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LEMBRANÇAS DO BODE VELHO

Ignácio Tavares

Ignácio Tavares*

Quem se lembra do Bode Velho? Faz algum tempo que perambulava pelas ruas da cidade um moço que se entregou a bebida em tempo integral. Enfim quem era o Bode Velho? Não sei o seu nome de batismo nem tampouco o nome do seu pai, mas a sua Mãe era conhecida por Fulosina, integrante do Clã Rua da Cruz.

O Bode trabalhou muito tempo como motorista na época das estradas de terra batida. Era motorista de Lourenço Silva comerciante estabelecido na cidade. Diziam que era um bom motorista porque alem de ser bom de direção entendia também da mecânica da engrenagem veicular o que assegurava uma viagem sem transtornos nas estradas de péssima qualidade. Fazia a linha Paraíba/Maranhão no transporte de açúcar e
arroz no retorno.

Não Sei a razão do apelido porque o Bode gostava de se vestir bem, pois, com certa frequência desfilava pela Praça Getúlio Vargas, de mãos dadas, com a namorada com a qual alimentava um projeto de casamento futuro. Aconteceu que sem nenhuma justificativa o namoro acaba-se, pois, havia um forte concorrente no caminho do Bode Velho.

Com o fim do namoro a sua vida desandou. Se antes bebia pouco, com a perda da mulher amada passou a beber de forma desenfreada.  Como consequência perde o emprego, bem como o conceito de bom motorista. As portas se fecharam para novos empregos, pois ninguém desejava entregar um caminhão para ser dirigido por um alcoólatra.

Bode Velho
O Bode se transforma num zumbi a vagar  solitariamente  pelas ruas da cidade. No auge da embriaguês repetia insistentemente a expressão “Grande é o Amor”. Dia e noite, com certa frequência, estava a usar esse bordão, porque lá no fundo do seu coração alimentava a crença de que um dia o seu grande amor haveria de retornar aos seus braços. Ledo engano, pois, não houve o tão esperado retorno.

Crente de que tudo estava perdido, a cada dia entregava-se a bebida. Onde existisse um barzinho o Bode estava a pedir que alguém lhe pagasse uma bicada de cachaça. Dinheiro não tinha porque há muito estava sem trabalhar. Assim sendo, para manter a chama da embriagues tinha que apelar para a gentileza dos frequentadores habituais dos bares da cidade.

Certa vez a gente estava a fazer uma serenata quando de repente o Bode aparece. Todo mundo ficou apreensivo com medo do Bode abrir o seu vozeirão e estragar tudo. Para evitar tal surpresa conversamos baixinho a fim de escutar suas pretensões. Falou: quero escutar uma musica de Nelson, “Aquela Mulher”.

Pedoca de Deca entra em ação e diz: só se for agora. Inicia:
Entre as mulheres que conheço
Há uma que não esqueço...

Senta-se na calçada, circunspecto, põe a cabeça entre os joelhos, entra em estado de silencio absoluto. Ao terminar a musica, o Bode levanta-se, pronuncia algumas palavras incompreensíveis, parte na busca de um ponto de venda de cachaça, em plena madrugada, a fim de dar vazão a sua ansiedade etílica. 

Pouco tempo depois o Bode saiu de circulação. Ninguém soube explicar para onde foi. Alguns diziam que estava recluso em casa, mas os parentes próximos diziam que ele partiu sem destino definido. Se assim o fez, com certeza não queria que a mulher que tanto amou assistisse à sua última quimera.  

É verdade que o amor constrói, mas também pode destruir. O Bode sonhou que seria feliz ao lado da mulher que tanto amou. Sonhava talvez, construir uma família que seria um céu de felicidade terrena. Ele acreditava tanto que a todo o momento estava a repetir o bordão: “Grande é o Amor”.  Coitado! Perdeu por acreditar num amor que nunca existiu.

João Pessoa, 24 de Março de 2013.

*Economista e Escritor Pombalense.
LEMBRANÇAS DO BODE VELHO LEMBRANÇAS DO BODE VELHO Reviewed by Clemildo Brunet on 3/24/2013 05:18:00 AM Rating: 5

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