LITERATURA E REDUÇÃO DE PENA
Ricardo Bezerra |
Ricardo
Bezerra*
A literatura como instrumento de mudança
para redução penal, ressocialização e sua aplicabilidade no direito penal com
abrangência no âmbito do menor em conflito com a lei.
Adentrar neste tema é desafiar a
cultura, pois sem ela não teremos uma sociedade mais justa e sem criminalidade.
Entende-se que muitos fatores levam os indivíduos ao mundo do crime. Porém,
muitos indivíduos não entrariam ou dele sairiam se a educação fosse uma
prioridade fora e dentro da carceragem ou das casas de recuperação.
Literatura como instrumento de mudança
nos leva a refletir sobre CULTURA e sua aplicabilidade no direito penal. Não
podemos tratar neste estudo da compreensão de cultura inserido no livro “A
civilização do espetáculo”, de Mário Vargas Llosa, cujo subtítulo é “Uma
radiografia do nosso tempo e da nossa cultura”. Cultura é diversão, e
O Departamento Penitenciário Nacional –
DEPEN, lançou para as prisões federais em 2010, inicialmente para Catanduva
(PR), Campo Grande (MS) e Mossoró (RN) o projeto “Uma janela para o mundo –
Leitura nas prisões”.
Plano Nacional do Livro e da Leitura é a
democratização do acesso com conquista de novos espaços de leitura. Com a
adoção dos Pontos de Leitura, as unidades necessitam de uma qualificação da
equipe para incentivar o hábito de ler, reconhecendo a leitura como uma forma
de reintegração do preso à sociedade. Através do hábito de ler, eles podem
descobrir novos projetos de vida.2
1 Llosa, Mario Vargas, A Civilização do
espetáculo, Editora Objetiva, 2012, pág. 27.
2 Jus Brasil - Notícias
Considerando a Educação em seu sentido
mais integral, o
acesso, o incentivo e a formação de
leitores tornam-se direito daqueles que
perdem temporariamente sua liberdade, um
direito sistematicamente violado
pela até então incipiente política de
Educação nas prisões do país, ainda em
fase de consolidação, por meio do Plano
Nacional de Educação em
Estabelecimentos Penais.3
Cumpre ressaltar que a expressão leitura
não pode ser
aplicada somente quando nos referimos
aos textos escritos, mas está
intrinsecamente ligada ao mudo onde
texto e leitura ocorrem. Por isso, tal ato
acaba por adquirir contornos muito mais
complexos do que a simples
decodificação de códigos escritos. Isso
aponta para a necessidade de uma
compreensão crítica do ato de ler,
conforme assinala Paulo Freire (1988, p.
09):
[...] que não se esgota na decodificação
pura da palavra escrita
ou da linguagem escrita, mas que se
antecipa e se alonga na
inteligência do mundo. A leitura do
mundo precede a leitura
da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa
prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do
texto a ser alcançado por sua leitura
crítica implica a
percepção das relações entre o texto e o
contexto.4
Temos a oportunidade de ler o mundo
antes mesmo de
conhecermos as palavras escritas, pois
interagimos com o ambiente desde o
momento em que nascemos. A leitura
adquire definitivamente seu caráter
interpretativo, e interpretar um texto é
produzir significados, o que confere ao
leitor um papel ativo em relação ao
texto, ao ponto de sua participação
promover uma recriação da obra, fazendo
com que esta supere a condição de
“mero artefato artístico a objeto
estético, passível de contemplação,
entendimento e interpretação”.
(ZILBERMAN, 2005, p.51).5
Formar leitores significa, então, romper
com essa cultura
educacional tradicional que, ao invés de
aproximar, acaba por afastar as
pessoas dos livros e da leitura.6
3 Moreira, Fábio Aparecido e Silva,
Roberto da – Ações de incentivo à leitura e formação de leitores em
estabelecimentos prisionais do Brasil:
Desafios e oportunidades. Pág. 01. Jus Brasil – Notícias.
4 Idem, pág 02/03
5 Idem
6 Idem
O Projeto de Leitura foi desenvolvido,
na Penitenciária
Estadual de Maringá, pela Professora de
Português Maria Helena, na forma
expositiva dos conceitos relacionados à
Teoria da Literatura como
personagens, verossimilhança etc. A
resistência à metodologia foi detectada
porque alguns alunos resistiam à
atividade e queriam “aula mesmo”. O projeto
sofreu processo de descontinuidade por
falta de volumes suficientes.7
No mesmo estabelecimento outra ação
instalada pela
Professora de Português Maria do Carmo,
denominada de Projeto de Leitura e
Letramento, nos anos de 2008 e 2009,
consistia em leituras coletivas de texto,
discussões e produção de textos acerca
dos mesmos. As atividades realizadas
promoveram a produção de diversos textos
premiados em concursos de
redação em nível estadual e concorrendo
com diversas instituições de ensino.
Houve também grande repercussão na
comunidade e ampla cobertura da
mídia, o que deu muita visibilidade,
ainda que temporária, às atividades
educacionais em geral e à própria
unidade penitenciária.8
No sistema penitenciário
sul-mato-grossense foi criada a
Escola Estadual Polo Profa. Regina Lúcia
Anffe Nunes Betine, cujas
extensões são as salas que funcionam nos
presídios desse Estado. Nesta ação
onde espaços eram dedicados a bibliotecas,
os internos para efetuarem a
retirada de livros, fossem alunos ou
não, teriam que fazer solicitação prévia da
diretoria, que analisava caso a caso
quanto à conveniência ou não da
circulação de determinado prisioneiro.9
Na região centro-oeste, na Penitenciária
Feminina do
Distrito Federal, foi instalada em 2008
uma biblioteca com 4.000 volumes, em
projeto patrocinado pela rede Gasol de
Combustíveis, ligado ao Projeto Casa
do Saber. Ressalta ter havido um
significativo aumento no número e no tempo
dedicado e de sentenciadas que praticam
a leitura, diminuindo o ócio
improdutivo e melhorando, inclusive, a
disciplina da unidade. Outro resultado
dessa iniciativa foi o Concurso de
Redação, realizado em 2008, cujas
produções foram consideradas resultado direto
do aumento do número de
pessoas que passaram a praticar a
leitura.10
7 Idem, pag. 05
8 Idem, pág. 06
9 Idem, pág. 06/09
10 Idem, pág. 11
Toda e qualquer ação cultural que venha
extirpar o ócio,
mesmo na “cultura que propicia o menor
esforço intelectual”11, pode levar
pela imagem, cinema, uma discussão sobre
literatura conforme a didática
adotada pelo processo educativo.
Deixando claro que a mudança é um
processo educativo de política pública
indispensável.
O ócio deve ser combatido dentro do
sistema prisional e
junto aos menores em conflito com a lei
de forma sistemática, principalmente
nas ações educativas, culturais e
literárias que possam suplantar o espaço
vazio da mente em repressão social.
Nos projetos da região centro-oeste
surgiram, também,
alguns aspectos negativos relacionados à
leitura nesta unidade prisional:
Primeiro, descontinuidade das ações de
incentivo à leitura após o Concurso de
2008. Segundo, os imperativos de
vigilância e segurança ainda acabam
prevalecendo sobre as ações de ressocialização.12
Na região sudeste, compreendendo São
Paulo não consta
ainda uma política pública de educação
nas prisões paulistas, nas pesquisas
realizadas.
Na penitenciária de Assis/SP foi
implantado um projeto de
mediação de leitura intitulado
Perspectivas: Leitura e Produção de Textos. O
projeto consiste na promoção de
encontros semanais, com a duração de duas
horas, em uma das salas de aula. Os
livros são colocados à disposição de todos
em uma mesa central e cada um escolhe um
livro para realização da leitura
silenciosa durante uma hora e posterior
debate por igual período, em que cada
um fala um pouco sobre o que está lendo
e o grupo vai colaborando nas
reflexões. 13
O Clube de Leitura Palavra Mágica é um
projeto para
fomentar a leitura como uma prática
social e contribuir para formação de uma
nova geração de leitores. O Projeto
reúne cerca de vinte (20) leitores para
conversar, refletir e expor suas ideias
sobre um determinado livro. Os Clubes
de Leitura podem ser instalados em
casas, escolas, igrejas, sindicatos, clubes
de serviço, empresas, terminais de
transporte, canteiros de obras, creches,
asilos, presídios, associações de
bairro, hospitais, etc.
Esse projeto foi desenvolvido em seis
(06) presídios
localizados em Ribeirão Preto (SP) e
Serra Azul (SP), em parceria com a
Fundação de Amparo ao Preso (FUNAP).14
11 Referência 1, pág. 42
12 Idem, pág. 11
13 Idem, pág. 14
14 Idem, pág. 15/16
Relatam os integrantes do projeto na
Penitenciária de Serra
Azul (SP) que o livro traz o cheiro da
rua e dá uma sensação de liberdade;
que é instrumento de exemplo; que é
melhor o filho ver um livro na mão do
que uma arma ou droga; que o hábito
contínuo possibilita expressar seus
sentimentos, tornando-se confiante em
transmitir o conhecimento e as
emoções.15
As ações de leitura que foram
apresentadas podem
proporcionar MUDANÇAS dentro de um
sistema prisional. Porém, nenhuma
delas é programática ou faz parte de uma
política educacional ou penitenciária
que contemple a leitura como atividade
indispensável na formação de
cidadãos conscientes. Infelizmente são
ações isoladas.16
Na pesquisa realizada há uma referência
de
INEXISTÊNCIA DE REGISTRO ADEQUADO17.
Neste aspecto, percebe-se
claramente a ausência de política
pública voltada para a EDUCAÇÃO e
CULTURA, como princípio da DIGNIDADE
HUMANA que venha buscar
resgatar o detento ou o menor em
conflito com a lei para a realidade de que só
a INSTRUÇÃO compensa. Uma metodologia de
registros adequados levaria a
mensurar resultados e provar que a
LITERATURA é meio de MUDANÇA
que permite aos inseridos na temática
penal a possibilidade de retomar a vida
com dignidade e respeito.
Os poucos registros, mesmo que
burocráticos, como lista
de presença e formulários com os conteúdos
desenvolvidos são verdadeiras
aulas de leitura.18
É louvável a implantação de todo e
qualquer projeto que
venha beneficiar o detento ou o menor em
conflito com a lei. Porém, é preciso
aplicar critérios para sua
aplicabilidade, cujo resultado seja o grande objetivo.
Pois, estamos lidando com uma mente que
se encontra ociosa, sem rumo, sem
alimentação do intelecto e apenas jogar
para os mesmos o livro que achamos
bom para leitura, sem uma avaliação
inversa do que pode ser atrativo para os
mesmos, é jogar com a sorte, com um
resultado lotérico onde poucos serão
beneficiados pela falta de atratividade
em que esta oportunidade venha a ser
um caminho para decretação do seu
divórcio com o mundo penal.
Na pesquisa o projeto mais incentivador
pela forma
participativa e ativa é o Leitura Ativa
por organizar e incentivar a construção
do conhecimento19.
15 Idem, pág. 17
16 Idem, pág. 20
17 Idem, pág. 20
18 Idem, pág. 21
19 Idem, pág. 22
Os projetos desenvolvidos são realizados
praticamente por
ações voluntárias e que dependem da
concordância da direção de cada
estabelecimento penal. Não existe uma
aproximação entre as pastas da
Educação e da Administração
Penitenciária que viabilize uma oferta
sistemática, com bases conceituais mais
precisas.20
Nas fronteiras da Educação seriam
necessárias políticas
públicas com a obrigatoriedade de que
todos os Estados ofertassem uma
verdadeira EDUCAÇÃO DE MUDANÇA para os
presos e menores em
conflito com a lei.
Uma Pátria Educadora é aquela que
proporciona aos seus
filhos uma educação de mudança
comportamental, onde o estudante da rede
regular de ensino consegue sua instrução
que lhe proporciona acesso ao
mercado de trabalho e, para os apenados
e menores em conflito com a lei um
meio de valoração da vida que o permita
retomar sua dignidade humana.
A Literatura tomada como “Estudo,
dedicação e
compromissos”21 mudou a vida do Mineiro
Arthur de Oliveira Abrantes e
também pode mudar a vida daqueles que um
dia trilharam o caminho da
exclusão da liberdade.
Uma política pública com bases reais
iria definir o que
seria uma educação formal e informal22.
Considero que Projetos são na
verdade uma educação informal porque são
temporais, não resistem ao
voluntariado nem as próprias
dificuldades, seja financeira para manutenção do
projeto ou seja de risco, ameaça, temor
ou como queiram relatar para a
convivência com o apenado ou com o menor
em conflito com a lei em
ambientes que não oferecem qualquer
segurança e até mesmo condições para
o exercício voluntário da educação. A
educação formal precisa ser instalada
com sala de aula própria e grade
curricular para levar ao apenado uma
perspectiva de dignidade.
Na Paraíba as ações culturais de
formação de Coral dos
apenados do Presídio Silvio Porto ou de
Oficinas de Trabalho que já
aconteceu no Presídio João Bosco
Carneiro, na Cidade de Guarabira23, não são
suficientes para que possamos ter um
processo de mudança.
O grande desafio é tornar o processo de
leitura uma
atividade prazerosa, instrutiva e capaz
de disseminar o interesse pela vida. A
vida harmônica, capaz de superar os
abismos que encontramos em nossa
20 Idem, pág. 22 – Unesco, 2006
21 Entrevista do mineiro Arthur de
Oliveira Abrantes ao Programa de TV “Domingão do Faustão” no dia
02/05/2016,
http://gshow.globo.com/TV-Integração/noticia/2016/05.
22 Bosco, Pe. – Jornal Contraponto, A-7,
17 a 23 de julho 2016, “Educação nas prisões”.
23 Idem.
caminhada. O apenado ou menor em
conflito com a lei pode ser entendido
como perda do interesse da vida em
sociedade, sendo necessária uma literatura
de entretenimento.
O grande desafio é proporcionar
literatura e educação como
direito fundamental à dignidade humana
do apenado e do menor em conflito
com a lei, para que mudanças ocorram
efetivamente.
*RICARDO BEZERRA
Advogado,
Escritor
Academia
Paraibana de Letras Jurídicas
Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano
Academia de
Letras e Artes do Nordeste – Paraíba
União Brasileira
de Escritores da Paraíba
LITERATURA E REDUÇÃO DE PENA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/11/2016 06:33:00 AM
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