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Sem misericórdia o Estado interna as Santas Casas na UTI




Genival Torres Dantas*

Aquelas construções antigas, a maioria desbotadas pelo tempo, com seus pátios cheios de carros e de pessoas com aspectos de doentes ou acompanhantes têm sua história iniciada ao ano de 1498, na cidade de Lisboa, quando Frei Miguel Contreiras fundou a Santa Casa de Lisboa, Portugal, com apoio da rainha Leonor, viúva de Dom João ll. A instituição era voltada aos pobres, doentes, prisioneiros e pequenos órfãos além de artistas por ela patrocinada. A santa casa também prestava serviços sociais fora da sua barreira física, dando de comer aos famintos e de beber aos sedentos, vestir os nus, abrigando viajantes e enterrando os mortos indigentes. 

Ali estava fundada a primeira ONG, numa época que não existia qualquer instituição social leiga e não governamental ratificada como legítima e verdadeira pelos Alvarás-Régios de 22 de agosto de 1654 e de 22 de dezembro de 1656, depois desse reconhecimento e ajuda de doações da sociedade civil, a obra cresceu e da sua fundação até meados do século XVlll ela foi dirigida por pessoas ligadas ao governo, lhe dando maior credibilidade e se constituindo no principal instrumento de ação social da Coroa portuguesa até aquele momento e em operação.

Foi no período colonial, aqui no Brasil, que as Santas Casas de Misericórdia apareceram no cenário nacional de forma definitiva e providencial para o bom andamento da assistência médica aos necessitados e de forma benevolente e caridosa, um verdadeiro serviço de apoio aos governos municipais, estaduais e federal, tornando a medicina humana praticada nas camadas carentes, proporcionando acolhimento e apoio tanto físico como espiritual, pois as Santas Casas estiveram sempre preparadas ao bom atendimento dos seus assistidos, compreendendo que todo serviço prestado por elas tem o espírito cristão numa tradução secular.

Em nosso território temos o registro histórico que o começa das operações das Santas Casas vem desde 1539 com o surgimento da Santa Casa de Misericórdia de Olinda (PE), sequenciada pela Santa Casa de Santos (SP), 1543, Santa Casa de Salvador (BA)1549, Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ), 1582, Santa Casa de Vitória (ES) 1551, Santa Casa de São Paulo (SP) 1599, Santa Casa de João Pessoa (PB) 1602, Santa Casa de Belém (PA), Santa Casa de São Luiz (MA), Santa Casa de Campos (RJ). Além dessa primeira Santa Casa teve o surgimento de outras tantas, tais quais a de Barretos, Belo Horizonte e Porto Alegre, as duas últimas representam verdadeiro complexo hospitalar servindo suas comunidades, ainda, em operação em todo território nacional o conjunto de hospitais das Santas Casas superando o número de 2500 unidades, se fazendo presente em todas as capitais e interiores dos Estados.

Não podemos esquecer que as Santas Casas são mantidas, normalmente, pela filantropia dos munícipes que ajudam essas meritórias unidades de apoio e solidariedade ao povo mais pobre do Brasil, com a presença de personalidades da sociedade civil que revestidos de seus espíritos solidários participam da administração desses hospitais, graciosamente, exercendo cargos de provedores e mordomos, contribuindo para o bom serviço oferecido, além do faturamento advindo, principalmente do SUS, que recebe o apoio do mercado hospitalar, das Santas Casas e outros hospitais filantrópicos num total de 126 mil leitos dos 170 mil disponíveis ao público, ou 74% dos leitos ofertados. Depois, cerca de 6,5 milhões de internações e mais de 280 milhões de assistência ambulatoriais são feitas anualmente apenas ao SUS.

Mesmo o Ministério da Saúde justificando que se encontra em dia com o repasse para esses hospitais, é bom salientar, as USs (Unidade de Serviço), medidor de serviço do SUS, para pagamento dos serviços médicos, está defasada em 40% do custo propriamente dito e efetivo, da rede hospitalar brasileira, lembrando que faz 15 anos que não há reajuste nessa tabela. Principalmente, por esse motivo os hospitais beneficentes estão com uma dívida acumulada no mercado, entre fornecedores e bancos, de R$20 bi, e era de R$1,8 bi em 2005, portanto, a dívida desses hospitais se elevou em mais de 10 vezes em aproximadamente 14 nos. Ressaltando, nesse período 218 hospitais e 35 mil leitos foram desativados. Há, portanto, um verdadeiro sucateamento no setor.

Observamos, se essa bendita tabela que o SUS paga os serviços recebidos da classe dos hospitais que sobrevivem prestando assistência médica ao povo carente e aos governos tanto federal, estaduais e municipais, e esses sem estrutura para servir ao povo, fatalmente, essas unidades que operam desde, praticamente, o descobrimento do Brasil, com uma história bonita para se contar e se orgulhar, essas entidades que se encontram nas UTIs, em estado vegetativo, vão sumir do mercado e o grande prejudicado vai ser o próprio governo e o povo mais pobre do Brasil.

Esse meu grito de alerta fundamenta-se no meu conhecimento desse segmento do mercado, médico hospitalar. Atuei por 50 anos nesse setor, desde vendedor de laboratório farmacêutico, gerente de diretor, atuei ainda no setor químico hospitalar, sempre acompanhando a dificuldade de sobrevivência desse mercado consumidor, com suas premências decorrentes da liquidez financeira que sempre foi sofrível.

Aliando-se a esses fatos também procurei falar a língua do mercado que operava, para tanto, tive que fazer um curso de atualização em administração hospitalar, busquei ter a maior sensibilidade possível das dificuldades que o mercado passava desde o começo dos anos 1970, período em que o antigo FAZ (Fundação de Assistência a Saúde) fez grandes investimentos na construção civil, na área hospitalar e seus equipamentos caríssimos, principalmente os importados, a maioria vinha da Europa e Estados Unidos da América.

Claro que convivi com os grandes hospitais, também, muitos deles beneficentes, tal qual o Hospital Albert Einstein, Sírio Libanês, Beneficência Portuguesa, Osvaldo Cruz, São Camilo e outros tantos. Todos esses tinham suas colônias de imigrantes que davam suporte financeiro e hoje são hospitais renomados dentro e fora do Brasil. Aqueles que não tinham e não têm a mesma sorte por uma questão de zelo, ética e respeito, faço questão de não mencioná-los nominalmente.

Tenho muito a lamentar por esses que certamente não terão um futuro promissor, caso isso ocorra e vai ocorrer se efetivamente os governos Federal, Estaduais e Municipais, juntos ou separadamente, não fizeram algo que mude a história dessas entidades benemérita e meritória, enlutando um passado tão glorioso no nosso Brasil. Será uma pena se o meu diagnóstico estiver certo, gostaria imensamente de amanhã poder dizer que errei publicamente, não terei vergonha de pedir desculpas.


Genival Torres Dantas

Genival Torres Dantas
*Poeta, Escritor e Jornalista

Sem misericórdia o Estado interna as Santas Casas na UTI Sem misericórdia o Estado interna as Santas Casas na UTI Reviewed by Clemildo Brunet on 11/29/2019 05:26:00 AM Rating: 5

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