradora da professora, Ivanil Salgado de Assis, que com pena de ouro, deixou gravado como lema de sua imortalidade.
A chegada do Ano Novo, que estampava a abertura do mês de janeiro, ela emitia o seu enunciado, como se tivesse abrindo as folhas do calendário, assim dizia: “Chega sempre emoldurado dos belos sonhos, das fagueiras esperanças e das grandes aspirações”.
O carnaval não passava em branco, apesar de não ser uma participante ativa de bloco carnavalesco, festa de salão ou folia de rua, não era de tomar gosto pelas festas extravagantes, nem tampouco omitia a sua opinião, deixando a sua lição: “As escolas de samba saem à rua naquele entusiasmo frenético dos foliões dançando e cantando ao balanço das marchas e na ginga do samba”.
O mês de março era justamente para erigir a figura da mulher, que com o escorrer da tinta da caneta a sua mensagem ascendia aos céus de forma exuberante: “Esta hora respira uma beleza quase Divina: salva os sentimentos, pois a mulher ao invés de abençoar é abençoada”.
No mês de abril, que é o mês indicador do ideal de liberdade, ela teria que enaltecer os dois pilares das ações libertárias do povo brasileiro, que adormeceram com seus sonhos não realizados: Tiradentes e Tancredo Neves, expressando assim o seu sentimento de brasilidade: “Tiradentes e Tancredo, dois picos da mesma cordilheira: a democracia, considerados dois nomes e uma única legenda”.
Já o mês de maio, aí, sim, não havia espaço que não fosse ocupado, cujas crônicas eram divulgadas nas solenidades escolares, no Lord Amplificador ou nas Rádios Liberdade e Bom Sucesso, onde se resumia todos os poemas em um só verso na sua folha de papel: “O amor materno é a fonte de onde forma todas as afeições da Terra”.
As festas juninas eram citadas como boas recordações, talvez, no tempo do Assento da Pedra, quando representava o seu simbolismo e fazia relembrar a sua mocidade: “As fogueiras juninas que passam por força da tradição, a simbolizar vida e fertilidade”.
No mês de julho, Pombal não poderia ficar esquecido, que pelo registro da história, foi berço da “Cabocla Maringá”, principalmente quando se comemora o aniversário da cidade: “Pombal, nascente radiante de formosura do milagre Divino, sob a bendita proteção de Nossa Senhora do Bom Sucesso”.
O mês de agosto só havia motivo para, primeiro, o Dia dos Pais, surgia o seu verso em prosa: “O nome pai toca sensivelmente o nosso coração, em forma de melodia, que ecoa através do espaço e do tempo nas sonoras vibrações musicais". Também, neste mês se comemora o Dia do Folclore Brasileiro, e ela fazia de Maringá, o seu tema predileto: “O seu discurso itinerante sempre terminava com a vida da Cabocla Maringá, enaltecendo a composição de Joubert de Carvalho”.
O Dia da Pátria, registrado o mês de setembro de nossas solenidades, no seu estilo tradicional de descrever a história do Brasil, exultava: “Este grito que abalou rochedos celebrou o dia Sete de Setembro como dia da Pátria, data magna da nacionalidade”.
E a profissão que elegeu por vocação, o Dia do Professor, no mês de outubro, como o troféu que trazia dentro de sua própria alma: “O professor aponta veredas, descortina horizontes servindo de farol no desempenho desta nobilitante missão de lecionar, uma vez que ensinar será sempre traduzir o seu tempo e ter uma voz de ecos infinitos”.
A sua mensagem literária não era somente contemplativa à vida, mas aos corpos que partiram e não morreram. Assim, no mês de novembro, aflorava o seu sentimento ao Dia de Finados: “No dia consagrado aos mortos rendemos nossas homenagens num tributo de veneração àqueles que se foram retornando à Casa do Pai porque mergulharam na terra para durar pela Eternidade”,
A inspiração de Ivanil Salgado de Assis, com seu rosário de crônicas literárias não podia esquecer o mês de dezembro. Com um grito alvissareiro de paz e amor ao próximo descrevia com a sua mensagem de esperança: “Nesta hora de confraternização universal, as mãos se unam e os corações se encontrem num pulsar uníssono de amor, paz e Felicidade. Feliz Dia de Ano”.
O nosso desejo é diferente da realidade verificada pelos nossos olhos, neste mundo real que denominamos de Terra, onde não existe luneta que alcance a grandeza do mundo transcendental, ante a imperfeição desta vida passageira, quando queríamos que determinadas pessoas não só tivessem uma alma imortal na argila de um corpo mortal, mas que alma e corpo fossem infinitos como o brilho das estrelas, que apenas a cada dia emite um reluz renovado que aparece para encantar a beleza da noite, assim era o nosso desejo pela vida perene da professora Ivanil Salgado de Assis.
No final desta crônica literária resumimos o nosso pensamento de fé: Ivanil Salgado de Assis se foi uma mulher pequena na estatura tornou-se grande no seu honrado caráter no viver, no seu estilo de vida exemplar, no seu modo de coerência no pensar e retidão nas suas atitudes no agir. Por tudo isso que construiu na vida terrena, agora, mais do que a certeza da nossa fé, sabemos que os seus passos terão continuidade nos prados da Eternidade.
Pombal – Pb, 20 de fevereiro de 2011.
SEVERINO COELHO VIANA
A u t o r
A GLÓRIA DA PROFESSORA IVANIL
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/21/2011 06:23:00 PM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário