NO TEMPO DOS CIRCOS
Ignácio
Tavares*
No passado muitas companhias
de circos mambembes visitaram Pombal. A maioria era pequenas empresas familiares
de atrações limitadas. Para o povo o circo era um raro momento de lazer. Assim
sendo, quando era instalado um circo em frente à rua de baixo, os olhares da
cidade voltava-se para este lugar. Era um vai e vem de gente a todo o momento
na busca de saber quais as atrações que a companhia podia oferecer.
O povo gostava da presença
do circo, por isso as arquibancadas eram insuficientes pra tanta gente querendo
assistir aos espetáculos. Os frequentadores mais emotivos exaltavam-se ao
assistir os dramalhões que o circo apresentava, como última atração do
espetáculo. As cortinas eram abertas, assim
entrava em ação um teatro
tipicamente mambembe de saudosa memória.
No outro dia, em qualquer
lugar da cidade o comentário era sobre a peça teatral, da noite anterior, pois,
o desenrolar da trama da peça apresentada era principal assunto nas conversas
entre as pessoas logo ao amanhecer do dia. Certa vez, um circo mambembe, como a
grande maioria dos que passaram pela cidade, fez o povo da cidade chorar. Isso por conta de uma famosa
peça, como se dizia naquela época, conhecida por Deus lhe Pague. Trata-se de
uma obra do escritor Joracy Camargo encenada pela primeira vez em 1932, logo
após a sua publicação. Trata-se de um dramalhão apelativo por muito tempo
dirigido pela Companhia Teatral de Procópio Ferreira.
Foi um retumbante sucesso, assim como ocorrera
em todo território brasileiro. A referida peça tocou de cheio na sensibilidade
da emotiva plateia acotovelada nas desconfortáveis bancadas do circo. No outro
dia, a cidade inteira comentava o choro que desabou sobre a platéia.
A emoção contaminou até
mesmo aqueles que não foram assistir ao espetáculo. Era comum a vizinha que
assistiu repassar a história pra outra que não se fez presente ao espetáculo. De
ouvido atento a vizinha escutava todo
desenrolar da trama do dramalhão. Em poucos minutos as duas abraçadas entravam
literalmente em estado de choro convulsivo como se tivessem perdida uma pessoa
querida da família. outra ocasião uma senhora
narrou pra vizinha toda história do ¨Deus lhe Pague¨. Em poucos minutos toda
família chorava aos prantos. Por muito tempo o dramalhão Deus lhe Pague foi
comentado na cidade, sempre a provocar crises de choro e lágrimas nas pessoas
mais emotivas.
Não só de circo mambembe se
divertia o povo da terrinha. Anos depois baixou em Pombal um grande circo. Foi
o circo Nerino, que além de trazer um grande elenco de artistas habilidosos,
tais como, trapezistas, equilibristas, palhaços, trouxeram também um zoológico
a parte, composto por leões, hienas, tigres, elefantes, entre outros animais adestrados.
A presença desses animais despertaram a
curiosidade de toda população.
No primeiro amanhecer de
dia, os leões rugiam, tigres miavam, hienas choravam, os elefantes emitias sons
aterrorizantes, parecia que a planície do Kalahari havia sido transposta da
África para a Rua de Baixo. Com esse barulho infernal os animais domésticos que
viviam nas proximidades do circo, como, gatos, cachorros, bois, vacas, jumentos,
aves domésticas entraram em estado de pânico.
As vacas de seu Juca
arrombaram a cancela, correram em direção a Camboa, cuja estrada conhecia muito
bem. Os gatos de Miguel de Maloura fugiram pra o serrote do Riacho do bode, só
apareceram depois que os animais foram embora. O cachorro de Godô foi
encontrado na várzea comprida dos Oliveira. Os coelhos que dona Maria viúva
criava desabaram em direção ao mufumbal da beira do rio, nunca mais retornaram.
As vacas de dona Petronila, arrobaram a cerca, saíram em desabada, foram
encontradas em São Bentinho. O galo de estimação de carne assada, que tanto
incomodava os vizinhos, emudeceu. Foi um horror para os animais da vizinhança.
Na Rua do comércio não foi diferente. O
cachorro de mestre Álvaro desapareceu e ninguém soube dizer pra onde. Depois de
algum tempo reapareceu, magro, desconfiado, sem nenhuma disposição de ir pras
bandas da Rua de Baixo, onde sempre gostava de estar.
Nego Chale conta que certo
dia, com muita insistência o cachorro acompanhou mestre Álvaro em direção a Rua
de Baixo. Ao passar pelo local onde estava a jaula dos leões cometeu o equivoca
ao cheirar uma porção de esterco. Ao pressentir que se tratava de fezes do
leão, o cachorro entrou em convulsão. Godô, que estava nas proximidades ao
observar a situação do animal diagnosticou um caso típico de morte súbita por
causas desconhecidas.
Resultado: quando voltou a
si ficou com a metade do corpo paralisado. Depois de algum tempo voltou a
caminhar com certa dificuldade, sem jamais recuperar o seu estado normal até o
fim de sua vida. Depois daquele vexame, tubarão nunca mais retornou a Rua de Baixo,
mesmo que mestre Álvaro insistisse em chamá-lo.
Sem dúvida, o circo Nerino
marcou uma nova época, no que diz respeito à apresentação dos espetáculos
circense no sertão paraibano. Em Pombal, instalou-se para uma temporada de dez
dias, passou quase um mês. Não foi diferente nos demais municípios em que se
apresentou.
Afora, a exposição de
animais domados e treinados para o espetáculo circense, tinha uma trupe de bons
equilibristas que tiravam o fôlego da platéia. Depois dele, outro circo da
mesma estirpe jamais apareceu.
Infelizmente, hoje, pouco se
fala sobre os espetáculos circense. As companhias que ainda restam fixaram-se
nos grandes centros urbanos, transformando-se em momentos de lazer permanente
para as classes mais abastadas.
O custo de deslocamento
proíbe o circo de exercer o papel de unidade de diversão nômade, a exemplo do
que acontecia há anos atrás. Hoje, quem quiser assistir à um bom espetáculo
circense, vai ter que viajar muito. Que pena!
João Pessoa, 21 de Junho de 2013
*Economista
e escritor.
NO TEMPO DOS CIRCOS
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/21/2013 05:45:00 AM
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