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BRASIL OITICICA: O SILÊNCIO DA FÁBRICA

Francisco Vieira
Por: Francisco Vieira*

Logo ao amanhecer a sirene da Brasil Oiticica ecoava nos céus de Pombal despertando a população. O silvo também à tarde, tão pontual quanto no período matinal, anunciava o início e fim do expediente. A princípio, significava um chamamento convocando seus operários para a labuta diária, que com o tempo tornou-se uma rotina na vida dos moradores. Assim, comunicava aos quatro ventos, que ali, num recanto do sertão, onde o progresso caminha em marcha lenta, havia uma grande indústria de beneficiamento de oiticica – parece até incrível – que funcionando em pleno vapor contribuiu durante décadas com o desenvolvimento do município e do país.

Não obstante a finalidade para o qual o apito fora instalado, seu eco passou a integrar a vida dos pombalenses, tornando-se uma referência. O som que ultrapassava os limites urbanos despertava a todos. A propósito, era mais que isso, funcionava como uma bússola, orientando com precisão: estudantes, funcionários, comerciantes, trabalhadores, enfim, todos que dependiam de horário. De fato, todos se beneficiavam de sua ação sonora. Até os desocupados interessavam saber o tempo que dispunham para jogar conversa fora ou mesmo para não fazer nada. Tamanha era sua influência que mesmo depois do seu fechamento o apito da Indústria de Doces de Cícero Cesário era comparado ao da Brasil Oiticica, chegando os menos informados a denominá-la de “Brasil Doceira”. Por analogia todo apito de fábrica seria uma “Brasil” qualquer. Imagine como seria em São Paulo com tantas “Brasis”.

A natureza, mãe por excelência, foi generosa com Pombal, fazendo-lhe rica em belezas naturais. Como se não bastasse os Rios Piancó, Piranhas, a Pedra do Sino, Serra do Comissário, fez-lhe privilegiada na produção de oiticica, cabendo-lhe o posto de maior produtor no sertão. Tamanha era a produção que na safra se observava imensas filas – diria até quilométricas – de transportes motorizados e de tração animal conduzindo o produto, vindo de todos os recantos da região. Certamente, esse foi o motivo principal para que em 1932, fosse instalada em Pombal, a primeira indústria do ramo no estado.

Coincidência ou não, esse marco veio acompanhado de outros de igual importância, tais como: construção do Grupo Escolar “João da Mata”, primeiro estabelecimento de ensino do município, conclusão da estrada de ferro e chegada do primeiro trem e a gravação da música Maringá na voz de Gastão Formenti, composição de Joubert de Carvalho, hoje a maior referência do lugar.

Infelizmente, após cinquenta anos, numa ação contrária ao desenvolvimento suas atividades chegaram ao fim. Num certo dia – melhor que não tivesse acontecido – o apito da Brasil Oiticica tocou pela última vez. Sem ter ideia das consequências, anunciava o início de sua eterna inatividade, causa de prejuízo à economia local, cujas razões desconheço. Contudo, creio ter sido vítima da crise financeira do país, a consequente falta de incentivo à exploração e desvalorização monetária do produto.

Depois de quase três décadas de inatividade e abandono, o prédio em ruínas foi vendido e demolido. Assisti constrangido a sua demolição sem sequer saber seu novo destino. Vi com tristeza e revolta parte da nossa história reduzir-se a pó que jamais se aglutinará. Quiçás tenha sido por uma boa causa. Presenciei máquinas destruírem impiedosamente toda estrutura de alvenaria que armazenou anos a fio milhares de toneladas de tão valiosa fruta.

Hoje, além de pálidas recordações das pessoas que ali trabalharam – aí me vêm na lembrança às figuras de Seu Inácio, Zé Leite, Lessa, Zé Assis, Dr. Abdon, Zé de Bú, Titico do Beco da Cadeia, João Rapadura, Seu Alegria e outros mais – resta somente a chaminé, essa mesma com os dias contados e que, mesmo fria e inerte continua imponente – não sei até quando. Lá do alto de sua Majestade, ora ameaçada, contempla em silêncio o crescimento da cidade enquanto aguarda uma explicação convincente para o seu abandono.
Parte da população aglomerada esperava ansiosa, porém em vão, a queda da chaminé que não aconteceu. Os recursos empregados não surtiram efeito. A coluna fez valer sua imponência mantendo-se inabalada. Em sua firmeza, por mais que tentassem, não cedeu aos caprichos dos insensatos que desvalorizam a história em favor dos interesses econômicos. A sua permanência está a mercê da população dividida: de um lado, os que defendem com ardor e coragem sua transformação em patrimônio histórico, opinião que se contrasta com outros, que por insensatez se manifestam indiferentes e não reconhecem seu imensurável valor. Não sabem eles que quem não valoriza seu passado não tem história, portanto não reconhece a si mesmo. Fale de si e estarás contando sua história. Quem preserva o passado no presente será história no futuro.

É preferível lembrar a Brasil Oiticica em pleno funcionamento com sua chaminé ardente, sinal de sua ação progressiva; rever trens adentrando seus portões gigantes para colher o óleo produzido e transportá-lo até Fortaleza; relembrar saudoso o apito da sirene com hora marcada e pontual como relógio britânico; ver o avião da fábrica sobrevoar os ares de Pombal; recordar grandes festas dançantes ali realizadas a exemplo da instalação da Boite “ELE E ELA”, vinda de Patos, quando da inauguração da Br. 230, e relembrar o time de futsal – na época futebol de salão – prova de que a indústria estava também envolvida com a vida social da cidade. Na verdade, é preferível tudo isso que vê-la sucumbir, sem deixar um sinal sequer que faça lembrar sua importância para o lugar. Destruí-la seria registrar mais um marco de nossa história no rol do esquecimento e que certamente se juntaria ao Cine Lux, Casa do Altinho, Ginásio Diocesano de Pombal, DNER, Grupo Escolar José Avelino e outros, também inexplicavelmente destruídos. Seria mais uma página da nossa história que jogada ao vento se esvai sem rumo. Prefiro antes ser rotulado de conservador que ver Pombal sem história.

Diante desse estado de ignorância e insensibilidade, na qualidade de pombalense, me apresento como um paladino, disposto a defender com ardor os interesses da terra que me acolheu como filho. Revestido de amor filial me associo à campanha em prol da conservação da chaminé, bem como, de todo e qualquer movimento em benefício da preservação da história de minha terra.

Ante os motivos expostos, coclamo os poderes constituídos, clubes de serviços, a imprensa, e a sociedade, composta de homens de bom senso, para se unirem pelo tombamento de tão significante marco histórico. Maravilhado, exalto e endosso a ideia encabeçada pelo conterrâneo Dr. Cesário de Almeida – mentor do movimento – no sentido de mantê-la na pujante posição de terceira maior do mundo em tijolos, construindo um memorial que se chamaria Praça da Chaminé ou algo parecido e erigir um marco ostentando as informações possíveis sobre a inesquecível Brasil Oiticica, hoje, uma fábrica em silêncio.

 Pombal, 30 de maio de 2012.


*Professor, ex Diretor da Escola Estadual João da Mata e ex Secretário de Administração do Município de Pombal-PB 
BRASIL OITICICA: O SILÊNCIO DA FÁBRICA BRASIL OITICICA: O SILÊNCIO DA FÁBRICA Reviewed by Clemildo Brunet on 6/02/2012 06:45:00 AM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Belo texto. Estamos despertando pra nossa importância neste cenário de luta pela preservação da nossa cidade.Parabens mestre.

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