Vendo Pombal pela janela do Rói-couro – a essência do novo livro de Jerdivan Nóbrega
João Costa |
João
Costa*
Amigos, pelas veias subterrâneas de
Pombal corre um rio literário mais caudaloso que o “velho Piancó” em tempos
esquecidos de cheias. Não sei se a cidade já se deu conta, mas lançamento de
livros de autores pombalenses virou coisa recorrente – e prazerosa. Uso o termo
para “Memórias Tristes do Rói-couro de Pombal”, do historiador Jerdivan Nobrega
de Araújo, disponível na Livraria do Luiz, na Galeria Augusto do Anjos, pela
Editora Imprell.
Digo prazeroso porque, se há uma fórmula
eficaz para traçar o perfil de uma sociedade dita provinciana, é recapitulando
casos ou “causos”, fatos; reconstruir perfis de prostitutas, bêbados, proxenetas
e músicos de uma cidade. Um esboço sincero do autor, acredito, em reconstruir o
universo pombalense daqueles que não fizeram sucesso na política, no clero,
comércio ou na advocacia, mas de pessoas anônimas, despedaçadas, e que mesmo
assim foram mais que um estorvo – literalmente uma referência.
Pela
sua brevidade e concisão, bem como pela sobriedade de recursos linguísticos,
este conto de Jerdivan resgata
algo que talvez possa ser definido como esplendor dos cabarés de Pombal;
devolve a dignidade negada a muitas mulheres, rainhas da alcova, além de evocar
cenários como a Brasil Oiticica, da qual resta apenas a chaminé, a Estação
Ferroviária, que se mantém feita uma ilha num vasto terreno cujos trilhos ligam
o nada a coisa nenhuma – além, e precisamente, a rua por trás da linha do trem.
Esta rua é o esteio do livro de Jerdivan, narrado na
primeira pessoa (um leve pecado literário), por um personagem decrépito, que
gostaria morrer no dia do próprio aniversário; para ser a interface da amada
que deseja morrer cedo. Tem apenas uma célula dramática, um só conflito; entre
o narrador e seus fantasmas, quer sejam eles pessoas, o trem com treze vagões,
seis cabarés e dez cassinos, ou uma fábrica com oitocentos e cinquenta
operários com carteiras de trabalho.
A narrativa de Jerdivan é pujante quando associa os
cabarés de Pombal a nomes – dando-lhes identidade ou autenticação quase que
“jurídica”. “Cabaré de Tiquinha”, “De Palmira”, “De Chico Novo”, “Cabaré de
Love”; instiga o leitor a desvendar a trajetória da personagem Dassalete,
estuprada por um padre e ex-aluna do colégio de freiras e sua história de
amor(es).
O livro nos convence de uma verdade insustentável. Se,
por um lado a “rua depois da linha do trem” representava o degredo das
raparigas que migravam para a Pombal, por outro, era o exílio da felicidade não
vivida pela juventude; a Sodoma ou Gomorra que o matrimônio não oferecia, nem
oferece em qualquer época da aventura do homem na Terra – quanto mais em
Pombal.
Jerdivan em seu livro faz um inventário para a
História de Pombal, que não pode ser
contada sem os relatos da rua do Rói-couro, testemunha de uma ferrovia que
desapareceu; de uma rodovia que passou bem longe; de uma economia industrial
que não prosperou.
Impressiona no livro quando o narrador reconstrói
seu caminho de casa até a rua do Rói-couro, quase um roteiro de uma sequência
cinematográfica, em que o personagem central sai da “Rua Benjamim Constante, segue
pela Rua João Pessoa, pegando a lateral da Igreja Presbiteriana, passando em
frente à Sede Operária, e seguindo pela Rua dos Roques até encontrar os trilhos
da ferrovia, seguindo em direção a Oeste até a boca do Rói-couro”. Quantos pombalenses
não fizeram este trajeto, de longe o mais discreto?
O autor encerra seu conto com versos do médico judeu
Yehuda HaLevi, que logo de início comete uma frase digna de uma lápide:
“É uma coisa terrível
Amar o que pode ser tocado pela morte”.
“Memórias Tristes do Rói-couro de Pombal” não é uma
narrativa sobre Pombal – é sobre a essência daquilo que foi a cidade na aurora
da sua decadência produtiva, num singular relato do muito que ocorreu numa
única e escassa rua.
*João Costa é Radialista, Jornalista e Diretor
de teatro, além de estudioso de assuntos ligados à Geopolítica. Atualmente, é
repórter de Política do Paraíba.com.br
Vendo Pombal pela janela do Rói-couro – a essência do novo livro de Jerdivan Nóbrega
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/07/2018 05:42:00 AM
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