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VELHOS DOMINGOS: PARECE QUE FOI ONTEM

Francisco Vieira
Prof. Francisco Vieira*

         É sabido que as pessoas unidas aos fatos fazem a história. Alguns acontecimentos são como brancas nuvens, passam rápido, caindo no rol do esquecimento, já outros, deixam marcas que o tempo não consegue destruir. Assim, são os domingos do meu passado em Pombal que de tão presentes na lembrança, parece até que foi ontem.
         O dia começava cedo. Com o lume dos primeiros raios de sol e
o badalar dos sinos, despertava para a missa das sete, obrigação dominical dos alunos do Ginásio Diocesano. Ali, eu e meus colegas, devidamente fardados qual um militar, estávamos de prontidão, para cumprir forçosamente o dever cristão, sob os olhares vigilantes de Padre Gualberto e Prof. Arlindo, diretor e vice, respectivamente. Sem dúvida, uma forma repressora de evangelizar. Ávidos de desejos todos torciam por Padre Andrade como celebrante, pois era a certeza de uma missa em tempo recorde.
         Dali, tão logo acabava o ato religioso, se não, com a consciência “tranquila” por haver cumprido o dever cristão, pelo menos carregava a certeza de ter obedecido a ordens superiores de pais e professores.
         Depois da missa, o indispensável banho no Rio Piancó, nossa maior riqueza. Um oásis no alto sertão, região árida e tórrida, portanto um presente de Deus. Impossível resistir o frescor de suas águas cristalinas. Ali, em seu leito verdejante nos reuníamos para o lazer dominical, reafirmar nossas amizades e aventurar-se nos robustos galhos de gigantescas árvores. Igualmente prazeroso era saborear um apetitoso rubacão na sombra das ingazeiras, acompanhado de galinha – roubadas da vizinhança - e regado à base de cachaça, além de animados por violões mal tocados, cantores desafinados ou radiolas portáteis. Tudo corria bem até o instante em que um dos parceiros embriagado, era conduzido nos braços. Nesse estado de incapacidade, além de perder a matinée no Cine Lux, também não assistia ao jogo São Cristovão x Pombal Esporte no Vicente de Paula Leite. Estava impedido de ver Nego Adelson, rápido como um gato, fazer defesas incríveis, Agnelo e Natal fazerem gols de bicicleta, César exibir toda maestria e habilidade, Chico Sales, com raça, romper qualquer defesa, Tuzinho driblar até com deboche seu marcador e Carrinho chutar de bico em qualquer direção. No final, independente do resultado, tínhamos presenciado um verdadeiro trabalho de arte, um espetáculo de futebol que pouco ou nada ficava a dever aos grandes jogadores e clubes do sul do país. Sobrava talento e faltava incentivo. Quem presenciou confirma esta afirmação.
         Como parte desse espetáculo, Zé Gago cuidava da portaria, Ciço Bem-Bem procurava apostas, Cabine e Valderi organizavam a torcida a margem do campo respeitando a linha demarcatória, “Seu Pedro Corisco”, conduzindo seu tamborete buscava a melhor localização, enquanto Severino Pedro, sacudindo suas pernas para todos os lados, repetia os movimentos dos jogadores. Tudo era festa, até o momento em que Dilau, Bié ou João de Biró, exímios atiradores de pedras, acertavam um bagulho de laranja no torcedor mais entusiasmado, causa de revolta para uns e gracejo para a maioria. Era impossível não rir diante de tamanha comicidade.
         Infelizmente, hoje, quase não é mais possível desfrutar desse lazer as margens do rio. A tranqüilidade que ali existia foi invadida pela ação de vândalos e viciados causando medo e insegurança.
         Terminado o dia, no início da noite, ocorria o passeio noturno que começava defronte ao Cine Lux e se estendia até o Largo do Centenário e Praça Getúlio Vargas. Na verdade era mais que um passeio, um encontro.
         Tudo começou de forma espontânea entre jovens. Rapazes, moças, namorados e amigos que ali se reuniam para jogar conversa fora e paquerar. Dado seu caráter social o que era um simples passeio noturno, tornou-se uma prática rotineira, porém saudável, principalmente nos finais de semana - uma tradição. A propósito lembro-me ainda: enquanto os rapazes, apostos na parte superior do Bar Centenário, esbanjando charme, degustavam bebidas da época como: cerveja Antártica e Brahma, Ron Montilla ou baccardi, as moças, em duplas ou grupos, caminhavam em volta trocando olhares, às vezes nem correspondido. Como se não bastasse à beleza física, trajando a moda da época, se exibiam com graça e encantamento, portanto, atraentes e irresistíveis. Diria até: provocantes e arrebatadoras.
         O local foi palco de centenas de histórias amorosas. Muitos romances ali começaram e tiveram um final feliz, acabando em casamento, uns duradouros e outros não. Alguns iniciaram sem sucesso e outros sequer começaram, não passando de meros sonhos e tentativas frustradas. Como toda praça, o Bar Centenário, testemunhou em silêncio o desfecho de vários casos, cenas que mostraram os dois extremos de uma vida amorosa.  
                   A propósito, como amante a moda antiga, fui ator coadjuvante desse espetáculo. Foi ali, exatamente numa noite de domingo, com intenso frio na barriga, coração palpitante, pernas trêmulas e a voz embargada, que eu e Lenice, começamos nosso romance, ainda em vigor depois de 43 anos de convivência, incluindo cinco de preparação – o namoro.
           Como saudosista assumido, sinto falta desse comportamento antigo e tão ingênuo, onde uma simples olhadela expressava todo sentimento. De certo havia mais verdade e pureza nas relações, hoje, tão fáceis e grosseiras. É que a degradação da moralidade, também no sexo feminino – o que é pior - tornou a mulher, outrora tão cobiçada e exaltada, uma presa fácil. Por isso, faz-se desnecessário o romantismo, sentimento quase totalmente extinto, onde o homem se expunha com delicadeza cortejando a pretendida. Era o trabalho da conquista, atualmente em desuso.
         Segundo a etimologia da palavra, domingo, vem da expressão dies dominicus que significa dia do Senhor ou a ELE dedicado, portanto, de imprescindível valor cristão. Além do mais é um dia reservado ao descanso semanal, a prática esportiva, ao lazer e reunião em família. Assim, como sendo dia de repouso é aconselhável repensar nossas atitudes e recuperar as energias, afinal de contas a vida continua.   
         Final do dia. Mal a noite chega começa a contagem regressiva. É a segunda - feira que se aproxima às pressas, numa velocidade além dos limites. E assim, mais um domingo se vai deixando um misto de alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, enfim, saudades para voltar em breve. O seu retorno é a certeza de novo reencontro e novas esperanças.
         Quer tenha sido agradável ou não, agradecer pelo dia vivido é a atitude mais sensata, lembrando sempre que sem o domingo já seria segunda.   
         Contrariando o pensamento de muitos, é engano achar que o passado ficou para trás. Ele está conosco, assim como VELHOS DOMINGOS, que de tão presentes, PARECE QUE FOI ONTEM.

Pombal, 10 de janeiro de 2014
*Escritor.
VELHOS DOMINGOS: PARECE QUE FOI ONTEM VELHOS DOMINGOS: PARECE QUE FOI ONTEM Reviewed by Clemildo Brunet on 1/13/2014 06:54:00 PM Rating: 5

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