DA PARTEIRA AO ECOLÓGICO.
Onaldo Queiroga (Foto)
ONALDO QUEIROGA*
Luiz Gonzaga era um matuto predestinado. Deixou seu pé-de-serra e, depois de dez anos no Exército, resolveu seguir o destino artístico, percorrendo as veredas da música e criando o baião, o xote, o xaxado, o forró. Montado nestes ritmos, saiu construindo seu Reinado. Trouxe o Teatro para o repertório, quando cantou “O Jumento é Nosso Irmão”, “Samarica Parteira” e “Karolina com K”. Em cada música, Gonzaga retrata situações bem vivenciadas pelos nordestinos.
Em “O Jumento é Nosso Irmão”, o “Lua”, em parceria com José Clementino, demonstra a importância do jegue, animal por muitos considerado sagrado e que, sem dúvida, constitui personagem de imenso valor na História do Nordeste brasileiro. A música retrata fidedignamente a participação do jumento no desenvolvimento de cada recanto da região nordestina, seja através das tropas de burros (por meio das quais o “Homo nordestinus” transportou seus produtos para serem comercializados em outras paragens), seja por ter arrastado lenha, pedra, cal, cimento, telha, tijolo e água para casa do homem — ou mesmo por haver transportado o Menino Jesus e, depois, o próprio Jesus Cristo, acreditando-se que, por isso, existe em suas costas o sinal da cruz.
Mas Luiz Gonzaga também retratou como se opera a retribuição do Homem em relação ao jumento. Com o burro, o Homem age perversamente, aplicando-lhe castigos, pancadas... Bate-lhe com um pau, nas pernas, no lombo, nas orelhas, além de lhe colocar apelidos dos mais variados e deprimentes: babau, bregueço, imagem-do-cão, fofa-chão, advogado das bestas etc. É por isso que Gonzaga afirma: o jumento sempre foi o maior desenvolvimentista dos Sertões — e que ele é bom, o Homem é que é mau.
Já na segunda música, “Samarica Parteira”, o Rei do Baião contou com a inteligência de Zé Dantas, que, de forma cristalina, escreve todo ritual de um parto nos Sertões nordestinos e a importância da parteira. E, como diz o poeta Zé Dantas, no Sertão do Capitão Balbino, dos cabras valentes e dos frouxos também, a parteira foi por muito tempo a responsável pelos partos realizados nos mais longínquos recantos. Sem médicos, enfermeiros e hospitais, cabia às parteiras a missão, de dia ou na escuridão da noite, de promover os procedimentos necessários a que sertanejos e sertanejas viessem ao mundo.
Na terceira música, “Karolina com K”, canção de autoria do próprio Rei do Baião (e aqui registro algo importante: esta música é uma daquelas sem pareceria nenhuma, em que Luiz Gonzaga conseguiu mostrar com maestria seu lado de compositor), ele descreve como ninguém um forró, um samba lá pra dentro dos matos, num chão batido, com cerveja quente e contando com a presença de uma mulher bonita, morena trigueira, cabelo cumprido, faceira e bagunceira. Mulher capaz de enfeitiçar qualquer matuto, do dono do forró até o próprio sanfoneiro.
Gonzaga era assim: um matuto, naturalmente, mas astuto e capaz de cumprir seu destino como nordestino destemido, de visão — e que em suas obras sempre deixava mensagens sobre sua vida. Nossa vida e a do mundo, como um todo. Ele, o “Lua”, sempre saiu na frente. Tinha faro, alcançava o momento certo e precursor para registrar suas posições. Foi assim no final de sua carreira. Quando ninguém havia lançado qualquer música enfocando o tema Ecologia, não é que Luiz surge com a canção “Xote Ecológico”, parceria sua com Aguinaldo Batista? Se não foi a primeira música nesta nova frente, foi uma das precursoras do estilo, a enfrentar em tom de protesto o risco das ações do Homem em relação ao ecossistema.
*Pombalense, Juiz da 5° Câmara Cível em João Pessoa – PB.
DA PARTEIRA AO ECOLÓGICO.
Reviewed by Clemildo Brunet
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10/02/2009 09:33:00 AM
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