A seca de 1915
J. Romero Araújo Cardoso |
Por José Romero
Araújo Cardoso*
Profecias
populares começaram a indicar que 1915 seria um ano fatídico, marcado por
fenomenal catástrofe natural. Experientes quanto a utilização de técnicas
tradicionais a fim de descobrir segredos da natureza, os sertanejos começaram a
temer pelo pior naquele longínquo ano do século passado.
Não tardou para o nordeste seco se
transformar em insuportável recinto no qual a sobrevivência humana, bem como de
plantas e
animais, estivesse irremediavelmente marcado pela ação implacável da
seca.
Última esperança do homem nordestino, não
caiu uma gota d´água sequer no sagrado dia dedicado a São José. Mais uma vez se
espraiava pelos carrascais a desilusão quanto a melhores condições de vida
proporcionada por um inverno promissor, sobretudo em razão que, ano de intenso
conflito na Europa, tinha-se nos empreendimentos capitaneados pelo “Coronel”
Delmiro Gouveia em Alagoas, certeza de absorção da produção sertaneja, com
ênfase à cotonicultura e ao comércio de couro e peles tão valorizados em
mercados externos longe das guerras.
A vegetação logo começou a definhar,
comprometendo o principal suporte forrageiro para alimentar criações de pequeno
e médio porte. Caprinos, caracterizados pela astúcia no que tange em conseguir
meios de sobrevivência, começaram a morrer em larga escala. Bovinos e ovinos,
bem mais dependentes da atenção humana, forma vítimas mais enfáticas da grande
seca que assinalou o ano de 1915.
A desesperança começou a inundar o cotidiano
da esquecida gente do nordeste semiárido, não obstante áreas livres da
inexorável marca natural da hinterlândia também apresentarem sinais evidentes
da estiagem grassante que começava a afligir grande parte do interior
nordestino.
A retirada foi à única perspectiva de alento
para vidas sofridas marcadas pela rigidez de uma situação que com certa
constância leva toda uma região ao desespero inaudito, gerando naquele tempo
beatos e cangaceiros.
O silvo rude do alíseo nordeste logo ecoou
por plagas distantes espalhadas pela imensa depressão sertaneja. Era o vento da
seca encontrando campo fértil para espalhar desditas inenarráveis.
Oriundo do golfo de Benguela, formado a
partir de corrente marítima que leva o mesmo nome, há evidências que o nordeste
é influenciado em sua intensidade devido ao aquecimento das águas do Pacífico
Sul.
Retirantes famélicos, carregando poucos
pertences, começaram a marcar visivelmente as paisagens sertanejas, buscando
alentos a uma situação vexatória literalmente ignorada pelos donos do poder.
As privilegiadas cidades localizadas no
litoral foram as preferidas pelos deserdados da seca de 1915, em razão de
apresentarem vantagens consideráveis no que tange à perspectiva de melhores
condições de vida.
Em Fortaleza, capital cearense, a solução
encontrada pelo poder constituído foi a criação de campos de concentração para
impedir o contato dos degredados filhos da seca com pessoas que, na maioria dos
casos, nunca passaram por aquilo que estava marcando enquanto provação para
infelicitados seres humanos oriundos de distantes localidades espalhadas nas
veredas do sertão.
Doenças transmissíveis serviam também de
justificativa para o cerceamento de levas inteiras de homens, mulheres,
crianças e idosos que tentavam escapar das consequências da grade seca de 1915.
Rachel de Queiroz imortalizou em romance
intitulado O Quinze a situação de penúria que passou os sertanejos quando da
intensificação de um dos mais dolorosos dramas nordestino, destacando a
desumanidade dos campos de concentração na capital do Ceará.
Cem
anos depois se roga clemência divina para que não haja reedição do que houve em
1915 no nordeste brasileiro, não obstante estarmos sentindo os efeitos
climáticos tão conhecidos que caracterizam sobremaneira períodos de estiagens
que tanto infelicitam a gente sertaneja.
*José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
A seca de 1915
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/02/2015 07:16:00 AM
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Um comentário
Amigo Clemildo
Parabéns José Romero.
Ate que fins ágüem fala no sofrimento dos Retirantes, ou seja, os Sertanejos, a seca de 1915, os campos de concentração em Fortaleza em 1877 a 1879,
Obrigado José Romero, já tornei-me seu admirador, gostaria de obter informação, do cangaceiro Rio Preto, Febrônio Olinto de Sousa, seu irmão Osório Olinto, e membros de seu bando os Mouras, os Galdino, Cobra Verde, os Paulinos. Todos da região de Pombal e Coremas Paraíba
Natal, RN
Francisco Nunes
Fco.nunes@yahoo.com.br
084-99003257
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