O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”
José Romero A.Cardoso |
José Romero Araújo Cardoso*
Quando das
grandes secas que, invariavelmente, durante períodos intercalados, assolam o semiárido
brasileiro tornou-se praxe que parlamentares da região castigada pelas estiagens
profiram discursos
carregados de emoção denunciando a situação
de penúria pela qual estão acometidas as populações interioranas subjugadas aos flagelos
mais inenarráveis.
Geralmente pintam com cores Dantescas
situações periclitantes nas quais imperam a fome de forma avassaladora e impiedosa, causando comoção
nacional diante de uma conjuntura que grande parte acredita realmente
ser fruto da forma inevitável apresentada de tempos e
tempos pelas características do quadro natural
da região semiárida
brasileira.
Essa tendência não é recente,
pois no Império foram profícuas as declarações de parlamentares das então
denominadas Províncias do Norte sobre o sofrimento de uma gente que habita a territorialidade das secas no Brasil.
Inúmeros interesses particulares sempre
se ocultaram sobre o disfarce
“humanista” dos representantes da elite dirigente, pois beneficiar-se e privilegiar a classe da qual provém assinalam os reais motivos
que movem os “donos do poder” quando
da elaboração dos seus discursos
inflamados, pretensamente proferidos em prol de um povo sofrido duplamente com as secas e com a usurpação dos
recursos destinados ao combate às secas.
Partindo do plano
político para o social, implanta-se de forma ignominiosa toda infraestrutura
que alicerça a “indústria das secas” no semiárido brasileiro.
Quando o “Coronelismo” imperava a situação
era extremamente mais grave no que diz respeito aos desvios de verbas destinadas à melhoria
da qualidade de vida dos deserdados filhos
das secas.
A centralização político-administrativa que vai gradativamente caracterizando a era Vargas serviu para inibir, mas não para desestruturar uma das formas mais desumanas
de reprodução de uma situação artificializada a fim de garantir
a manutenção das estruturas de poder.
No século
XIX eram tão lastimáveis as práticas que garantiam
o sucesso da “indústria das secas” que bandoleiro das caatingas conhecido por Jesuíno Brilhante insurgiu contra a sistemática adotada pelos situacionistas a fim de implementar a distribuição dos víveres enviados
pelo governo imperial visando minimizar nas populações afligidas os terríveis
efeitos biológicos trazidos com a grande seca de 1877-1879.
Com a criação de órgãos federais como o DNOCS e a SUDENE intensificaram-se o teor dos discursos
políticos, os quais usaram a seca como argumento para a necessidade da construção de açudes
na região, sendo que diversos, graças ao prestígio desfrutado pela elite privilegiada, foram enriquecer o patrimônio particular de muitos
fazendeiros da região.
A idéia do governo JK de criar as
frentes de emergência revelou compromisso com a “indústria das secas”, pois novamente
observava-se a mesma irresponsabilidade atentando contra a dignidade de um povo forte.
Luiz Gonzaga e Zé Dantas
escandalizaram a política
de alianças que embasa a ausência
de produção de bens e serviços
a partir do funcionamento da “indústria das secas”, tendo
denunciado a farsa amoral
instituída de forma cínica e descarada, enfatizando em “Vozes das Secas”
que uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão.
Toda vez que a irregularidade pluviométrica começa a se concretizar na porção
semiárida brasileira,
retornam-se os velhos
hábitos de buscar a todo custo se beneficiar com a desgraça ocasionada com as secas nas populações marginalizadas que desafiam
com heroísmo as intempéries causticantes, cujas esperanças de melhores dias ainda parecem uma incógnita
a desafiar todas
as leis de sobrevivência impostas a fim de garantir
a manutenção do status quo na região.
José Romero Araújo
Cardoso:
*Geógrafo (UFPB).
Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de
Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor
adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e
Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN.
Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária,
atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas
regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e articulista
cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da Sociedade
Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do oeste
Potiguar (ICOP).
Endereço residencial:
Rua Raimundo Guilherme,
117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN – CEP:
59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail: romero.cardoso@gmail.com
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/12/2016 05:46:00 AM
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