HISTÓRIA DE UMA MÃE
“Sejamos
bons, e depois, seremos felizes...
Não
desejemos o prêmio antes da vitória,
nem
o salário antes do trabalho.” (Rousseau)
Começo atendendo
ao teu último pedido, que me reservaste a missão de fazer e ler uma crônica
literária na missa póstuma do trigésimo dia.
Eis o dever
cumprido.
Uma vez eu
sonhei que estava no teu ventre e quando me acordei estava no teu colo. Foi o
primeiro afago materno acariciando os teus seios, que davam substância para buscar
o caminho do meu viver.
Lembro-me do meu
primeiro olhar dirigido a um rosto de mulher, logo te aplaudi com as mãos
singelas de uma criança inocente, e,
Aquela imagem
angelical ao ouvir a minha primeira palavra pronunciada correspondeu com o seu
sorriso acalentador.
E daí então
conheci um ser diferente dos outros, identificado pela iluminação do
pensamento, que denominei e chamei carinhosamente de Tia.
E esta mulher
sábia me contou uma história completamente desconhecida do mundo em que eu
vivia, a qual aprendi com fidelidade do meu ser:
À primeira
vista, nasceste no dia 10 de janeiro de 1.916, filha primogênita de um soldado
valente, que como um dos componentes das forças-volantes, enfrentou o cangaço
nas caatingas nordestinas, chamado JOSÉ ANTÔNIO COELHO; fazia companhia a este
guerreiro dos sertões, uma mulher alta e franzina, que conduzida por uma fé
inabalável, só temia aos castigos de Deus. Sendo, portanto, a minha avó:
EULÁLIA MARIA DA CONCEIÇÃO.
Dando sequência
ao desenrolar do teu raciocínio, continuaste a narrar a tua história, bem
simples, mas autêntica, que assimilei com poder de minha mente.
Casaste com
SEVERINO JOSÉ JOAQUIM, no dia 19 de março de 1.936, dia do padroeiro São José,
o dono da chuva, no Município de Paulista, cuja rama se estendeu em onze
galhos: João, Josefa, Francisco, Maria, Eulália, José, Alice, Eudócia, Geraldo,
Severino e Íris Maria.
Nesta hora, Tia
exclamava, orgulhosamente:
Menino! Você não
sabe avaliar quanto trabalho deu ao seu pai e à sua mãe para criarem uma
família deste tamanho!...Um Trabalho incansável, de sol a sol, com sofrimento e
penúria, combatendo às adversidades, realizando qualquer tarefa pela
subsistência dos filhos.
Realmente, eu me
arrepiava com esta história como também sentia no âmago do meu próprio ser, que
eles não fugiram da responsabilidade. Não temeram às noites escuras de chuvas
torrenciais, nem tampouco o sol causticante que queima a terra e pele do
cabloco sertanejo. Sei que os dois juntos desafiavam as próprias forças
humanas.
Novamente,
retomo ao enredo da história.
A madrugada fria
indicava o caminho do roçado; a preparação da terra iniciava-se com as
labaredas e a fumaça nebulosa pela queimagem da broca e somente terminava com a
colheita em abundância do feijão, do milho e do arroz. Este trabalho era
contínuo no manuseio dos seus instrumentos: machado, foice, martelo, roçadeira,
enxada e chibanca; era peso, e peso pesado, mas tinham a convicção de que todo
trabalho é digno, e pecado é ócio.
Mas a vida
continua...
Com esta pequena
pausa no roteiro, eu meditava profundamente quanto é difícil a luta pela
sobrevivência. As intempéries existenciais e a vida cheia de contrastes. Neste
instante, eu me questionava e repensava as dificuldades engendradas e repletas
de sacrifício em nome do viver terreno, sendo que encontrei a resposta,
justamente no pensamento de Hamilton Mabie: “não recei a adversidade... Lembre-se que os papagaios de papel
sobem contra o vento, e não favor dele.”
No meio de toda
esta história, quando já estava completamente envolvido e empolgado, minha
atenção se voltava para o arremate, tu me interrompias e dizias:
___ Está na hora
da escola!
Nesta época,
fase de minha ingenuidade, recordo-me, perfeitamente, ainda criança sem
perceber a noção do tempo, já aceitava a tua orientação como um filho
obediente.
Sim, somente
tinha uma noção real do teu ser. Enquanto o meu ser recebia a tua força
inspiradora e enquanto eu podia olhar para a tua fisionomia, eu também sentia o
vigor de tua estrutura física: estatura baixa, cabelos compridos, olhos
esverdeados pela firmeza, braços e mãos com disposição, pernas e pés
vigorantes, sorriso com entusiasmo, coração impulsionador e a mente lúcida e
cheia de boas lições.
É tanto que, no decorrer
de tua narrativa, enquanto eu crescia rapidamente, tu ias envelhecendo
lentamente; no entanto, eu não percebia esta mudança natural.
Agora me
intrometo na tua história para descrever uma cena da história de nossas vidas,
exatamente por ser inesquecível. Eu entrava nesta cena como ator principal. No
baile de minha formatura, no salão do Clube Cabo Branco, em João Pessoa, no
momento que acabávamos de dançar a valsa Danúbio Azul, de Johann Strauss, ainda
abraçados, tu me comovias com um anúncio de vida realizada, e dizias-me, como
se fosse uma sentença:
___ Meu filho,
agora já posso morrer.
Pois bem! Quanto
mais o tempo passava, o filho mais precisa dos carinhos maternos, e a mãe com o
seu coração de infinita bondade muito mais aumentava o seu amor filial. Como se
o ímã soltasse do ferro, e neste rápido desligamento, logo o atraía,
tornando-se, então, duas peças inseparáveis.
Já compreendia
conscientemente a tua história. Pois, o percurso de tua existência delineou-se
como um coração de mãe verdadeira: o trabalho sem descanso, o aperreio com
paciência, a tristeza sem desespero, a alegria comedida.
Quantas vezes
passaste, com a tua serenidade que recebeste como uma dádiva dos céus, a mágoa
no peito que desaparecia com o remédio da fé, na hora da aflição tinhas a prece
como sinal de esperança e nos minutos de sofrimento buscavas na oração o
lenitivo. Eras um pequeno ser rodeado por uma grande fortaleza, que sempre
viveste em sinal de alerta. Pois, na saúde também não temias à surpresa da
doença, na hora da doença lutavas pela vida e no último segundo de vida, não
fugiste da morte.
Retorno ao
enredo da narrativa, mudando o aspecto das personagens.
Querida TIA, na
tua velhice, eu deixei de ser apenas um ouvinte de tua história e passei a ser
um integrante ativo pela tua vida. Busquei os caminhos da cura, segui as
estradas do apelo e corri como a velocidade. Nesta empreitada contra o inimigo
oculto, visitei consultórios, andei em hospitais, peregrinei nas salas de
assistência, mas sempre lutando em teu socorro. Cheguei a querer ser médico
curador, anestesia caridosa e remédio aliviador.
Não me cansei
nenhum momento, e, se pudesse, seria um agasalho de conforto ou um espírito de
luz para o teu repouso na árvore da vida.
A tua história
terrena, dona SEVERINA COELHO VIANA,
terminou na tarde lúgubre do dia 31 de março de 1.998, quando o sol da vida
sumia no ocaso para iluminar os caminhos da outra vida.
Não te abandonei
e nem te esquecerei jamais. Porque de tua vida recebi as lições que ficarão
escritas e marcadas no livro do meu viver. Apenas exemplificando: a honestidade
como virtude, honrar a palavra empenhada e cumprir os compromissos assumidos,
por mais simples que sejam.
A partida foi
dura, e já estou morrendo de saudade. Acompanham-me as duas ordens naturais que
andam juntas: a falta e a saudade. A falta do teu viver, do teu sorriso alegre,
do aroma dos teus beijos, do apoio dos teus braços, do murmúrio de tua voz; não
escuto mais os teus passos, o toque do telefonema, o balançar de tua cadeira; o
que vejo é a tua cama vazia e sinto até a falta dos teus remédios. Por outro
lado, sinto a saudade da tua força inesgotável, da energia de tua prece
fervorosa e do escudo de tua fé inquebrantável.
Tenho a
convicção de que a minha vontade não foi alcançada na sua plenitude, apenas
obtive algumas vitórias, porque a minha maior vontade era continuar alisando os
teus cabelos brancos, passar as minhas mãos em tua testa com rugas, acariciar
as tuas mãos trêmulas e penetrar na luz inamovível do teu olhar.
Na hora aflitiva
vieram o desespero, o inconformismo, o transe, a lágrima. Pensei que estivesse
só a vagar pelo mundo, mas nunca estarei só. Mesmo no amanhã incerto, ou na
tarde angustiante, ou na noite mal dormida, ficarei bem mais próximo da luz
regente do Universo, simplesmente, porque a tua luz está bem ao lado da força Divina.
Entendo que a
saudade maltrata como se fosse um martírio permanente, porém a dor da saudade
cria o próprio remédio consolador e termina produzindo a substância da
resignação.
TIA, no final de
toda história de tua vida, agradeço pelos conselhos recebidos que me servirão
como exemplos. Guardarei na lembrança os teus ensinamentos sem arredar o
itinerário norteador. Haverão de ficar como uma bússola orientadora nas horas
difíceis do meu viver, cuja mensagem está resumida no pensamento filosófico de
Renato Kehl:
“Pensar para acertar.
Calar para resistir.
Agir para vencer.”
Pombal – PB, 02 de abril de 1998.
*SEVERINO COELHO VIANA
A U
T O R
HISTÓRIA DE UMA MÃE
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/08/2017 06:31:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário