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CADA SECA UMA HISTÓRIA

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

            O fenômeno da seca no semiárido nordestino tem registro histórico desde 1583 quando o padre Fernão Cardim ao adentrar a região deparou-se com uma caravana de cinco mil índios que estavam a buscar um lugar seguro, onde existissem águas entre outros recursos, que pudessem oferecer condições de sobrevivência.
        Na sequência, dezenas de outras secas aconteceram provocando as mesmas retiradas os mesmos flagelos, mortes, longe dos olhares dos mandatários da coroa portuguesa. Não havia a quem recorrer a fim de minorar o sofrimento de milhares de seres humanos entregues à própria sorte
  A mais devastadora seca, na época do império, aconteceu em 1877. Há relatos de que milhares de pessoas morreram de cede e
fome, sem nenhuma assistência por parte do governo central. O fenômeno chegou ao conhecimento da imprensa nacional o que obrigou o Rei a fazer uma visita à região a fim de testemunhar o flagelo que se abatia sobre grande parte da população.
            Esta seca foi o marco inicial para a ocorrência de uma série de medidas tomadas pelo governo imperial com o objetivo de minimizar os sofrimentos da população do semiárido. Foi construído primeiro grande açude (o cedro) no município de Quixadá, no estado do Ceará, com capacidade para suportar um ciclo de secas de até três anos consecutivos.
             Mais à frente, os governos republicanos inspirados na Obra de Quixadá iniciaram a construção de grandes açudes nos diversos estados da região. Foi o início da chamada, “Solução Hídrica” que por si só não foi capaz de solucionar o problema da seca, posto que houvesse outros problemas de maior gravidade tais como a concentração fundiária, a pobreza endêmica, entre outras mazelas sociais.
Somente nos anos cinquenta, o Presidente Juscelino Kubistchek, depois da devastadora seca de 1958, tomou a iniciativa de mudar o perfil das intervenções na região a fim de se criar um ambiente de convivência do homem com as secas.
Desse modo foi criada a SUDENE cujo objetivo era coordenar as políticas públicas concebidas pra região. O foco principal dessas políticas era o desenvolvimento industrial, o incentivo ao deslocamento da população excedente pra outras áreas úmidas da região (norte do Maranhão) bem como a construção e fortalecimento da infraestrutura física e social.
            Estudos realizados recentemente confirmam que a política de industrialização levada a efeito pela SUDENE não foi capaz desenvolver a região como um todo. Isso quer dizer que a industrialização concentrou-se nos bolsões populacionais localizados nos três estados mais populosos da região (Bahia, Pernambuco e Ceará).
            Na verdade, no semiárido pouca coisa aconteceu. Aqui no nosso estado dá para se perceber algo semelhante do que aconteceu nos três estados em questão. Quero dizer que as políticas de desenvolvimento levadas a efeitos pela SUDENE aqui no nosso estado beneficiaram apenas os conglomerados de Campina Grande e João Pessoa, que juntos respondem por mais de setenta por cento na formação do PIB estadual. Isso significa dizer os demais municípios, com raras exceções, ficaram à margem dos benefícios oferecidos pelo governo federal a fim de promover o desenvolvimento local.
            Outras secas estão acontecer, mas, tudo continua como dantes. É verdade que o flagelo de tempos atrás hoje é coisa do passado. Isso se deve as políticas de transferências de renda do governo federal que beneficiaram amplamente as camadas sociais menos favorecidas da zona urbana e rural.
            É importante salientar que há décadas atrás duas quinta partes da população do semiárido viviam no campo, porquanto o restante habitava o setor urbano. Esse processo migratório continuou a ponto de esvaziar o campo, por conseguinte reduzir a produção agrícola a uma expressão mínima. Hoje não se produz, nem mesmo nos anos de normalidade climática, justo, em razão da absoluta falta de mão de obra.
 Estas secas devastadoras de 2012 e 2013, com perspectivas para 2014, podem marcar o início de novas políticas públicas a fim de corrigir os desníveis entre o semiárido e as regiões úmidas da região. Tenho informações que estudos estão sendo realizados nesse sentido. Com certeza, somente no decorrer dos programas eleitorais é que mais informações vão aparecer para o grande e destino público.
            Não deixa de ser mais uma história resultante de uma grande seca como foi esta de 2012. As coisas no Brasil acontecem assim: acontece o flagelo e em seguida o governo aparece com propostas salvadoras que prometem mudar tudo para não mudar nada.
            A própria história é testemunha do que estou a falar, seja em 1877, o governo imperial iniciou algumas tímidas mudanças, nada mudou. Da mesma forma em 1958, novamente o governo assegurou que tudo mudaria para sempre, mas no semiárido nada mudou, a são ser nos bolsões populacionais dos estados mais ricos, justo nas regiões úmidas. Agora depois da seca de 2012 estudam-se as possibilidades de se direcionar novas intervenções somente para o semiárido. Pergunta-se: é verdade?

João Pessoa, 10 de Março de 2014.


*Economista e Escritor Pombalense
CADA SECA UMA HISTÓRIA CADA SECA UMA HISTÓRIA Reviewed by Clemildo Brunet on 3/09/2014 10:44:00 PM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Eu acredito que o que fez as secas de 1977 e de 1915 serem consideradas as mais devastadoras foi a falta de estrutura da região em relação as secas que aconteceram no sec. XX. Antes a comunicação e o transporte eram mais difíceis. Também não havia reservas de águas como há hoje, mesmo a populago era bem mais isolada e não muito ciente das obrigações do estado. Um seca como a de 2013 acontecendo no sec XIX sera bem mais devastadora do que nos e. XXI.

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