BRASIL OITICICA: A agonia da velha fábrica ao ressoar o seu último apito.
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Ignácio Tavares |
Por Ignácio Tavares*
Há cerca de três meses, em conversa
saudoisista com alguns amigos e amigas que residem em Brasília, mas sempre
estão por aqui nos finais de ano, alguém me perguntou: Você acha que um dia a
Brasil Oiticica voltará a funcionar? Poderá sim, mas acho muito difícil, assim
o respondi. Realmente, pra ser sincero, não acredito nessa possibilidade, pelo
menos agora. Eis por que:
Quando a Brasil Oiticica,
definitivamente foi instalada em Pombal? Por que os empresários, ou
proprietários do empreendimento escolheram Pombal e não outra cidade da
vizinhança? Quanto à primeira indagação, confesso que não sei dizer qual a data
exata, da instalação da fabrica cá na terrinha. Mas, a segunda pergunta
explicarei ao longo do texto. Vejamos:
A segunda guerra mundial acelerou a
procura por óleo vegetal, em particular, do fruto da oiticica, posto que,
naquele momento de sufoco, a indústria siderúrgica dos paises envolvidos no
conflito, precisava urgentemente, aumentar a produção de ferro e aço, para
abastecer as linhas de montagens da indústria bélica. Nesse processo, o óleo
entra como um composto químico que dá consistência ao produto, o que facilita a
etapa final de laminação. O aço é matéria básica para produção de navios,
aviões, tanques, canhões, fuzis, metralhadoras, entre outros artefatos indispensáveis
à selvajaria da guerra. O óleo de oiticica, para a indústria siderúrgica, não
era um produto de boa qualidade. Desse modo, na ausência, em quantidade, de um
bom sucedâneo, não houve outra saída, a não ser ele mesmo.
Apesar da freqüente derrubada do
oiticical remanescente, o município de Pombal, ainda concentra a maior produção
de frutos da espécie de todo sertão. Há mais de sessenta anos, com certeza, a
produção era bem maior. Por isso foi escolhido para sediar a mais importante
unidade processamento de amêndoas, do fruto em questão, com a finalidade de
produzir óleo, para atender aos mercados da Inglaterra e dos Estados Unidos,
naquele período turbulento da segunda guerra mundial.
Tenho certeza, de que a Brasil
Oiticica, foi a primeira grande indústria, voltada para a extração de óleo
vegetal, a localizar-se no sertão paraibano. No tempo da colheita e
comercialização do referido fruto, o que acontecia logo após a safra do
algodão, a economia da cidade movimentava-se, por conta de mais circulação de
dinheiro, do que o normalmente costumava circular. A sua exploração, ao
contrario do algodão, dispensava custos adicionais no preparo do solo e
plantio, por se tratar de uma espécie nativa cuja existência independe da
interferência humana.
Os passarinhos e os animais, que se
alimentam da polpa do fruto, são os responsáveis pela expansão do oiticical
existente na região. Portanto, as despesas dos proprietários restringem-se aos
encargos com a colheita, sacarias, transporte e a alguns cuidados necessários,
para permitir o acesso das pessoas responsáveis pela cata do fruto.
Dessa forma, em sendo a cultura da
oiticica uma árvore nativa, significa dizer que não havia grandes concentrações
de arvores numa única propriedade. A natureza, gentilmente democratizou a
distribuição das arvores, permitindo que milhares de pequenos proprietários
fossem também beneficiados com a venda do produto. Na estação das vendas, o
pátio da indústria ficava superlotado, pois os armazéns, com a capacidade
esgotada, não tinham mais como armazenar os frutos, que chegavam de todos os
recantos, até mesmo de outros municípios vizinhos.
A indústria gerava dezenas de
empregos diretos e outros tantos indiretos. Por isso, a empresa passou a fazer
parte da vida econômica e social da cidade. Trabalhar no segmento
administrativo da empresa era o sonho maior da rapaziada. A gerência da
indústria aproximou-se da população através de encontros sociais semanais, da
promoção esportiva e outras formas de relacionamentos. No interior da empresa
havia um dancing, onde todo final de semana jovens da sociedade local,
compareciam, aos saraus dançantes oferecidos pelas esposas dos administradores.
Muitas e muitas vezes, ainda criança, ficávamos observando, à distância,
rapazes e moças da época, mostrar suas habilidades de dançarinos, ao ritmo de
boleros, sambas, tangos e outros fandangos.
No campo esportivo, a indústria
fundou um time de futebol, com o propósito de atrair os operários e jovens da
sociedade, para a prática desse esporte. Se não me engano era o BOSA Futebol
Clube. Quem pode confirmar ou não é Zé de Bú, talvez o último da geração de
operários que deram sustentação, como força de trabalho, à velha indústria. A
sigla BOSA, era a síntese da Brasil Oiticica Sociedade Anônima.
Escutei falar muito dos craques
daquela época. Eram famosos pela habilidade no domínio da bola, os senhores: Zé
Pretinho, seu irmão Belino Queiroga, Elry e o seu irmão Zé Medeiros, Manoel
Cezar de Alencar (Manu), Zé Carneiro, tido como o melhor goleiro de toda
história do futebol pombalense, Possidônio Queiroga, Nicodemos, também goleiro,
Vicente de Virtuosa, Chico Tim, Raimundo de Aristides, e tantos outros. Não
cheguei a ver o BOSA jogar, portanto tudo que sei foi contado por alguns
remanescentes daquela época.
Entre todos os jogadores, havia um,
que me chamou atenção. O moço era um craque, pois, fazia tudo com a bola, mas,
tinha vergonha de botar o calção, porque não queria expor as suas bem torneadas
pernas á curiosidade pública, portanto só queria jogar vestido à trajes
formais. Esse craque era um parente nosso, conhecido por Joãozinho de Senhor.
Bem, como diz o poeta, a felicidade
foi eterna enquanto durou. O ciclo do óleo de oiticica aos poucos foi chegando
ao fim. A chaminé que ecoava, pelos quatro cantos da cidade, de quatro em
quatro horas, foi aos poucos esmaecendo, até o dia que sonorizou o seu último
apito. Silenciou sim, porque não havia mais ninguém para chamar, posto que, os
operários foram dispensados porque, as máquinas, que esmagavam a amêndoa do
fruto da oiticica e que geravam tantos empregos, cessaram suas atividades. Um
silêncio tumular tomou conta dos corredores da velha fabrica. Já não se
escutava a voz imperativa do capataz, do gerente e dos ordenadores
administrativos. Hoje, só resta a fugaz lembrança dos antigos operários que
deram tudo se si, para manter em plena atividade a velha e saudosa empresa.
Fechou por quê? Tudo aconteceu quando
outros sucedâneos do óleo da oiticica, de melhor qualidade, ocuparam os espaços
de mercado e assim sendo, não restava mais nada a fazer a não ser paralisar as
máquinas, e manter duas ou mais pessoas cuidando da vigilância e da manutenção,
a espera de melhores dias.
Por outro lado, a indústria
siderúrgica passou a se interessar pelo óleo do babaçu e do dendê, por ser de
melhor qualidade. O babaçu, palmeira nativa da região norte do país, assim como
o dendê, passou a receber cuidados especiais, por parte de grandes empresários
do setor oleaginoso de capital nacional e internacional.
Em 1974, como técnico em pesquisa
socioeconômica, de uma empresa de pesquisa e extensão, na Bahia, tive a
oportunidade de conhecer e estudar o processo de extração de óleo da polpa do
dendê, o que me fez entender o porquê dos principais motivos que tornaram o
óleo do fruto da oiticica, economicamente inviável. Nas viagens que fiz em
visita ao interior do estado, conheci um plantio e ainda um canteiro de obras,
para a instalação de uma usina de processamento da polpa do fruto do dendê, de
propriedade da Usina Siderúrgica Nacional, sediada em Volta Redonda. Era alguma
coisa descomunal. Depois chegou às minhas mãos, um projeto tipo, “Cadeias
Integradas”, a ser implantado no estado do Pará, onde envolvia a área de
milhares de hectares destinados ao cultivo do dendê, cuja finalidade era
produzir matéria prima para uma unidade de processamento, com capacidade para
produzir milhares de metros cúbicos de óleo, para atender a indústria
siderúrgica da região. Cá comigo pensei, adeus Brasil Oiticica.
Ao longo da minha convivência com
técnicos especialistas no setor de oleaginosas, busquei saber se poderia haver
outros usos alternativos para o óleo derivados da amêndoa do fruto da oiticica.
Nada de promissor, naquela época. No momento, a proposta do governo federal,
para incentivar a produção de óleo de origem vegetal, (Bio Diesel), ou o
bio-combustível para veículos automotores, poderá ser uma oportunidade para o
aproveitamento do fruto da oiticica. Ademais, existem outros espaços de
mercado, como o da indústria de saponáceos e tantos outros do mesmo gênero, que
consomem bastante óleo vegetal.
Mesmo assim, convém ressaltar que
óleo derivado do fruto da oiticica, além de ser viscoso é também de elevada
acidez, o que dificulta a sua aceitação no mercado industrial. Assim sendo,
torna-se mais difícil competir com os sucedâneos produzidos em grande escala,
principalmente aqueles considerados menos viscosos e de menor acidez. A não ser
que a procura por bio-diesel cresça de forma progressiva, por ser um
combustível ecologicamente correto, frente a uma oferta restrita de óleo de boa
qualidade. Com certeza, esse desequilíbrio entre oferta e procura do diesel
derivado do óleo de boa qualidade, poderá permitir a entrada no mercado do óleo
de qualidade inferior, no caso o derivado da oiticica. Uma possibilidade
remota.
Tem mais, o rendimento médio, em
termos de produção de óleo por tonelada esmagada, da amêndoa da oiticica, deixa
muito a desejar, com relação a outras oleaginosas. Isso significa dizer que o
retorno do apito da velha fabrica é um sonho cada vez mais difícil de
acontecer, mas não definitivamente impossível.
O que resta da velha indústria, hoje
desativada, não passa de um monumento que lembra quão prospera foi à economia
da terrinha, por aproximadamente, trinta anos. Quando passamos em frente à
velha fábrica temos uma sensação de que tudo está acabado. O que resta é
passado. Se esse passado retornasse, seria muito bom. Mas, vamos manter de pé
nossas esperanças. A esperança é a última que morre, mas também poderá ser a
última que mata.
Agora vem a pergunta: quem se lembra
do último apito da velha indústria? Ou melhor, pra ser mais realista: quem se
lembra do último e ofegante suspiro, emitido pela chaminé (Se é que o eco do
apito sai dela mesmo) da saudosa Brasil Oiticica? Com certeza Zé de Bú. Não
conheço outro remanescente daquela época, a não ser o Zé. Dessa forma, com
certeza, é o único que poderá oferecer pistas para responder as perguntas aqui
colocadas. Ademais, faz sentido escutar o que diz Zé de Bú, enquanto o velho
operário está lúcido, sobre o nascimento e morte da maior unidade industrial do
sertão, de todos os tempos.
João Pessoa, o5 de Junho de 2012
*Economista e escritor pombalense.
Este texto foi escrito no ano de 2007. Nesta época ja previa que a retomada das atividades da Brasil Oiticica era impossviel tendo em vista a pouca importanica do oleo derivado da amendoa da oiticica não tinha oportuidade de mercado frente a outros oleos de melhor qualidade, de preço mais vantajoso. Resultado, deu no que deu, não foi? Abraços Ignacio
Este texto foi escrito no ano de 2007. Nesta época ja previa que a retomada das atividades da Brasil Oiticica era impossviel tendo em vista a pouca importanica do oleo derivado da amendoa da oiticica não tinha oportuidade de mercado frente a outros oleos de melhor qualidade, de preço mais vantajoso. Resultado, deu no que deu, não foi? Abraços Ignacio
BRASIL OITICICA: A agonia da velha fábrica ao ressoar o seu último apito.
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/05/2012 06:17:00 PM
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