LIBERDADE DE IR E VIR
Severino C. Viana |
O ser o humano nasce sem asas, mas é livre para voar. Voar nos seus pensamentos cujo limite é o céu, agir de acordo com a sua própria consciência e viver a sua própria vida conforme o seu ideal de liberdade.
O sonho de liberdade é uma luta constante do homem, o percurso paulatino torna-se compensador, ultrapassando barreiras nos períodos de turbulência e fazendo as mudanças que a sociedade precisa. Todavia, historicamente, o primeiro movimento prático que formalmente reconheceu a liberdade como um direito de todos e normatizou os atos de soberania estatais, podemos estabelecer o ponto de partida no ano de 1.789, no século XVIII, que marca a primeira vitória da luta pelo reconhecimento dos Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, conquista da Revolução Francesa cujo lema era: liberdade, igualdade, fraternidade.
Liberdade, igualdade, fraternidade, estas três palavras são, por si sós, o programa de toda uma ordem social, que realizaria o progresso absoluto deste ideal da humanidade; se os princípios, que eles representam, pudessem receber sua inteira aplicação seria a realização do sonho de liberdade plena.
O século seguinte pode ser definido como o século da liberdade. Ainda que a história da luta pela liberdade seja contínua à própria história da humanidade, prossegue a luta durante o século XIX que o ideal de liberdade se consolida. Caem, então, os últimos rincões de escravidão. Esta liberdade "física" - traduzida no direito de ir, vir e permanecer - é a mais primária delas e, porque não dizer, a mais essencial, isto porque todas as outras modalidades de liberdade nela se apoiam. Na verdade, a liberdade tem significados muito mais amplos do que apenas a de locomoção, como a liberdade de pensamento, de expressão, de consciência, de crença, de escolha, de informação, de decisão, de reunião, de associação, enfim, todas estas (e outras tantas) que assegurem a vida condigna da pessoa humana.
A liberdade é filha da fraternidade e da igualdade. Falamos da liberdade legal e não da liberdade natural que é, por direito, imprescritível para toda criatura humana, desde o selvagem ao homem civilizado. Vivendo os homens como irmãos, com os direitos iguais, animados de um sentimento de benevolência recíproco, praticantes entre si pela justiça, não procurando nunca fazer o mal, e, consequentemente, nada a temer uns dos outros. Os inimigos da liberdade são, pois, ao mesmo tempo, o egoísmo e o orgulho, como o são da igualdade e da fraternidade.
Há de convir que, para que a pessoa seja, de fato, livre, é necessário, primeiramente, que ela seja liberta da miséria, do analfabetismo, do subemprego, da subalimentação, da submoradia. Assim, a luta pela liberdade continua não é apenas para conservar os direitos já conquistados, mas para assegurar a verdadeira liberdade a quem ainda não se conquistou.
O século passado da liberdade, quando nasceu o século XX, surge como o século da igualdade. Desde suas primeiras décadas, houve movimentos pelo reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres, entre brancos e negros, ricos e pobres etc. Foi no decorrer do século XX que se formou todo o ideário contra a discriminação baseada em sexo, raça, cor, origem, credo religioso, estado civil, condição social, orientação sexual etc. Não se pode tratar de modo diferente pessoas simplesmente por suas características peculiares; ainda que tais características sejam visíveis, não se pode diferenciar indivíduos a partir delas, se não há qualquer critério jurídico que justifique tal diferenciação. Todavia, não se pode olvidar que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente, os desiguais. Perpetua-se idêntica injustiça diferenciar indivíduos, por exemplo, em virtude da cor de sua pele, como dar tratamento uniforme a pessoas que tem, de fato, motivos para serem tratadas de modo diferenciado (ninguém se sente discriminado pela lei que obriga atendimento preferencial a idosos, grávidas ou portadores de deficiência). Assim como pela liberdade, a luta pela manutenção e extensão da verdadeira igualdade é permanente.
A este século XXI, que se inicia cabe levantar a última bandeira da Revolução Francesa: a fraternidade. Faz-se preemente que a solidariedade norteie as ações de governantes, empresários e das pessoas na sua totalidade. Neste prenúncio de século o foco da proteção dos direitos deve sair do âmbito individual e dirigir-se, definitivamente, ao coletivo. São direitos inerentes à pessoa humana; não considerada em si, mas como coletividade; o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, à segurança, à moradia, ao desenvolvimento. É necessário que tomemos consciência de que nossos direitos apenas só serão assegurados de fato, quando estes forem também garantidos para todos os demais membro da coletividade. Enfim, é o momento de se realizar o bem comum.
A fraternidade, na rigorosa acepção da palavra, resume todos os deveres dos homens relativamente uns aos outros; ela significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência; A contrapartida é o egoísmo. A fraternidade diz: "Cada um por todos e todos por um." O egoísmo diz: "Cada um por si." Sendo essas duas qualidades a negação uma da outra, é tão impossível a um egoísta agir fraternalmente, para com os seus semelhantes, quanto o é para um avarento ser generoso, a um homem pequeno alcançar a altura de um homem grande. Ora, sendo o egoísmo a praga dominante da sociedade, enquanto ele reinar e for dominador, o reino da verdadeira fraternidade será impossível; cada um fará a fraternidade em seu proveito, mas não fará para fazê-la em proveito dos outros.
Esses três princípios são, pois, como o dissemos, solidários uns com os outros e se servem mutuamente de apoio; sem sua reunião, o edifício social não poderia estar completo. A fraternidade praticada em sua pureza não poderia estar só, porque sem a igualdade e a liberdade não há verdadeira fraternidade. A liberdade sem a fraternidade dá liberdade de ação a todas as más paixões, que não têm mais freio; com a fraternidade, o homem não faz nenhum mal uso de sua liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, ele a usa para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença. É por isso que as nações mais livres são forçadas a fazerem restrições à liberdade. A igualdade sem a fraternidade conduz aos mesmos resultados, porque a igualdade requer a liberdade; sob o pretexto de igualdade, o pequeno abate o grande, para se substituir a ele, e se torna tirano a seu turno; isso não é senão um deslocamento do despotismo.
A ânsia da Liberdade é voar livre como um condor, como um albatroz que finca da terra na busca do infinito. É poder fazer o impossível e ninguém reprimir ao outro. É se sentir no auge, é ser autossuficiente em toda sua capacidade.
Nós nos sentimos livres quando podemos nos expressar, podemos sair sem medo de ataque e falamos seguramente o que pensamos. Não viver olhando diretamente para os erros dos outros se não reconhece os seus próprios erros. Viver livre é, antes de tudo, ser também tolerante.
A real liberdade que não é um sonho é justamente a liberdade de respeitar os direitos dos outros. E ter conceitos corretos de uma existência tolerável, sem fantasmas de ensinos religiosos que muitas vezes amedrontam os seres humanos com a proclamação de um inferno de fogo, que queima até a alma. Liberdade é poder sentir a brisa da manhã no rosto depois de dormir com uma consciência limpa tendo a certeza de que não fez mal ao próximo.
João Pessoa, 1º de setembro de 2011.
*Escritor Pombalense, Promotor de Justiça em João Pessoa.
LIBERDADE DE IR E VIR
Reviewed by Clemildo Brunet
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9/02/2011 06:29:00 AM
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