Digo que vou, mas...
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Eu tive um cachorro vira-lata legitimo que
viveu dezesseis anos aqui na nossa casa. Era bastante querido em razão da sua
docilidade e apego aos meninos. Enquanto novo era difícil prendê-lo em casa,
porque saia com muita frequência, percorria dois, três quarteirões, mas na hora
do almoço estava em casa.
Atendia pelo nome de Neguinho e
não se furtava em acompanhar a esposa até a
escola da qual era professora. Ao perceber que a sua dona havia adentrado a
escola retornava a casa. Francisca, uma jovem que cresceu em nossa casa, logo
cedinho saia pra o colégio que ficava nas proximidades, da mesma forma a
acompanhava até o seu destino final.
Era assim mesmo, quando Francisca saia em
direção ao colégio olhava para o lado, estava Neguinho no seu encalço. O perigo
era que tinha de atravessar a Epitácio Pessoa, assim mesmo ele a seguia até o
colégio. Portanto, logo que ela entrava na sala de aula ele dava meia volta
retornava a casa sem nenhum problema para atravessar a Epitácio Pessoa, uma rua
de transito intensivo, principalmente nas primeiras horas da manhã. Era demais,
não havia como não gostar dele.
Ao
ficar mais adulto as saídas de Neguinho começam a diminuir. O seu mundo
interior doméstico começa a ser mais importante do que as caminhadas pelas ruas
dos quarteirões do bairro. Torna-se mais caseiro a ponto de incomodar a
secretaria que o obrigava vez por outra dar uma saidinha para poder arrumar a
casa. Saia, mas em pouco tempo retornava a fim de curtir a sua preguiça.
O tempo passa. Neguinho a cada dia continua a
perder o prazer de fazer suas caminhadas pelos quarteirões do bairro. Em casa
escolheu um lugar pra se deitar, mas sem perder o censo de observação de tudo
que se passava ao seu redor além de acompanhar com o olhar desconfiado as
pessoas não residentes que adentram a nossa casa.
A velhice chega, Neguinho não se anima sequer
pra deixar sua dona na unidade escolar que ensina. Torna-se preguiçoso, molengo,
sonolento, por conseguinte sem nenhuma disposição sequer para espantar os gatos
estranhos que invadiam o seu habitat.
Aonde pretendo chegar com essa história? É
muito simples, posso me explicar. Nós humanos na nossa trajetória de vida, às
vezes temos alguma coisa a ver com certas espécies de animais, inclusive o
cachorro. No meu caso particular, nos diversos estágios de vida pelos quais já
passei, ao longo do tempo, quais sejam, criança, adolescente, adulto, enfim a
terceira idade, tive também meus momentos de euforia, de cautela, por fim de
acomodação.
Já falei bastante sobre as minhas caminhadas
noturnas na minha terra bem como aqui em João Pessoa e n’outras praças por onde
vivi neste país afora. Já não sou mais o mesmo porque a ditadura do tempo
tolhe-me a vontade de participar de encontros sociais noturnos.
Nos diversos convites que recebo para
participar de eventos diversos, na sua grande maioria confirmo presença, mas
não vou. Certa vez o Conselho Regional de Economia, do qual fui presidente,
convidou-me para participar da aposição dos retratos de todos ex-presidentes da
instituição. Confirmei que ia, houve divulgação da minha presença, mas, dei
cano, seja, não fui.
Foi assim e tem sido assim. É muito difícil
alguém me arrastar do confortável ambiente onde escuto minhas músicas, delicio
meu vinho, faço leituras e escrevo meus textos. Estou qual meu cachorro
Neguinho, seja, não tenho muita animação para sair de casa, salvo quando vou
visitar João Ignácio, meu primeiro neto. Não se trata de indisposição física,
de jeito nenhum, é mesmo acomodação e nada mais.
O pior de tudo isso é que não existe remédio
para reverter o quadro de acomodação o qual estou submetido. Não sou o único,
pois os meus amigos estão a viver a mesma situação. Converso com um, com outros,
a história é a mesma. Isto até certo ponto me conforta porque, repito, não sou
o único a viver essa situação e com certeza não serei o último.
João
Pessoa, 16 de Janeiro de 2014
*Economista e
Escritor
Digo que vou, mas...
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/15/2014 07:20:00 PM
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