VELHOS DOMINGOS: PARECE QUE FOI ONTEM
É sabido que as pessoas unidas aos
fatos fazem a história. Alguns acontecimentos são como brancas nuvens, passam
rápido, caindo no rol do esquecimento, já outros, deixam marcas que o tempo não
consegue destruir. Assim, são os domingos do meu passado em Pombal que de tão
presentes na lembrança, parece até que foi ontem.
O dia começava cedo. Com o lume dos
primeiros raios de sol e
o
badalar dos sinos, despertava para a missa das sete, obrigação dominical dos
alunos do Ginásio Diocesano. Ali, eu e meus colegas, devidamente fardados qual
um militar, estávamos de prontidão, para cumprir forçosamente o dever cristão,
sob os olhares vigilantes de Padre Gualberto e Prof. Arlindo, diretor e vice,
respectivamente. Sem dúvida, uma forma repressora de evangelizar. Ávidos de
desejos todos torciam por Padre Andrade como celebrante, pois era a certeza de
uma missa em tempo recorde.
Dali, tão logo
acabava o ato religioso, se não, com a consciência “tranquila” por haver
cumprido o dever cristão, pelo menos carregava a certeza de ter obedecido a
ordens superiores de pais e professores.
Depois da missa, o indispensável banho
no Rio Piancó, nossa maior riqueza. Um oásis no alto sertão, região árida e
tórrida, portanto um presente de Deus. Impossível resistir o frescor de suas
águas cristalinas. Ali, em seu leito verdejante nos reuníamos para o lazer
dominical, reafirmar nossas amizades e aventurar-se nos robustos galhos de
gigantescas árvores. Igualmente prazeroso era saborear um apetitoso rubacão na
sombra das ingazeiras, acompanhado de galinha – roubadas da vizinhança - e
regado à base de cachaça, além de animados por violões mal tocados, cantores
desafinados ou radiolas portáteis. Tudo corria bem até o instante em que um dos
parceiros embriagado, era conduzido nos braços. Nesse estado de incapacidade, além
de perder a matinée no Cine Lux, também não assistia ao jogo São Cristovão x
Pombal Esporte no Vicente de Paula Leite. Estava impedido de ver Nego Adelson,
rápido como um gato, fazer defesas incríveis, Agnelo e Natal fazerem gols de
bicicleta, César exibir toda maestria e habilidade, Chico Sales, com raça,
romper qualquer defesa, Tuzinho driblar até com deboche seu marcador e Carrinho
chutar de bico em qualquer direção. No final, independente do resultado, tínhamos
presenciado um verdadeiro trabalho de arte, um espetáculo de futebol que pouco
ou nada ficava a dever aos grandes jogadores e clubes do sul do país. Sobrava
talento e faltava incentivo. Quem presenciou confirma esta afirmação.
Como parte desse espetáculo, Zé Gago
cuidava da portaria, Ciço Bem-Bem procurava apostas, Cabine e Valderi organizavam
a torcida a margem do campo respeitando a linha demarcatória, “Seu Pedro
Corisco”, conduzindo seu tamborete buscava a melhor localização, enquanto
Severino Pedro, sacudindo suas pernas para todos os lados, repetia os
movimentos dos jogadores. Tudo era festa, até o momento em que Dilau, Bié ou
João de Biró, exímios atiradores de pedras, acertavam um bagulho de laranja no
torcedor mais entusiasmado, causa de revolta para uns e gracejo para a maioria.
Era impossível não rir diante de tamanha comicidade.
Infelizmente, hoje, quase não é mais
possível desfrutar desse lazer as margens do rio. A tranqüilidade que ali
existia foi invadida pela ação de vândalos e viciados causando medo e
insegurança.
Terminado o dia, no início da noite,
ocorria o passeio noturno que começava defronte ao Cine Lux e se estendia até o
Largo do Centenário e Praça Getúlio Vargas. Na verdade era mais que um passeio,
um encontro.
Tudo começou de forma espontânea entre jovens.
Rapazes, moças, namorados e amigos que ali se reuniam para jogar conversa fora
e paquerar. Dado seu caráter social o que era um simples passeio noturno, tornou-se
uma prática rotineira, porém saudável, principalmente nos finais de semana -
uma tradição. A propósito lembro-me ainda: enquanto os rapazes, apostos na
parte superior do Bar Centenário, esbanjando charme, degustavam bebidas da
época como: cerveja Antártica e Brahma, Ron Montilla ou baccardi, as moças, em
duplas ou grupos, caminhavam em volta trocando olhares, às vezes nem
correspondido. Como se não bastasse à beleza física, trajando a moda da época, se
exibiam com graça e encantamento, portanto, atraentes e irresistíveis. Diria
até: provocantes e arrebatadoras.
O local foi palco de centenas de histórias
amorosas. Muitos romances ali começaram e tiveram um final feliz, acabando em
casamento, uns duradouros e outros não. Alguns iniciaram sem sucesso e outros sequer
começaram, não passando de meros sonhos e tentativas frustradas. Como toda
praça, o Bar Centenário, testemunhou em silêncio o desfecho de vários casos,
cenas que mostraram os dois extremos de uma vida amorosa.
A
propósito, como amante a moda antiga, fui ator coadjuvante desse espetáculo.
Foi ali, exatamente numa noite de domingo, com intenso frio na barriga, coração
palpitante, pernas trêmulas e a voz embargada, que eu e Lenice, começamos nosso
romance, ainda em vigor depois de 43 anos de convivência, incluindo cinco de
preparação – o namoro.
Como saudosista assumido, sinto falta desse comportamento antigo e tão
ingênuo, onde uma simples olhadela expressava todo sentimento. De certo havia
mais verdade e pureza nas relações, hoje, tão fáceis e grosseiras. É que a
degradação da moralidade, também no sexo feminino – o que é pior - tornou a
mulher, outrora tão cobiçada e exaltada, uma presa fácil. Por isso, faz-se
desnecessário o romantismo, sentimento quase totalmente extinto, onde o homem
se expunha com delicadeza cortejando a pretendida. Era o trabalho da conquista,
atualmente em desuso.
Segundo a etimologia da palavra, domingo,
vem da expressão dies dominicus que significa dia do Senhor ou a ELE dedicado, portanto,
de imprescindível valor cristão. Além do mais é um dia reservado ao descanso
semanal, a prática esportiva, ao lazer e reunião em família. Assim, como sendo
dia de repouso é aconselhável repensar nossas atitudes e recuperar as energias,
afinal de contas a vida continua.
Final do dia. Mal a noite chega começa
a contagem regressiva. É a segunda - feira que se aproxima às pressas, numa velocidade
além dos limites. E assim, mais um domingo se vai deixando um misto de alegrias
e tristezas, vitórias e derrotas, enfim, saudades para voltar em breve. O seu
retorno é a certeza de novo reencontro e novas esperanças.
Quer tenha sido agradável ou não,
agradecer pelo dia vivido é a atitude mais sensata, lembrando sempre que sem o
domingo já seria segunda.
Contrariando o pensamento de muitos, é
engano achar que o passado ficou para trás. Ele está conosco, assim como VELHOS
DOMINGOS, que de tão presentes, PARECE QUE FOI ONTEM.
Pombal, 10 de janeiro
de 2014
*Escritor.
VELHOS DOMINGOS: PARECE QUE FOI ONTEM
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/13/2014 06:54:00 PM
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