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MORADORES DE RUA

Severino Coelho Viana
Por Severino Coelho Viana*

As seis da matina, o sol esplendoroso surgindo no nascente, o coração começa a bater bem forte quando o olhar se dirige para o calçadão da praia, avista corpos estirados pelo chão ou apoiados em colchonetes esfolados e enrolados em sujos cobertores, com os pés cruzados enlameados da maneira de não ter sido lavado na noite anterior. Tudo misturado: homens e mulheres, bêbados e doidos, famintos e esfomeados que acordam esperando pelo o nada. Não existe coração humano que resista ver outro ser humano sofrendo ao relento.

A crescente população em situação de rua no Brasil é o retrato mais cruel da miséria social que se aprofunda em diversos ramos da esfera pública. O atual estado é a consequência de uma reação em cadeia que relaciona os altos índices de desemprego, rebaixamento salarial, uso de drogas e
violência. 

Morar na rua é o reflexo visível do agravamento social no Brasil, além da falta de políticas públicas eficientes se constitui como negligência do poder público que não garante a esse cidadão condições mínimas de sobrevivência. Os mais miseráveis estão entre os que mais incomodam politicamente, estigmatizados como perigosos socialmente por serem os que não participam da geração de riquezas.

Um contingente de pessoas que pouco usufrui dos serviços básicos públicos, à mercê do Estado e indiferente à sociedade civil. Para sobreviver buscam alternativas para o banho, necessidades fisiológicas, alimentação e vestuário. Vivendo literalmente nas ruas e dormindo sobre trapos ou papelão, pessoas que constroem nas ruas suas próprias histórias, mas não como querem; não pelas circunstâncias de suas próprias escolhas, e sim, sob aquelas com as quais se defrontam diretamente, legadas e transmitidas principalmente pelo passado trágico de uma vida que deixaram para trás. Apesar de serem atores da própria história, só são capazes de agir nos limites que a realidade impõe.

O atual estado no qual se encontra a população de rua brasileira é o resultado de um conjunto de fatores que colaboram para a manutenção dessa situação. A ineficácia do sistema público se agrava quando não estão disponibilizados meios sociais fundamentais – programas de saúde, atendimento a usuários de drogas, abrigos, atenção à família, entre outros. O fator de primeira instância relacionado à situação dos moradores de rua é o desenvolvimento de novas técnicas de trabalho, criando uma enorme massa de desempregados na qual o sistema capitalista não consegue sustentar. A população de rua tem um histórico de perdas de emprego e baixa qualificação profissional, assim não se asseguram como integrantes do tecido social.

O descaso do Estado com os desabrigados reflete inclusive nas leis que regem o País. Até 2009, a mendicância era considerada uma transgressão penal no Brasil, quando o artigo da Lei de Contravenções Penais foi revogado pela Lei nº 11.983, pode até ter significar um avanço no modo como o poder público trata o caso, porém demonstra também como o Estado é incapaz de garantir condições mínimas de sobrevivência, até recentemente, condenava quem tivesse no estado de mendicância.

A população sem teto, os chamados moradores de rua, um número elevadíssimo, com cerca de 1,8 milhões de moradores de rua, segundo o IBGE, é um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta.

O surgimento da população em situação de rua é um dos reflexos da exclusão social. A pesquisa publicada em abril de 2008 pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome – MDS aponta um perfil do morador de rua. A maioria das pessoas em situação de rua é do sexo masculino (82%) e jovem, entre 25 e 44 anos, de cor declarada parda ou preta, sendo composta por trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, trabalhadores sazonais (migrantes e trecheiros), famílias que perderam a moradia, vítimas de vulnerabilidade social, pessoas com sofrimento mental, vício de drogas e uso abusivo de álcool e substâncias que causa dependência psicotrópica. O desemprego aparece em 30% das citações, e os conflitos familiares, com 29%, compõem o quadro de razões que os levam a viver nas ruas.

Dos entrevistados, 88,5% não têm acesso a programas governamentais, como aposentadoria, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, cesta básica, vale transporte ou outro. Sobre a questão do trabalho, a partir da pesquisa podemos concluir que a maior parte das pessoas em situação de rua possui uma ocupação ou um trabalho, 72% afirmam que exercem alguma atividade remunerada, a maior parcela (28%) é catadora de materiais recicláveis. A atuação como flanelinha (guardadores de carro), carregador, na construção civil e no setor de limpeza são outros tipos de trabalho mais citados. Os dados revelam que a população de rua não é composta por mendigos e pedintes.

É inegável que a cada ano aumenta o número de moradores de rua, fato desencadeado em decorrência de vários fatores: ausência de vínculos familiares, desempregos, violência, perda de autoestima, alcoolismo, uso de drogas, doença mental etc.
A ineficácia de políticas públicas, salvo o trabalho destacado por instituições religiosas e algumas Organizações Não Governamentais. Essas instituições atuam na distribuição de alimentos, roupas e cobertores. Outro trabalho de assistência são os abrigos temporários e os albergues que, de um modo geral, são considerados insuficientes para beneficiar toda essa população.

Os versos de tristeza trazidos da mente brilhante do poeta Jansen Filho reflete muito bem a realidade de nosso país:

RENATA
Quando foi rica e feliz,
Renata teve o que quis: Beijo, carinho, esplendor!
Hoje arrasada e perdida,
Pelos banquetes da vida
Busca migalhas de amor!
II
Não dorme mais e nem come,
O mundo esqueceu seu nome!
É pobre! Não tem valor!...
A sua casa – o relento!
O seu leito – o calçamento!
E a lua – o seu cobertor!
III
Rolando pelas calçadas
Lateja, nas madrugadas,
Seu coração sofredor!
Ninguém mais lembra Renata,
Motivo de serenata
Daquelas festas do amor!
IV
Mas longe da gente nobre,
Renata humilhada e pobre,
Tem hoje o tesouro seu:
- O espaço triste da rua,
A claridade da lua
E a sina que Deus lhe deu!
V
Jovens de agora, cuidado!
Este mundo é um poema errado
Que o desengano compôs!
Nesta vida que caustica,
Há muita Renata rica
Que fica pobre depois!

João Pessoa, 02 de dezembro de 2013.
*Escritor pombalense e Promotor de Justiça na Capital do Estado.

MORADORES DE RUA MORADORES DE RUA Reviewed by Clemildo Brunet on 12/02/2013 09:55:00 PM Rating: 5

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