PRAÇA JOÃO PESSOA: LUGAR DE ENCONTRO NOS ANOS SESSENTA
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Logo que cheguei a João Pessoa,
dava pouca importância à vida noturna, a não ser quando o amigo Edrizio Roque
arrastava-me, para uma boa noitada nos principais redutos boêmios da cidade. Mesmo assim sentia-me como um bicho do mato
fora do seu habitat natural. Tudo era diferente, a começar pelos novos amigos,
os lugares que frequentava, coisa e tal.
Ainda estava preso às amizades
sólidas que deixei pra trás no meu sagrado chão, bem como aos treinos do São
Cristovão, às serestas nos finais de semana, o papo com a turma no busto da Praça
Getúlio Vargas e das visitas ao lupanar de Antônia Benta.
Ainda preso às raízes
pombalenses, era comum nos meus dias de folgas, principalmente nos finais de
semana, numa boca de noite, tomar o ônibus na certeza de que ao amanhecer do
dia estava a pôr os pés na minha boa e
querida terra.
Retornar a João Pessoa, para
mim era doloroso, posto que, batia no meu coração aquela imensa vontade de
ficar. Desse modo diante de tanta saudade não foi fácil adaptar-me à nova
realidade em um grande centro urbano a qual estava a viver. Acontece que, até
então só possuía dois amigos com os quais podia contar para as saidinhas
noturnas. Refiro-me a Cidoca e Edrizio
Roque. Com o falecimento inesperado de Edrizio ficamos tontos, desorientados a
ponto de perdermos temporariamente, o prazer da noite.
Depois de algum tempo aos
poucos fui me enturmando com os amigos e amigas da Faculdade de Ciências Econômicas
(FACE). Na sequência comecei a frequentar as festinhas sabáticas no Clube das
Voluntárias, entre outros encontros sociais no meio universitário. O velho
clube ficava à Rua João Machado e era administrado pelo diretório acadêmico do
curso de Serviço Social.
Com o passar do tempo passei
a tomar gosto pelas novas relações de amizade que se firmavam a cada dia. Uma
namoradinha? Ora, era mais do que normal em cada festa que ia. Um novo mundo se
redesenhava com fortes perspectivas de me convencer de que aqui também havia
espaços para o exercício do lazer noturno.
Assim, aos poucos me
libertei, da torturante saudade da turma do bar de Zé Preto, da bodega de Zé
Gago, do bar centenário, da sinuca de Pedoca Junqueira, dos treinos do São
Cristóvão, das amiguinhas que deixei pra trás, da turma do sereno, do busto e
da boate de Antônia Benta. Resultado, aos poucos foi encurtando o cordão
umbilical que ainda me prendia a terrinha.
É claro que nunca esqueci a
minha terra, nem a esquecerei jamais. Mas, aos poucos fui ganhando outra terra
que me acolheu, aceitou-me qual um filho gerado nas suas próprias entranhas e
ainda com o passar do tempo deu berço aos meus filhos. Já adaptado à nova vida
as saídas nos finais de semana tornaram-se rotinas. Os pontos marcados para
nossos encontros tinham muito a ver com os locais onde a nossa presença
acontecia com certa frequência.
O antigo ponto de Cem Reis,
a Praça João Pessoa, Bar dos Frios, o Bar de Leodécio, Restaurante Tabajara, a
Churrascaria Bambu, o Bar Pedro Américo, o Bar do Zé, o Caranguejo de Merêncio,
estes sim, eram as principais lugares onde a gente costumava se encontrar para
o pré-aquecimento antes de adentrarmos a noite, principalmente nas sextas e
sábados, dias ideais para nossas divertidas jornadas etílicas.
Entre os diversos pontos de
encontro havia um de referência consensual. Refiro-me a Praça João Pessoa
situado estrategicamente no coração da cidade. Era também um ponto de
convergência para as jovens que aos domingos assistiam à missa da noite na
Igreja nossa Senhora de Lourdes. Era um festival de flertes e conversas sem
fim. Algumas vezes dessas conversas formava-se um namorico, mas na maioria das
vezes não passava de prosas sem resultado nenhum.
Essa movimentação terminava
lá pras dez horas da noite. As mocinhas recatadas recolhiam-se cedo ao lar por
recomendações das vigilantes matronas que ficavam em casa a cronometrar o tempo
autorizado para que as filhas dessem umas voltinhas ao redor da Praça João
Pessoa, após a missa, fim de fazerem diligências na busca de um namorado de
futuro. Havia até um famoso bordão, qual seja: “namore um estudante hoje e se
case com um doutor amanhã”. Algumas vezes funcionava, outras não.
O tráfego de pessoas lá pras
onze horas era quase zero. Aí sim, a turma da Praça João Pessoa, entrava em
ação. A praça passava ser nossa, somente nossa. Era domingo, com certeza
havíamos de nos recolher cedo pra na segunda enfrentarmos a batalha que nos
esperava, pois as nossas incursões noturnas encerravam-se no sábado para o
domingo. Por isso o domingo à noite era o momento ideal para nossas conversas
habituais sobre as farras das noites anteriores, entre outras coisas mais.
O tempo era curto, mas,
havia espaço suficiente pra a gente colocar as conversas secretas em dia,
principalmente as de ordem política. Eram vários grupos a frequentar a velha
praça. O grupo ideologicamente mais a direita ficava mais próximo do prédio da
Assembleia, na época o edifício onde funcionava o Jornal a União, enquanto o
nosso grupo ficava quase em frente ao Palácio do Governo.
Quando alguém do grupo da
direita aproximava-se mudávamos o assunto pra o futebol. Nada de política, pois
corríamos o risco de repassar informações comprometedoras pra um dedo-duro
qualquer a serviço do sistema repressivo.
Todo cuidado era pouco. Sabíamos
que pessoas suspeitas estavam infiltradas no nosso meio. A gente não tinha uma
noção exata de quem era o sujeito, mas, desconfiávamos de alguns elementos, que
vez por outra ficavam a peruar nossas conversas sem delas participar.
Os encontros dos domingos
eram decisivos pra agente programar as saidinhas nas sestas feiras e nos sábados
à noite. A maioria tinha suas namoradinhas, portanto, não podia chegar no
horário aprazado. Então fazíamos um escalonamento. Até tantas horas estamos no
bar do Leodécio, da meia noite em diante vamos estar no bar do Zé, assim por
diante. Ninguém se desencontrava de ninguém.
O nosso grupo não era lá
muito grande. Éramos José Leão, Hugo Vergara, Valdemir Mendes, Areobaldo Alves,
Arnaldo Junior, Heloizo Jerônimo, José Ferreira, entre outros. Outros amigos,
embora sendo do grupo, não nos acompanhavam, pois tinham outros itinerários.
Essa turma era formada por Marcos Ubiratan, Mazinho, Aloísio Belmont,
Valderedo, José Cabral, mais outros que não me lembro mais.
Assim sendo o grupo do sereno,
quando todos juntos, partia em direção a boate de Dina. A dita cuja era uma
autentica Dama da vida noturna. Solícita, de educação refinada, nos recebia com
muito carinho e respeito. Passávamos a
noite a beber, dançar, cercados de belas mulheres. Lá pras tantas, fazíamos a
vaquinha, pagávamos a despesa e tomávamos outros rumos.
A nossa segunda etapa era o
restaurante do hotel Pedro Américo. O que mais nos atraia a esse lugar era a
sopa do Chico. Esta sopa era algo fora
do comum. Ninguém ia pra casa dormir sem entes se refestelar da suculenta sopa
do Chico. Por volta das cinco da matina o grupo era desfeito e cada um tomava a
direção de suas respectivas casas a fim de dar vasão à vontade insaciável de
dormir.
Dormíamos quais crianças
desmamadas, mas, por volta das sete e meia da noite estávamos todos na Praça
João Pessoa. O mesmo lugar, os mesmos amigos, as mesmas conversas. Assim a velha Praça, por muito tempo foi uma
espécie de tribuna livre, lugar que atraia grande parte da juventude estudantil
dos anos sessenta.
As vezes quando vou ao
centro da cidade, ao cruzar a velha Praça, afloram-me as boas lembranças de um
tempo que os jovens se encontravam para discutir sobre o clube esportivo
preferido e expressar suas ideias políticas, bem como planejar o modo de como
fazer da noite um momento de prazer e diversão, de forma decente, equilibrada,
longe dos extremos, das extravagancias, que caracterizam grande parte da
juventude de hoje. É triste, mas, esta é a dura realidade.
João Pessoa, 05 de Dezembro de 2013
*Economista e Escritor
Pombalense
PRAÇA JOÃO PESSOA: LUGAR DE ENCONTRO NOS ANOS SESSENTA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/05/2013 08:09:00 PM
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