SALVE 12 DE SETEMBRO: O dia da Seresta!
Ignácio Tavares |
“Poetas
seresteiros, namorados correi
É
chegada a hora de escrever e cantar
“Talvez
as derradeiras noite de luar” (G. Gil)
Ignácio Tavares*
Nos bons tempos
quando a gente podia ficar até altas horas a jogar conversa fora, noite à
dentro, havia aqui na terrinha um time de notívagos que se reunia em pontos
estratégicos até que os primeiros raios de sol surgissem no horizonte leste da
cidade. Fiz parte desse grupo, de saudosa memória. É pena que alguns, a esta
altura, estejam na eternidade, infelizmente.
Como eram gostosas as noites da minha terra! Conversávamos
sobre todas as coisas que nos vinham a cabeça, principalmente quando se tratava
de política, futebol, entre outras futricagens. Por que tanto fascínio pela
noite?
Ah, meu amigo confesso que o nosso culto à noite justificava-se pelos entretenimentos que o ambiente noturno nos proporcionava.
Alem das conversas
sobre as coisas do dia, dia, rolavam outras diversões, tais como: serenatas,
bem como algumas estripulias, coitos fortuitos, sei lá, era tanta maluquice que
nem a própria noite ousava revelar. Foi muito bom enquanto durou, pois, não
havia outras opções de lazer que nos permitissem extravasar a vontade de viver alegremente numa pequena cidade do interior
paraibano.
Com certeza as
gerações que nos antecederam também prestaram culto à noite no afã de dar vazão
a vontade de viver diferente. É verdade que a noite aos notívagos pertence. Há registros bíblicos, enaltecedores da noite.
“Deus inspira canções de louvor durante a noite” (Jó 35,10). O salmista Davi
não deixa por menos: “Tudo tem suave encanto quando a noite chega”. Este moço
foi o primeiro notívago a desfrutar das delicias da noite. Vejamos:
Davi foi o todo
poderoso Rei de Israel a quem se atribui a construção dos mais belos versos (Salmos) da
história da humanidade. Foi um jovem valente, vitoriosos, poderoso, alegre e
divertido. O seu reinado representou o marco da transição da nação tribal para
o estado territorial unificado, depois da anexação do território de Judá às
terras de Israel. Reza a tradição Bíblica que jovem Rei foi escolhido por Deus
para unificar e conduzir o seu povo. Assim o fez. Alem de poeta foi um
amante da boa música. Vivia cercado de belas mulheres que circulavam pelos
salões palacianos no decorrer das festas que oferecia a elite da época. Foi
amante da noite, quem sabe, talvez o primeiro seresteiro dos tempos bíblicos. Pois
é, o moço tocava harpa como ninguém, cantava como ninguém, dançava como
ninguém, da mesma forma conquistava belas mulheres como ninguém. É possível que o seu
amor repentino por Betsabel, a esposa do comandante Urias, tenha se tornado
realidade graças aos seus cantos e encantos. Era um jovem de uma beleza física
invejável, além de ser o todo poderoso Rei de Israel. Davi seduziu Betsabel em
plena luz do dia, mas, foi numa suave noite que conquistou o seu coração.
O carisma pelos cantos e encantos da noite,
desde a época de Davi, perpetuou-se no tempo. Rompeu a barreira da linha do
tempo, espalhou-se pela velha Europa Medieval, através dos antigos menestréis
medievais. A mania de cantar na noite espalhou-se pelo mundo ocidental na
sequencia do fim da Idade Média.
Chegou até nós por
intermédio dos colonizadores portugueses a partir do século XVI. Foi assim que o
hábito de cultuar a noite e fazer serenata chegou ao Brasil, séculos depois do
fim da Idade Média, supostamente inspirado na tradição histórica dos Cantos ou
Beracás do Rei Davi.
Minas Gerais foi o
berço dos primeiros seresteiros que por aqui chegaram. As cidades de Ouro Preto
e Vila Rica, ainda hoje guardam a tradição da boa seresta e de bons
seresteiros. Em seguida, no Rio de Janeiro, no fim do século XIX, os trovadores
desfilavam pelas madrugadas da cidade maravilhosa. Foi nesta cidade aonde surgiram os mais renomados seresteiros
do país. Eram os conhecidos reis das noites, que saiam de porta em porta a
cantarolar belas canções de amor dedicadas às encantadoras Sinhás Moça.
Havia os cantores de
lundus, pocas, valsas, modinhas que se apresentavam nos Conservatórios da
cidade, assim como outros cantores descomprometidos com a arte de se apresentar
bem, pois, preferiam cantar pelo simples prazer de cantar. Eram estes que
cantavam pelas madrugadas afora, expostos ao sereno, razão porque receberam a
denominação de seresteiros.
Não sei dizer quando
foi introduzido o hábito de fazer serenata na Paraíba. Conheço algumas modinhas
de J. Monteiro, renomado seresteiro de João Pessoa que se projetou antes da era
do rádio. Da mesma forma não tenho informações sobre a pré-história da serenata
na minha terra. Mas, sei muito bem, que foi a partir da segunda década do
século passado que os primeiros seresteiros deram o ar de sua graça pelas ruas
da cidade.
Acredito que os
jovens que estudavam em Recife, João Pessoa, entre outros centros urbanos,
tenham sido os responsáveis pela introdução dessa novidade noturna. O meu tio
Júlio Benigno, lá pelos idos dos anos trinta fazia parte do “cast” da Rádio
Tabajara, cuja inauguração aconteceu em 1937. Cantava canções e valsas em programas
semanais que atendia pedidos dos ouvintes, através de cartas enviadas a
emissora. A sua presença em
Pombal, mesmo sem contar com a participação da maior parte dos antigos companheiros
de serestas, era motivo de caminhada noturna
ao som do violão do seu primo Zé Venâncio. Escutei algumas vezes o meu tio
cantar a valsa “Pequenina Cruz do Teu Rosário” com entusiasmo e emoção. Embora
criança, essa musica me emocionava, assim como emociona até hoje.
Nos tempos de
antigamente, Pombal respirava musica por todos os poros. Minha Mãe, que na sua
juventude era flautista contou-me que, por muitas vezes participou de saraus
musicais na casa do senhor Mauricio Furtado, genitor do saudoso Professor Celso
Furtado, cuja esposa era uma eximia pianista. A casa de Dr.
Mauricio era uma espécie de Conservatório onde os rapazes e moças da cidade
faziam-se presentes para ouvir e cantarem modinhas de serestas. A música,
talvez tenha sido a primeira manifestação cultural de Pombal, lá pelos idos das
primeiras décadas do século passado. Devia ter explorado esse assunto junto a
minha Mãe, mas, não houve interesse de minha parte, pois, tinha outras
prioridades.
Infelizmente os
cantores da madrugada que sucederam a velha guarda encerraram suas atividades
lá pelo início dos anos cinquenta. Como falei em texto anterior, a turma de
Bidéca sucedeu a primeira geração de seresteiro e o nosso grupo recebeu a
triste incumbência de encerrar definitivamente o ciclo dos seresteiros, justo
nos anos sessenta.
Dessa forma
conclui-se que os seresteiros da madrugada há muito aposentaram seus violões. Os
bordões e as primas silenciaram. Também pudera, as noites já não são as mesmas
de antigamente, porque as vozes da madrugada que cantarolavam canções de amor
em frente a casa da mulher amada já não existem mais.
Que pena hein? Em
sendo o dia 12 de setembro o dia da Seresta, só nos resta lembrar aqueles bons
tempos que se foram, sem a mínima perspectiva
de um dia voltar. Que pena, hein Rei Davi? Você foi o nosso inspirador e mais
antigo seresteiro do planeta terra.
Dedico este texto a
memória de todos seresteiros da minha terra que estão na eternidade. Dedico
ainda aos companheiros remanescentes, quais sejam Zé Cleôncio, Curinha, João
Rapadura, Raimundo de dona Paulina, (irmão do saudoso magro Zequinha), amigos
inseparáveis nas caminhadas pelas madrugadas de Pombal. Um forte abraço de
Ignácio.
Vocês se lembram
dessa canção?
Suave é a noite (Moacyr Franco)
É tão calma a noite
A noite é de nós dois
...................
...................
....................
Tudo tem suave
encanto
Quando a noite vem
A noite é somente
nossa
No mundo não há mais
ninguém
João Pessoa 02 de Setembro de 2012
*Economista e escritor pombalense
SALVE 12 DE SETEMBRO: O dia da Seresta!
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/02/2012 06:02:00 AM
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