CATULO: TALENTO VERSUS FORMOSURA
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Quem nunca se deslumbrou com
a poesia de Catulo? Quem nunca cantarolou pelo menos uma música de Catúlio? Na
pior das hipóteses, se não cantarolou pelo menos ouviu e gostou, não é? Pois é,
no inicio do século passado a musica popular brasileira restringia-se aos
gêneros choro, jonga, polcas, lundus, valsas, musicas de umbigadas, modinhas
chorosas, bem como emboladas de inspiração nordestinas improvisadas por
Manuelzinho Araujo.
A partir da segunda década
entra em cena um nordestino de origem maranhense cujo nome é Catulo da Paixão
Cearense. Filho de pai Cearense e
de mãe Maranhense nasceu em São Luís do
Maranhão no dia 8 de outubro de 1880. Aos 17 anos veio com a família morar no
Rio de Janeiro. Com o passar do tempo engajou-se nos movimentos de agitação cultural
a envolver obras dos compositores renomados da época bem como a literatura de
cordel, até então pouco divulgada no Rio de Janeiro.
Conheceu Chiquinha Gonzaga,
Ernesto Nazareth, Anacleto Medeiros, Francisco Braga, entre outros expoentes da
musica popular brasileira daquela época. Com estes ingressou na boemia do Rio
de Janeiro, gostou, portanto passou ser frequentador assíduo da Lapa entre
outros lugares da vida boemia da cidade maravilhosa. Em 1914, compôs Luar do
Sertão que se tornou sucesso absoluto em todo território nacional.
Em seguida compôs outros
sucessos, entre os quais Flor Amorosa, a Flor de Caxangá, Por Um Beijo, Talento
e Formosura, Ontem ao Luar. Em seguida produziu outras canções que se
transformaram em verdadeiras joias do cancioneiro popular brasileiro. Catulo do
dia pra noite passou a ser o artista mais amado e admirado em todo território
nacional. Era tanto que as emissoras de rádio, recém-instaladas no país, só
tocavam as músicas de Catulo.
Diante de tanto sucesso as
famílias burguesas disputavam sua presença nos saraus de final de semana a
preço de ouro. Catulo fez amizade com as famílias mais abastadas residentes nas
áreas nobres da cidade. Aparecia com certa frequência nas colunas sociais ao
lado de figurões importantes. Frequentava a casa dessa gente como se fosse um
membro da família. Foi assim que conseguiu levar às elites a canção brasileira,
bem como, o violão tido até então como
coisa de vagabundo.
Não obstante ser admirador
da musica de Chiquinha Gonzaga introduziu novo estilo musical a ponto de ser
considerado reformador da tradição musical da época, em particular do gênero
modinhas. Catulo era de boa conduta, sereno, comunicativo, por isso de fácil
convivência com as pessoas que o cercava. Fisicamente era feio, pois era de
estatura mediana, nariz aquilino, queixo pronunciado e um par de orelhas de tamanho descomunal.
Tinha dificuldades para
arrumar namoradas, não obstante a sua fama como poeta, compositor e cantor de
poucos recursos vocais. Reza a lenda que certa vez apaixonou-se por uma jovem
rica da sociedade que a conheceu nos
saraus que costuma frequentar nos finais de semana. Era filha de um
senador da república. A moça percebeu o seu interesse e começou a fazer o jogo
da sedução, mas apenas pra gozar com a cara de Catulo.
Certa vez a caminhar pela
Rua do Ouvidor em direção a Casa Edson encontrou uma amiga da moça com a qual
desejava namorar. Convidou-a para tomar um café na Confeitaria Colombo, situada
na Avenida Rio Branco no centro da cidade. A moça lhe fez uma revelação, pouco
agradável, sobre a amiga com quem o poeta desejava namorar. Catulo estava cego
de paixão. De repente viu tudo desmoronar-se quando a moça lhe revelou que a
pretendente queria apenas gosar da sua cara e nada mais.
A conversa continuou. Lá
para as tantas, a moça lhe falou que a presumível namorada quando se referia ao
seu nome era com deboche e desprezo. Era tanto que, em conversa com amigas
costuma dizer que jamais namorará um “Sapo”. Foi o suficiente para o poeta
ficar deprimido. Apressou-se em pagar a despesa, despediu-se da moça saiu a
caminhar sem saber pra onde ir, tão grande fora a sua decepção. O seu mundo
desmoronou-se. Pensou consigo mesmo: nunca mais irei aquela casa onde aquela
moça sempre está presente na ocasião dos saraus. Juro, que jamais irei!
Nas suas reflexões achou por bem dar uma
resposta a sua quase ex-namorada no momento oportuno. Caprichosamente, movido
pelo o desencanto, por conta da rejeição, preparou uma canção cujos versos
apropriavam-se ao momento o qual estava a viver. Escolheu um título que por si
só já dizia tudo: “Talento e Formosura”. Ele explorou o conflito entre a sua
obra poética, que, com certeza se perpetuaria no tempo, e a beleza da jovem que
seria consumida em razão da ação perversa do tempo. Vejamos:
Talento e Formosura
Tu
podes bem guardar os dons da formosura
Que
o tempo um dia há de implacável trucidar
Tu
podes bem viver ufana de aventura
Que cegamente a natureza
quis te dar
Prossegue,
embora flóreas sendas, sempre avante
De
glorias cheias, no teu sólio triunfante
Que
antes a morte vibre em ti, fúnebre golpe seu
A natureza ira roubando o
que ti deu
Quanto
a mim irei cantando meu ideal de amor
Que
é sempre novo no visor da primavera
Na
lira austera em que o Senhor me fez tão destro
Será meu estro só do que for
imortal
Terei
mais gloria em conquistar com sentimento
Pensantes
almas de valor e alto saber
E
com amor e pujança de talento
Fazer um bardo as ternas
lágrimas verter
Isto
é mais nobre, mais sublime edificante
Do
que vencer um coração ignorante
Porque
a beleza é só matéria e nada mais traduz
Mas, o talento é só
espírito, é só luz
Tu
podes bem sorri da minha desventura
Pertenço
a dor e gosto muito de penar
Eu
tenho n’alma um grande cofre de amargura
Que é meu tesouro e que
ninguém pode roubar
Pois
quando a dor vem pedir alguma esmola
Eu
lhe descerro as portas d’alma que a consola
E
dou-lhe as lágrimas que lhe vão mitigar o ardor
Porque a inspiração dos
versos meus só devo a dor
Descantarei
na minha lira as obras-primas do Criador
Uma
color de flor desabrochando à luz do
luar
O
incenso d’água é que nos olhos faz a mágoa rutilar
Num olhar onde o amor tem
seu altar
E
o verde mar que se debruça n’alva areia a espumar
E
a noite que soluça e faz a lua soluçar
E
a estrela Dalva e a estrela Vésper languescente
Bastam somente para os
bardos inspirar
Mas
quando a morte conduzir-te a sepultura
O
teu supremo orgulho em pó reduzirá
E
após a morte profanar-te a formosura
Dos
teus encantos ninguém mais se lembrará
Mas quando Deus
fechar meus olhos sonhadores
Serei
lembrado pelos bardos trovadores
Os
versos meus hão de na lira e magos tons gemer
Eu, embora morto, nas
canções hei de viver.
Depois de muita insistência,
Catúlio retornou a casa da sua pretensa namorada, para participar de mais um
sarau. Refeito do golpe que sofrera levou consigo uma bomba a ser explodida
naquela noite: a sua nova canção, Talento e Formosura. Ao chegar foi bem
recebido com beijinhos e abraços. Não anunciou que naquela noite apresentaria
uma nova canção da sua lavra. No momento de iniciar o sarau fez questão de
sentar-se numa posição frontal a dita cuja.
Com o seu regional, flauta,
violão, bandolim e violino cantou até altas horas da noite. Já no final do
sarau avisou que cantaria uma nova canção. Fixou o olhar em direção a pretensa
namorada e disparou os seus versos feitos sob o efeito de uma paixão frustrada.
Todos os participantes
deslumbraram-se com a beleza e realismo da nova canção de Catulo. Apenas a dita
cuja permaneceu em silencio e reflexiva, com ares de sonolência.
Sem dúvida sentiu-se
flechada quando Catulo, na penúltima estrofe, fala de forma bem clara sobre a
efemeridade da beleza física, pois, definitivamente desaparece com a morte,
porquanto na estrofe seguinte fala sobre seus versos que o perpetuarão na
infinitude dos tempos porquanto existir
boêmios, notívagos a cantar suas canções.
Moral da história: você
minha jovem, se natureza lhe foi generosa
e se por acaso namorar um poeta cuidado,
viu? Não fira seus sentimentos, porque você não imagina o que pode sair da sua
cabeça, em termos de criação poética. Quem quiser que duvide.
Esta canção faz parte da discografia do
saudoso cantor Vicente Celestino.
João Pessoa, 09 de Dezembro 2012
*Economista
e Escritor pombalense
CATULO: TALENTO VERSUS FORMOSURA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/08/2012 06:50:00 PM
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