AS CAJAZEIRAS DA ROÇA DE ANA
Jerdivan Nóbrega de Araújo |
Jerdivan
Nóbrega de Araújo*
Da parte da mais alta onde foi
estrategicamente, por nossos bisavós, construída a velha Casa de Farinha, que
um dia foi a redenção da família, com a produção de farinha e derivados sob o
comando da nossa bisavó Ana Benigno, viúva ainda muito jovem de Filemon Estevam
de Sousa, que faleceu aos quarenta e cinco anos de idade por volta de 1919,
deixando oito filhos menores, avistava-se o leito do Rio Piancó com sua
abundante água corrente além de todos os confins da “Outra Banda”.
Eu me lembro de cada palmo daquelas
terras e dos seus devidos cuidadores, não obstante á época eu não ter mais de
nove ou dez anos de idade.
Mirando de frente, à esquerda tínhamos a
olaria de mestre Álvaro e
Mais a frente às roças que se dividiam
entre mestre Lauro, que era casado com Emerique irmã de pai; a frente outra
faixa de terra que meu pai utilizava; em seguida a roça de seu Enoque, que era
casado com Severina, também irmã do meu pai, e por fim a Roça de Tio Cândido.
(Roça é a forma que o sertanejo denomina as suas plantações. Para o sertanejo
cada faixa de terra é chamada de “roça” seguida do nome do responsável pelo
cultivo daquele espaço).
Tio Cândido, Lelé e Mestre Álvaro eram
irmãos da minha avó, e filhos de Ana Benigno e Filemon Estevam de Sousa.
Ana Benigno também cultivava a sua
própria roça. Ela já estava com mais de 80 anos de idade, e ainda arava a terra
como sempre fizera para sustentar os filhos, quando enviuvou.
A Roça de Tio Cândido era a última nos
limites das terras de Ana, dividida por uma cerca com as terras de seu Olinto.
A cerca que dividia as duas faixas de terras fora feita com estacas lenhosas de
cajazeiras, que quando utilizada ainda “verde” acabam “brolhando”, ou
“brotando”, que é como se diz no sertão de plantas que voltam a brotar a partir
e um dos seus ramos enterrados em lugares úmidos.
As estacas brotaram e se transforaram em
imponentes e produtivas cajazeiras que se enfileiravam de um lado a outros
daquela faixa de terras, iniciando-se às margens do rio e seguindo em direção
oeste até a divisa com a Serra da Favela que também era parte das terras de Ana
Benigno.
As nossas Cajazeiras eram árvores
grandes e muito frondosas, chegando até 25 metros de altura. Os galhos eram
cobertos por uma casca muito espessa e fendidas o que a tornava cortante, de
forma que não nos permitia aventurarmos em subirmos aos seus galhos para fazer
a coleta dos frutos, o que também não era necessário: os galhos, de tantos
frutos, pendiam para baixo nos permitindo fazer a colheita com facilidade.
Ademais, ao chegarmos ainda cedo da
manhã o chão estava amarelado de tantos frutos. Nosso pai e tios estava sempre
limpando o mato que se formava em baixo das árvores para facilitar a colheita.
Existia, no entanto, um impedimento: não
podíamos catar os frutos que caiam do outro do lado da cerca. Havia uma rixa
antiga entre seu Olinto e nossa família, que eu nunca entendi o motivo, que
parece-me vinha de gerações anteriores, de forma que o cajá caído do outro lado
da cerca virava lama, apodrecia já que niquem vinha apanhá-los: era fruto
proibido.
Mas, para nós moleques o fruto proibido
sempre foi o mais apetitoso. Sempre escalávamos um dos primos que pulava a
cerca de arame, enchia uma lata de cajás, enquanto que outros ficavam de olho
no horizonte, vigilante para ver se o “morador” de seu Olinto vinha nos
repreender, o que nunca aconteceu.
Assim foi nossa infância, livre como uns
pássaros entre as cajazeiras da roça de Ana, tibungando nas águas do rio Piancó
com as mãos cheias de Cajás, trapiás, pinhas aracás, goiabas, cajus, mangas e
outros frutos.
Como me lembrou Verneck, quando eu
terminava esse texto: “na Roça de Ana vivemos intensamente os sabores dos
trapiás, marizeiras, cajazeiras, goiabeiras, mangueiras, araçazeiros,
tamarineiras, pinheiras…. O que mais?”
O que mais?
*Escritor e
Pesquisador pombalense
AS CAJAZEIRAS DA ROÇA DE ANA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/08/2016 06:30:00 AM
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