EM POMBAL MORCEGO É NOME DE BAR
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Francisco Vieira |
Francisco
Vieira*
Minha terra é um
lugar pitoresco. Seu povo, costumes, histórias e particularidades, dão a cidade
um caráter sui generis. A propósito, não é à toa quando se diz que certas
coisas só acontecem em Pombal.
Entre
as peculiaridades do lugar está a variedade de apelidos. É grande a quantidade
de moradores apelidados com nomes de animais de nossa rica fauna. A título de
exemplo temos: Pedro Onça, Zé Corró, Louro Preá, Peixinho, Cobra-verde,
Crocodilo, Papagaio e outros. São tantos que mais parece um zoológico. E,
como se não bastasse, ainda tinha
estabelecimento comercial, batizado com o nome de Bar Morcego, animal mamífero
voador comum na região.
O
prédio era um casarão do Séc. XX, pertencente a D. Jardelina ou D. Jarda,
casada com o renomado cangaceiro Chico Pereira, bandido na visão de uns e herói
na ótica de outros. Na verdade, vítima de circunstâncias sociais onde
predominava o poder econômico e a injustiça. Era a lei do mais forte.
Localizado na parte
mais central da cidade, com portas e janelas arqueadas, compunha e embelezava todo
o acervo arquitetônico do lugar. Tombado conforme Lei Estadual o centro
histórico é formado por praças, monumentos e casarões seculares, que resumem a
história do município, tais como: Igreja de N. S do Rosário, Cadeia Velha,
Escola João da Mata, Pombal Ideal Clube, etc.
Embora
construído com fins residenciais, o Sobrado de D. Jarda como era conhecido, destinou-se
a outras finalidades. De início foi sede da Prefeitura Municipal na gestão do
então Prefeito Francisco Pereira Vieira - não confundir com Chico Pereira
cangaceiro. O sobrado também colaborou com a educação do município quando foi
instalado o Ginásio Diocesano em 1.954, servindo inclusive de internato para
estudantes de cidades circunvizinhas. Fato interessante e digno de menção foi
que o poder executivo funcionou no então Grupo Escolar “João da Mata”, assim
como o legislativo. Entretanto, devido o grande número de alunos houve permuta entre
a Prefeitura e o estabelecimento de ensino, contribuindo assim com o
desenvolvimento cultural da cidade e região.
Depois,
veio enfim o Bar Morcego. O nome de batismo, se não hilário é no mínimo curioso
e esquisito e foi dado devido à existência desses animais que se abrigavam no
local fazendo do alto do prédio seu habitat. Do meu conhecimento tudo começou
com a iniciativa de Sargento Sebastião, militar reformado e dedicado ao
comércio como meio de ocupação e sobrevivência. Vieram em seguida os irmãos
Albanete e Aécio Lourenço, conhecidos pelo epíteto de “baixinhos”, devido à
baixa estatura e por fim Neri Bandeira. Como frequentador posso afirmar que em
todo seu tempo o bar foi um ambiente simples, porém agradável. Sua localização
central e o elevado piso serviam de atrativos, oferecendo aos frequentadores
uma visão privilegiada de toda área, palco dos principais eventos festivos do
lugar.
Situado no centro da cidade, o Bar Morcego,
era o ponto ideal para degustar entre amigos uma cerveja gelada, saborear a
culinária local como peixe, rubacão, buchada e contemplar as belezas do centro
histórico. Assim, o antigo sobrado acumulou no passado importantes fatos e
decisões político-administrativas que fizeram a história do município. Ainda
mais, guardou infindas noites de insônia de D. Jarda, ante a preocupação com o destino
incerto de seu esposo. É que mulher de cangaceiro não tem sossego. Sua viuvez é
esperada todos os dias.
Anos depois, início da
década de 80, antes do tombamento, o sobrado foi completamente demolido. No
local foi erguido um novo prédio conforme os padrões da modernidade, ação empresarial
de Raimundo de Freitas, onde funcionam diversas lojas comerciais e sua
residência O sobrado teve infelizmente o mesmo fim do Cine Lux, Casa do
Altinho, Sorveteria Tabajara que se foram levando partes do nosso passado. A
propósito, ressalte-se a permanência da chaminé da Brasil Oiticica, graças à
ação judicial impetrada por um grupo de pombalenses defensores da preservação
histórica como seu maior patrimônio.
Como filho de Pombal
tenho demasiado apego as coisas da terra, principalmente, quando ligadas à
infância e adolescência, fases vividas de forma intensa e ainda presentes na
lembrança. São mais que acontecimentos, são marcas que o inexorável tempo não
consegue destruir e a memória insiste em mantê-las. O que parece tolice para
uns, tem imensurável valor para outros, inclusive para mim.
Assim foi o Cine Lux,
Bar Centenário, Pombal Ideal Clube, Ginásio Diocesano, Colégio das Freiras,
etc. E também o Bar Morcego, porque não? Se não tão importante, mas de
reconhecido valor. É também parte da nossa história o que justifica essa
exaltação. É impossível imaginar o centro de Pombal sem vislumbrar o sobrado de
D. Jarda e não lembrar o Bar Morcego.
Quem me dera ter o
sobrado ainda intacto, livre de mãos nefastas que picham e destroem para não vê-lo
em ruínas. Queria vê-lo pomposo como antes, assistindo o vai-e-vem da
população, às vezes indiferente ao que ali se passava. Que bom seria remontar o
prédio com suas paredes robustas que serviam de abrigo as andorinhas, vez por
outra, levantando em revoada com o som estridente dos sinos da Igreja Velha e
da Mariz, enquanto a meninada brincava na sombra de suas calçadas espaçosas. Que
do alto de sua pujança pudesse contemplar as belezas das Praças Getúlio Vargas
e do Centenário com suas palmeiras seculares, onde o povo já manifestava devoção
e fé a Nossa Senhora do Rosário ou se aglomerava em comícios e passeatas dos
“Carneiros” e dos “Pereiras”.
Desse tempo bate
incontida saudade em meu peito. É que existe um elo muito forte entre mim e meu
passado do qual é impossível me desvencilhar. Há em cada palmo desse chão um
pouco de mim. A ele sinto-me preso por grilhões.
Tudo se faz
lembrança. Recordo os amigos, as travessuras de criança, os sonhos de
adolescente e as paqueras, correspondidas ou não. Impossível esquecer a escola,
os professores e os colegas. Difícil não lembrar praças, ruas e vielas,
casarões seculares e monumentais edifícios. E, com evidência, relembrar as
pessoas, principais protagonistas dessa história ímpar. A tudo recordo com
sabor de saudade. Saudade que são reminiscências que surgem e ressurgem como
fonte de inspiração para exprimir o amor telúrico que não me deixa calar.
Daí,
reafirmo: Pombal é igual e diferente aos demais lugares. Não é em vão que se diz:
quem bebe de sua água a ela retorna. Detêm grande acervo histórico e cultural,
fontes de inspiração para poetas e escritores do lugar. Decantada em prosa e verso,
foi berço de ilustres personagens nas diferentes áreas culturais como, os
poetas Leandro Gomes de Barros – Pai do Cordelismo – e Belarmino de França,
Arruda Câmara botânico, os políticos Rui e Janduhy Carneiro, Celso Furtado,
economista de renome internacional, além de outros importantes vultos.
Enfim, o lugar é rico em particularidades. Suas
histórias diversificadas, protagonizadas por personagens pitorescas chamam a
atenção, entre as quais a que intitula esta crônica, afirmando que EM POMBAL
MORCEGO É NOME DE BAR.
Pombal,
18 de outubro de 2014
*Professor e Escritor
EM POMBAL MORCEGO É NOME DE BAR
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/20/2014 07:26:00 PM
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