SERESTA MODERNA: ATÉ DEMAIS
Prof. Francisco Vieira |
Por Francisco
Vieira*
“Seresta moderna, não
tem poesia/Não tem noite de lua, não tem luar/Não tem cavaquinho, não tem
violão/Nem mesmo pandeiro para o samba ritmar/...”
Houve
época que cantar para a mulher amada era a melhor forma de expressar o
sentimento do amor. A propósito, era a serenata, um costume oriundo da
Península Ibérica, difundida pelos enamorados e
que encontrou acolhida aqui no
Brasil.
A
seresta é de fato uma criação remota. Segundo a história, trovadores medievais
já entoavam cantigas dedicadas à bem amada. Seu caráter romântico consiste numa
evocação a alguém especial. Versos cantados ao som de instrumentos musicais fazem
reverência lembrando a mulher desejada.
Foram
noites inesquecíveis, revestidas de romantismo e emoção. Sob o luar e o clarão
de estrelas incandescentes, lá estávamos nós, amantes da noite, a vagar ruas,
praças e avenidas. Em grupos de no máximo seis, rompíamos o silêncio noturno.
Ao toque de violões plangentes e vozes possantes despertávamos o sono da musa
inspiradora que agradecia com um simples aceno. Era o prêmio maior, tão
importante para o seresteiro, quanto o aplauso para o artista. Realmente maravilhoso,
exceto, quando vez por outra, surgia inesperadamente na janela a figura
incômoda de seu genitor frustrando nossos planos e nos privando do prazer
sentimental. Em arribada, cada um por si, tomava seu destino. Era um salve-se
quem puder e o que for possível.
A
lei do silêncio era predominante. A comunicação se dava através de gestos e
sinais facilmente compreendidos pela confraria. O calar da noite era rompido
apenas pelos acordes dos instrumentos, por uma voz boêmia e o tinir de garrafas
e copos a brindar os sonhos, alimentar as esperanças de reconciliação ou afogar
as mágoas de uma desilusão amorosa.
Em
suma a serenata foi algo além de um concerto; um movimento de cunho cultural. Quer
de noite ao ar livre, em mesas de bar ou festas dançantes, o movimento
expressando puro romantismo manteve-se em evidência durante anos, tendo
revelado grandes cantores e instrumentistas, como: Nelson Gonçalves, Orlando
Silva, Carlos Galhardo, Chico Alves, Ângela Maria e tantos outros de igual
valia. E, como se não bastasse, exímios compositores da estirpe de Nelson
Cavaquinho, Noel Rosa, Lamartine Babo, Ari Barroso, Lupicínio Rodrigues, Pixinguinha,
Adelino Moreira e outros mais, autores de verdadeiras obras primas, capazes de sensibilizar
os corações carregados de sonhos pelo “Príncipe Encantado” ou a mulher sonhada.
A
propósito, Pombal também vivenciou essa época de sonhos e nostalgia onde vários
seresteiros se destacaram, como: Chico, Severino e Dedé Espalha e numa época
mais recente os irmãos Bideca e Chico de Dora, Leonardo, Pedoca de Deca, Bilino
Queiroga, etc. E, por que não dizer toda Família “Espalha”, destaque musical no
município e região.
Tenho
saudades dessa época de felicidades que eu gostaria nunca tivesse acabado. Se
não fui um autêntico seresteiro me satisfiz com o papel de mero coadjuvante.
Como figurante me limitava a cantar algumas modinhas e tocar alguns
instrumentos de percussão. Fazia parte da turma.
Uma
vez amante do movimento acompanhei as primeiras mudanças como seu fiel
escudeiro. Vi assim a seresta mudar sua imagem abrindo seu repertório a outros
gêneros, sempre com mensagens de amor. Com essa transformação ao repertório de
valsas, boleros e canções sentimentais recheadas de lamentos, foram inseridas
as modinhas dos anos 60. Foi impossível resistir à influência da Jovem Guarda,
movimento liderado por Roberto e Erasmo Carlos, como impossível também, foi não
aceitar a comodidade de uma radiola portátil Phillips e os discos de vinil,
hoje transformados em CDs.
A
seresta além do cunho romântico/cultural tinha seu efeito contagiante entre as pessoas
de diversas idades. Era costume entre as moças dessa época, manterem
cuidadosamente três cadernos com fins específicos: um com poemas e frases de
amor, outro para receitas culinárias e um terceiro, contendo letras das
modinhas do momento, prova de sua influência sobre a humanidade.
Entretanto, há de si
convir, que os tempos mudaram trazendo consigo grandes novidades. Em meio ao
modernismo veio o desenvolvimento tecnológico lançando os mais variados e
sofisticados modelos de aparelhos de som. Quer fosse radiolas portáteis ou em
veículos motorizados, descaracterizavam a originalidade de qualquer outro tipo
de música, tanto vocal quanto instrumental. Na verdade a seresta sofreu os
efeitos danosos dessa tal modernidade. O que era antes ao ar livre revestiu-se
de instrumentos mecanizados que não exprimem naturalidade nem pureza de
sentimentos.
Assim,
com as mudanças, o fim da seresta era previsto. Como num sonho profético,
Adelino Moreira em sua composição SERESTA MODERNA, gravada em 1962, por Nelson
Gonçalves, já denunciava que a serenata estava com seus dias contados.
Hoje
os costumes são outros. As noites tem apenas o luar como presente de Deus, que
silenciosas lamentam a falta de um violão dolente. Seu toque contagiante foi
substituído por um único instrumento sem expressão e espontaneidade.
Nos
dias atuais não se canta como antigamente. Os recursos tecnológicos como o
rádio, a televisão, DVD e outros, estão substituindo as pessoas na arte de
cantar. Ainda mais, fatores como a liberdade sexual, a violência, enfim, a luta
pela vida com incontáveis problemas, sobrecarrega a mente humana afastando as
pessoas das belezas naturais, entre elas a boa música. Percebe-se, portanto,
que o mundo das artes está recheado de artistas sem expressividade, que na
maioria não agrada cantando e nem faz sorrir. Aí vem a lembrança de grandes talentos
que marcaram seus nomes no rol dos imortais. E, ainda dizem que ninguém é
insubstituível.
Hoje
no Brasil a seresta está quase em desuso, salvo, em algumas cidades que mantêm
a tradição. Sem nenhum demérito a outro lugar, destaco Valença no Estado do
Rio. Lá se respira música vinte e quatro horas por dia em qualquer época do ano.
A musicalidade, a cultura e o romantismo estão incorporados á vida dos seus
habitantes. Essa prática tornou-se uma referência que faz jus aos títulos de
Capital da Seresta, Terra dos Seresteiros e outros mais. Coincidência ou não,
alguns aspectos pitorescos enfatizam o caráter romântico do lugar. A propósito
o acesso a cidade se dá pela “Rodovia do Amor” que nos leva a “Rua do Laser”,
local de concentração de seresteiros, serestas e boêmia.
Em
Pombal, a luta pelo resgate, mesmo tímida, é digna de louvação. Apesar da falta
de apoio dos poderes públicos, os artistas de nossa terra como: Geraldo Ivo,
Raimundo Nízio, Marizete, Afrânio, insistem em não deixar morrer a tradição e o
talento. Num programa de rádio se reúnem semanalmente levando ao ar pérolas da
MPB, boleros, sambas, valsas, tangos, chorinhos, fazendo predominar a linha
melódica romântica, suave e envolvente.
É
impossível descrever todo o romantismo que há dentro de nós. O sentimento nostálgico
que dorme em mim desperta vez em quando trazendo reminiscências que são
saudades. Aí, além de uma serenata, me vejo em par perfeito com a mulher amada,
marcando os passos de uma dança e a bailar tal qual uma jangada em mar revolto.
A
seresta ontem, hoje e sempre: talvez. Talvez, porque cada vez mais esse rico
patrimônio perde sua identidade e se torna cafonice na visão da juventude
atual. Pasmem! As serestas de hoje acabam sempre em forró da pior qualidade.
O
silêncio da seresta cada vez maior incomoda cada vez menos. Ou mais, na mente
saudosista dos seus remanescentes que não suportam vê-la calar. São noites sem
brilho. São violões emudecidos e seresteiros aposentados a recordar o passado
boêmio, ainda vivo e não ativo. Dar pena ver a seresta que antes fora movimento
de intelectuais e populares, hoje marginalizada, vítima da mídia insana que
macula a boa música e os sentimentos nobres em detrimento dos interesses
econômicos.
Embora
compreensível os avanços sócio/cultural e tecnológico, causam efeitos danosos.
É no mínimo inaceitável conviver com inexplicável silêncio e saber que a seresta
que no passado cantou saudade, hoje é saudade também. Resgatá-la é preciso.
Buscando
em vão respostas para sua inércia, pensando sermos hoje menos românticos, ouso
afirmar que, se o poeta é sinônimo de dor a seresta significa saudade, sentimento
que se intensifica na dor de saber que A SERESTA HOJE É MODERNA: ATÉ DEMAIS.
*Professor e ex-diretor da Escola Estadual "João da Mata"
Pombal, 26
de setembro de 2012
SERESTA MODERNA: ATÉ DEMAIS
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/27/2012 06:08:00 AM
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