CASA DE ZUMILA POR TRÁS DO GRANDE HOTEL E AS CHEIAS DO RIO PIANCÓ
Jerdivan N. Araújo |
Jerdivan
Nóbrega de Araújo*
A
seca impiedosa que assola o sertão paraibano e transforma o rio Piancó em um
risco molhado em sua passagem por Pombal, me leva de volta ao reverso dessa
situação: o inverno redentor que levava o nosso rio a transbordar de uma margem
á outra, ilhando as comunidades do lado oeste das suas margens.
A
temporada de chuva chegava, e com ela os relâmpagos e trovões que faziam
estremecer o chão de Pombal. Preocupava-nos a capacidade de armazenamento do
açude de Coremas: havia a dúvida se a velha barragem haveria de sustentar a
força das águas, ou se seria cumprida a profecia de que um dia aquele açude ia
“arrombar” e
cobrir
toda a cidade com suas águas. E lá vinham as águas chegando violentamente,
cobrindo tudo que havia pela frente. Posicionava-nos as suas margens, nos
barrancos mais altos, para de lá apreciar as correntezas que arrastavam tudo
que vinha pela frente. Eram carcaças de animas, bananeiras e outras árvores
arrancadas pelas raízes, que cediam a força e a rebeldia do rio oprimido em
suas margens e que agora cobrava-nos o seu espaço.
No
entanto, o mais que acontecia eram as águas do Piancó estacionarem na lateral
do Grande Hotel, que era transformado em ancoradouro das canoas que faziam,
perigosamente, o transporte dos agricultores que vinham à cidade para negociar
a sua produção e adquirir utensílios de primeiras necessidades: só mesmo os que
não eram por eles produzidos.
Por
trás do Grande Hotel, edifício majestoso construído por Aggeu de Castro, e que
um dia teve como arrendatário o senhor José Viera, irmão das Professoras Maria
Júlia e Olívia Vieira, esta última bilheteira do Cine Lux nos áureos tempos, e
sua esposa dona Geni Vieira, existiam umas três taperas, construídas em madeira
e barro e, mais a frente, dividindo o corredor que ia dar no Rio Piancó, a casa
de dona Zumila. Estas quatro construções eram os símbolos da persistência do
sertanejo. O rio as cobria de tal forma que as canoas abarrotadas de gente e
produtos passavam rente a sua cumeeira. As vezes restava visível á luz do sol, apenas algumas poucas telhas.
No
final de março o inverno ia se rarefeitando, como diz o sertanejo, e aos poucos
a casa de dona Zumila ia reaparecendo das águas aos nossos olhos e a luz do
sol.
Quando
o rio devolvia a casa a sua dona, restava ali apenas um “esqueleto de madeira”,
coberto por telhas antigas. Muitas das vezes a casa, se pudéssemos chamaríamos
assim, pendia para o lado mas, jamais ruía.
O
Rio Piancó logo voltava ao seu leito, as canoas eram retiradas das águas e
acomodadas em baixo das mangueiras e oiticiqueiras a espera de mais um inverno
que levasse o Rio Piancó a encobrir a casa de Dona Zumila para,
persistentemente ser reconstruída em barro e madeira até que o rio a levasse
mais uma vez no ano seguinte.
Não
temos mais essas cenas. Os invernos estão cada vez mais escassos e parcos, e o
rio aos poucos vai se transformando em um filete de água que apenas risca o
chão de Pombal e, com muito esforço, ainda consegue deixar as fronteiras da
Paraíba.
O rio Piancó é mais
um dos muitos rios que não correm mais para o mar e até isso não faz mais
nenhum sentido, já que a casa de dona Zumila de tanto sentir falta das suas
cheias, também ruiu de vez
*Escritor e Pesquisador das histórias de Pombal
CASA DE ZUMILA POR TRÁS DO GRANDE HOTEL E AS CHEIAS DO RIO PIANCÓ
Reviewed by Clemildo Brunet
on
3/12/2014 06:01:00 AM
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