"SEU' AZUIS: O VENDEDOR E ÁGUA MAIS DISPUTADO DE POMBAL
Jerdivan Nóbrega de Araújo |
Jerdivan
Nóbrega de Araújo*
Quando eu era criança,
morador da Rua de Baixo assistia durante todo o dia, algumas cenas cotidianas
que ficaram na minha cabeça até os dias de hoje e, como um filme, vez por outra
voltam a minha mente me fazendo viajar por aqueles distantes meados dos anos
sessenta.
Lembro de cada personagens e
até dos seus ofícios na luta pela vida. O Nartécio que era pedreiro, Zé Martins
que trabalhava nas Casas Bandeiras, Zé da Viúva da Brasil Oiticica e por ai
vai. Lembro também das pessoas que passavam em nossa rua para ir ao rio ou
cultivar suas plantações na “Outra Banda” ou no “Araçá”.
Tínhamos ainda as lavadeiras
com suas bacias de roupas na cabeça e
os pescadores que iam arriscar um peixe
para a mistura das crianças.
Lá vinha Ana Benigno, minha
bisavó com seu vestido longo e preto de eterno luto arrastando ao chão, como se
varresse aquela rua que inclusive levava, e ainda leva, o nome do seu pai:
Benigno Ignácio Cardoso. Mais tarde mestre Álvaro o passava em direção ao rio
para fazer a cata da amêndoas de Oiticica, Joãozinho maniçoba fazia o percurso
contrário indo em direção a Prefeitura Municipal para prestar seus serviços.
Assim era a rotina diária da Rua de Baixo, que só mudava aos domingos, quando
as pessoas que iam em direção ao rio não mais faziam o percurso para a labuta e
sim para o lazer nas sombras das árvores, onde se faziam arrubacões, tocavam
violões e bebiam sem moderação até o final da tarde.
Contudo, o que mais me
fascinava eram os “aguadores”. Nome dado aos que vendiam água de porta em
porta, fato que não existia ainda na cidade de Pombal o beneficio do saneamento
básico, o que só chegou na segunda metade da década de 1960, mesmo assim apenas
na parte central da cidade.
Com seus jumentos e
ancoretas de borracha, os mais “empreendedores” já se valiam da “carroça
tangue”, com tração também animal, puxado normalmente por uma dupla de bois.
A trupe de vendedores de
água tinha como passagem obrigatória a rua Benigno Cardoso, para em seguida
pegar o corredor do rio que iniciava na casa de “seu” Joaquim, esquina com a
casa de “Dona” Noca, e seguia ladeado pelas roças de Delmiro Inácio a esquerda
e a roça de Mila a direita. Mila. Por bem do registro histórico, “dona Mila
também era filha do patrono da rua, Benigno Inácio Cardoso”.
Era fascinante assistir
aquele trânsito interminável de homens, mulheres e animais, nos seus ofícios de
abastecer com a melhor água, as casas da nossa cidade. Eram tantos que hoje de
poucos lembro-me do nome: Zé de Godô, “seu” Pedro Jaques, Dona Porcina e Zé
Capitula, “seu” Comes e um em especial, este não foi da minha época, acho que
fez esta importante tarefa na década de 1950 porém, lembro-me dele pelas
histórias contadas pelo meu pai, que era seu amigo e contemporâneo: Falo de
“seu” Azuis. De onde veio tão estranha alcunha? Tive a curiosidade de fazer
esta pergunta ao meu pai que me explicou:
A água fornecida por “seu”
Azuis era disputada pelas famílias de maior poder aquisitivo da cidade, isto
pela forma como captava o produto no rio Piancó. Contou-me meu pai que enquanto
que os seus concorrentes entravam com a sua tropa de animais rio adentro,
“barreando” toda água, e sem nenhum cuidado enchia as ancoretas, “seu” Azuis
fazia de forma diferente: Chegava ao rio sempre ainda no escuro da madrugada,
procurava um local distante da passagem de animais e de pessoas, ali cavava uma
profunda cacimba, deixando verter as primeiras águas, que jogava fora. Apenas
da segunda vertente em diante era que ele abastecia as ancoretas dos seus
animais.
E a água era muito limpa e,
de tão limpa, dizia-se que chegava a ser Azul. Foi dai a origem da sua alcunha
na cidade de Pombal: “seu” Azuis.
Eu queria hoje saber o nome
completo de “seu” Azuis para fazer o que eu gosto de fazer que é resgatar o
nome dessa gente simples que, em um certo momento da construção da nossa cidade
ergueu a sua pedra de forma honesta fazendo a sua parte na construção do que
somos hoje.
Mas, o tempo, esse estranho,
não permitiu que tão honesto homem fosse lembrado pelas ruas e povo da cidade
que ele construiu. Fica, portanto lembrado pela alcunha de “seu” Azuis. Acho
que uma alcunha que pode soar mais forte do que um nome que por ventura ele
tenha ganhado na pia batismal, já que foi conquistado por fazer do oficio a sua
vida.
*Escritor
e pesquisador da história de Pombal
"SEU' AZUIS: O VENDEDOR E ÁGUA MAIS DISPUTADO DE POMBAL
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/05/2013 06:03:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário