O OUSADO ATAQUE CANGACEIRO DE 27 DE JULHO de 1924 À CIDADE DE SOUSA PB.
J. Romero Araújo Cardoso |
José
Romero Araújo Cardoso*
Quando dos festejos do
réveillon do ano de 1923, em Triunfo (PE), acalorada discussão envolvendo
Marcolino Pereira Diniz e o magistrado local, de nome Dr. Ulisses Wanderley,
resultou em tragédia, pois o primeiro, filho do poderoso “Coronel” Marçal
Florentino Diniz, também sobrinho e cunhado do “Coronel” José Pereira Lima,
chefe político de Princesa, alvejou o juiz, seguindo-se ainda disparo efetuado
por homem da confiança do caboclo Marcolino, conhecido por Tocha. O magistrado
ainda conseguiu reagir, atirando em Marcolino.
Raciocinando sobre a
dimensão do fato, não restou outra alternativa ao guarda-costa de Marcolino a
não ser escapar da grande enrascada em que se meteram. Marcolino foi preso,
sendo constantemente ameaçado pelos familiares e
amigos do magistrado assassinado. Pressentindo o imenso perigo que o filho corria, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos de Virgulino Ferreira Lampião para retirar Marcolino da cadeia em Triunfo. Lampião e seu séqüito composto de oitenta homens cercaram Triunfo e exigiram a imediata libertação do prisioneiro, o que foi prontamente atendido pelas autoridades locais.
amigos do magistrado assassinado. Pressentindo o imenso perigo que o filho corria, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos de Virgulino Ferreira Lampião para retirar Marcolino da cadeia em Triunfo. Lampião e seu séqüito composto de oitenta homens cercaram Triunfo e exigiram a imediata libertação do prisioneiro, o que foi prontamente atendido pelas autoridades locais.
Levado a Princesa, Marcolino
recuperou-se do tiro que sofreu. Recrudescia a antiga amizade entre Lampião e
Marcolino. Fotos históricas retrataram Lampião e seus “cabras”, no ano de 1922,
na Fazenda da Pedra, propriedade de Laurindo Diniz, irmão do “Coronel” Marçal
Florentino Diniz. Portanto, era bem firmada a relação de coiterismo que foi
estabelecida na região serrana, fronteira do Estado da Paraíba com o Estado de
Pernambuco.
Nos meses seguintes, já no
ano de 1924, houve combates intensos entre cangaceiros e volantes
pernambucanas. Entre Conceição do Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE)
Lampião foi ferido no tornozelo, passando péssimos momentos em razão da
gravidade do estrago que o projétil provocou.
Dias se passaram até que
chegou ao conhecimento de Marcolino a situação que o importante aliado estava
passando. Foi enviado grupo de resgate, comandado por Sabino Gório, para
resgatar o cangaceiro.
Lampião foi levado para o
reduto de Marcolino, o lugarejo de Patos de Irerê, localizado a cerca de 18 km
de Princesa (PB), no sopé da serra do Pau Ferrado. Duas propriedades de
Marcolino – a Manga e o Saco dos Caçulas – eram antigos valhacoutos de Lampião
e seu bando, há tempos imemoriais.
O cangaceiro-mor, substituto
de Sinhô Pereira no comando do grupo que liderava antes da retirada para o
Estado do Goiás, foi tratado por dois médicos contratados por Marcolino.
Chamavam-se Dr. José Cordeiro e Dr. Severiano Diniz, sendo este último parente
próximo do homem que foi imortalizado com a esposa por Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira em belíssimo baião por título “Xanduzinha”.
Distante de princesa, a
cidade de Sousa vivia clima de ebulição. Disputas políticas resultaram em
tragédias, como a que envolveu o embate no barracão do “Coronel” João Pereira,
em Nazarezinho (PB), então distrito sousense.
Chico Pereira |
Conversas a boca miúda
diziam que os mandantes da morte do “Coronel” João Pereira eram pessoas
importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente cidadão de nome
Otávio Mariz.
Em um dia de feira em Sousa,
Otávio Mariz notou animada conversa entre um bodegueiro de Nazarezinho (PB), de
nome Chico Lopes, e “cabra” da inteira confiança de Chico Pereira, de nome
Chico Américo. A duração da conversa despertou a desconfiança de Otávio Mariz.
Nas bancas da feira procurou
uma chibata para comprar, indo ao encontro dos dois palestrantes. Encontrou
apenas Chico Lopes. Aplicou-lhe surra magistral e pediu-lhe para ir à fazenda
Jacu, reduto dos Pereira Dantas, em Nazarezinho (PB), avisar a Chico Pereira
que tinha outra prometida para ele.
No Jacu, Chico Lopes
detalhou todo acontecido. A família do “Coronel” assassinado perguntou-lhe o
que ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir até Princesa,
conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto. Havia um irmão
de Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos. Isso facilitou
a decisão do chefe supremo do cangaço em enviar dezessete homens de sua
confiança para Nazarezinho. Antônio e Levino Ferreira, bem como Meia-Noite e
Sabino Gório, também integravam o grupo que iria se responsabilizar pela mais
aviltante ação cangaceira no Estado da Paraíba.
Notícias corriam céleres,
dando conta da aproximação do grupo cangaceiro. Em Sousa alguns aventavam a
hipótese de organizar defesa, mas como não acreditaram na possibilidade de
tamanha ousadia, relaxaram completamente.
Ao chegar ao Jacu, os
dezessete homens foram recepcionados efusivamente. O número final de bandidos
prontos a atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava oitenta e quatro
quadrilheiros dispostos.
Antes do amanhecer do dia 27
de julho de 1924, os bandidos cortaram a linha do telégrafo e invadiram Sousa,
cuja maioria da população foi pega totalmente desprevenida. Pequena resistência
partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos atacantes. Experiente
e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu quando viu que não poderia
resistir ao implacável ataque.
Tudo em Sousa virou alvo de
saque, os cangaceiros roubaram o comércio, residências, tudo, prejuízo
incalculável que marcou indelevelmente a história sousense.Feras endiabradas
davam vazão a todos os instintos selvagens possíveis e imagináveis. O
destacamento local, comandado pelo então Tenente Salgado, não conseguiu
realizar qualquer ação de defesa em Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse
havido consumação.
Grupo composto de quase duas
dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro conhecido por “Paizinho”, teve
como alvo principal a residência do juiz local, de nome Dr. Archimedes Soutto
Mayor. “Paizinho” tinha queixas pessoais contra o magistrado, a quem acusava de
tê-lo condenando injustamente. Retirado ainda com roupas de dormir, o Juiz foi
submetido a todo tipo de suplicia e humilhação, sendo forçado a andar de
cangalha e em posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato final seria o
assassinato do magistrado, mas Chico Pereira interveio e evitou a consumação do
ato extremo.
O magistrado, depois de
tudo, no ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque cangaceiro à cidade de
Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra àquelas
feras que o atacaram.
A rede de informações
montada por Lampião era impecável e precisa. Logo ele ficou sabendo dos
estragos em Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz. Rodopiava nos
calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e
raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio rápido,
Lampião sabia que em breve enfrentariam duras batalhas contra as forças
volantes paraibanas, extremamente tolerantes devido ao respeito ao “Coronel”
José Pereira Lima e a Marcolino Pereira Diniz.
Lampião estava certo. A
providência inicial do recém instalado governo de João Suassuna foi a
instalação do segundo batalhão da Polícia Militar Paraibana na cidade de Patos
das Espinharas, com absoluto aval para dar caça ininterrupta aos cangaceiros. A
responsabilidade pela iniciativa maior de efetivar a campanha paraibana contra
o cangaço liderado por Lampião coube, naturalmente, ao “Coronel” José Pereira
Lima.
Não obstante a proteção que
Lampião desfrutou em Princesa, seria inadmissível que o chefe político das
terras da lagoa da perdição tolerasse tamanha afronta, principalmente em razão
da forma como o magistrado sousense foi humilhado pelos cangaceiros.
No ensejo da caçada movida
contra os bandoleiros, há fato digno de registro, referente à resistência
efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa de farinha no sítio Tataíra,
fronteira entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Na companhia da esposa,
Meia-Noite, embora a mulher não tenha participado do combate, enfrentou
combinado de volantes, comandados pelo então Tenente Manuel Benício, e tropa de
cachimbos (civis em armas) contratada pelo “Coronel” José Pereira. Meia-Noite
lutou contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito. Escapuliu do tiroteio, mas
a esposa ficou no local em que se entrincheirara, sendo depois conduzida à
cadeia de Princesa. No local, conforme Érico de Almeida, primeiro biógrafo de
Lampião, autor do livro “Lampeão, sua história” (1926(1ª ed.), 1996( 2ª ed.),
1998(3ª ed) ), foram encontradas quatrocentas e noventa e duas balas de fuzil
mauser DWN, modelo 1912.
Em seguida, devido às
volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem capital de darem combates
violentos aos cangaceiros, inúmeros enfrentamentos foram registrados, como a
batalha do Tenório, no ano de 1925, quando Levino Ferreira foi assassinado pelo
volante Belarmino Morais, comandado pelo então cabo José Guedes. Como forma de
se vingar do “Coronel” José Pereira, a quem culpava pela morte do irmão,
Lampião e seu bando invadiram humildes propriedades em princesa, como a do
Caboré, assassinando diversas pessoas, incluindo entre essas um ancião de
provecta idade de noventa e dois anos e um garoto de apenas doze anos.
O governo paraibano invocou
o convênio anti-banditismo, firmado no ano de 1922 em Recife (PE), obtendo
permissão para que suas forças de segurança pública em perseguição aos
bandoleiros adentrassem os territórios de outros estados nordestinos.
O grupo cangaceiro, em certa
ocasião no ano de 1925, foi localizado na região de Serrote Preto. Desprezando
as mais elementares táticas militares, os volantes paraibanos atacaram
irresponsavelmente o valhacouto de Lampião. As estratégias guerrilheiras foram
implementadas impecavelmente pelos cangaceiros, resultando em horrível
carnificina, na qual pereceram os comandantes Tenentes Joaquim Adauto e
Francisco de Oliveira, além de mais de uma dezena de soldados.
Abalado com a perseguição
tenaz que as volantes paraibanas realizavam, Lampião evitou a Paraíba, pois
seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as ordens do
governo paraibano, bem como a decisão irredutível do “Coronel” José Pereira
Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo menos em terras
paraibanas.
Para Chico Pereira não houve
outra saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos em Sousa, a não ser
acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas. Travou combate
em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa Nova (Hoje
Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território pernambucano,
amargou provações inenarráveis.
O extenso processo elaborado
pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se simpático a Chico Pereira,
eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas interferências realizadas quando
do ataque cangaceiro do dia 27 de julho de 1924 à cidade de Sousa.
Perseguido, embora tolerado
discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de olhares vingativos,
sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor, Chico Pereira
desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que tudo indica, houve a
sedução de uma sobrinha do governador norte-riograndense Juvenal Lamartine, em
Serra Negra (RN).
Provavelmente houve um
conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João Suassuna para eliminar Chico
Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome Antônio, empenhou a palavra
sobre a total liberdade do homem que foi obrigado a se tornar cangaceiro devido
à morte do pai, motivada pela política acirrada dos turbulentos anos da década
de vinte do século passado.
Na festa da padroeira de
Cajazeiras, no ano de 1928, Chico Pereira foi detido por oficiais da polícia
militar paraibana. Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela prisão.
Conduzido a Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao velho
casarão de Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser
transferido para Princesa, onde havia assassinado soldado de nome Pierre.
A escolta que o conduzia
rumou em direção a Santa Luzia. Havia um crime atribuído a ele em Acari (RN),
referente a um roubo praticado contra o velho “Coronel” Quincó da Ramada.
Era parte do esquema
estruturado por Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de Moura, famanaz
executor de bandoleiros, foi o responsável pela morte de Chico Pereira.
O ataque do bando de Lampião
à cidade de Sousa foi um dos mais ousado ato praticado pelos bandoleiros das
caatingas, cuja marca indelével permaneceu por tempos e ainda resiste na
memória de poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a verdadeira baderna
que os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no longínquo dia 27 de
julho de 1924.
*Geógrafo.
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista
em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB).
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA – UERN). Contatos: E-mails:
romerocardoso@uol.com.br. romero.cardoso@gmail.com. Endereço Residencial: Rua
Raimundo Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró
– RN – CEP: 59.626-630 – Fone: 084-3312-0239.
O OUSADO ATAQUE CANGACEIRO DE 27 DE JULHO de 1924 À CIDADE DE SOUSA PB.
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/15/2012 09:36:00 AM
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