A Carta e a Festa do Rosário
Ricardo Ramalho |
Ricardo Ramalho*
O tradicionalíssimo Parque Maia que
aportava em Pombal, semanas antes da Festa do Rosário, rivalizava, naquele
curto período do ano, com o Cine Lux, no lançamento de músicas que, certamente,
seriam sucessos na cidade. Em 1964, Waldick Soriano lançou seu retumbante
sucesso “A Carta”, um bolerão repleto de lugares comuns, que, com muita
felicidade, reproduzia uma carta de amor, típica da época. De melodia e letra
fáceis, a composição caiu nos corações e mentes do povo que a reproduzia, nos
mais diversos locais, desde as lavadeiras da beira do rio, aos estudantes do
Ginásio Diocesano e da Escola Normal. Discutia e
aprendia-se, sobretudo, a letra. A palavra
“senões” do seu início, pouco usual no cotidiano, por exemplo, não foi
interpretada com facilidade.
Mesmo durante os dias de trabalho da
semana, o Parque, instalado à frente da praça Centenário, atraia frequentadores,
à noite, e passava a ser um local de aglomeração e passeio, principalmente dos
jovens. Ali, a paquera rolava solta, surgiam paixões, começavam e se acabavam
namoros, ao som dos alto falantes postados, imponentemente, nas rodas gigantes
que giravam com grande número de casais.
A postura dominante dos grupos de
pessoas obedecia à formação de homens nas laterais e mulheres a passear entre
essas filas, como se fora um desfile, uma mostra. A aproximação inicial se dava
pela troca de olhares que aumentava de intensidade, na medida em que ocorria
reciprocidade entre os dois. Era o conhecido “flerte”, termo derivado do inglês
“flirt” que significa paquera. O flerte era instantâneo, transitório, um
relâmpago. Como um raio, queimava e, ao mesmo tempo, iluminava os espíritos. Ao
homem cabia a espera, de novo trânsito da paquerada e a angustiante constatação
ou não de que correspondia ao seu olhar. Que sensação, que emoção! Depois dessa
fase poderia se pensar em “falar namoro”, o ato formal, em que o rapaz se
aproximava e declarava sua intenção de namorar à moça.
Numa dessas noites, enfileirei-me com os
amigos de turma para a busca dessa possibilidade. Logo identifiquei o objetivo.
Era uma garota que estudava, também no Ginásio e que há tempos me chamava a
atenção. Sabia onde morava e até seu nome, mas, não havia reunido coragem para
sequer lhe cumprimentar. Com menos idade, me parecia mais tímida que eu, pelo menos naquela fase.
Mal me via e desviava, em seguida, o olhar. Ficava a dúvida e a esperança ao mesmo
tempo. Naquele vai e vem não havia segurança de que correspondia a aminha
atenção. Outro elemento, já esperado, chegava e anunciava o fim da “festa”. Era
o Aracati, um vento que vem lá das bandas do Ceará, por volta das 9 horas da
noite, um aviso que, autoritariamente, determinava o momento de se recolher às
suas casas. O que fazer, a não ser esperar a noite seguinte e dormir pensando
na possibilidade do namoro?
Naquele ano não consegui vencer a
timidez e me aproximar da garota que, frequentemente, cruzava comigo no caminho
da escola. Fortuitamente, aconteceu, anos depois, o encontro, em um baile
concorrido, no Pombal Ideal Clube, numa das famosas Semanas Universitárias.
Dançamos muito e falamos pouco. Era comum esse mutismo dos namorados. Valia
mesmo, a presença, as carícias mais sutis, o pulsar dos corações, as sensações
represadas por um conservadorismo dominante. Mas, o fogo da paixão já havia
apagado e o relacionamento durou, apenas, uma noite. Lembrei-me de Waldick e
sua carta, a bradar no largo da Igreja do Rosário: “minha querida, saudações! escrevo
essa carta, mas, não repare os senões; para dizer o que sinto, longe de ti...”.
*Cronista
pombalense radicado em Maceió – Alagoas
A Carta e a Festa do Rosário
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/06/2016 07:41:00 AM
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