A Escola Contemporânea: um sonho transformador
Almiro Sá Ferreira |
Almiro Sá Ferreira*
Ultimamente, por iniciativa do governo, ressurgem questionamentos
sobre a urgência (provisória) de mais uma vez se reformar o Ensino Médio no
Brasil. Um pensamento que ressurge das cinzas do malfadado Plano Nacional de
Educação de sempre, e, talvez por isso mesmo, sem soluções estruturais para o
atual modelo educacional. De partida, mais um passo em falso, lamentavelmente.
Quando se fala em reformar o ensino não se pode
deixar ao largo toda uma discussão basilar sobre a permanência insistente e
reacionária do atual modelo de “instituição escolar carcerária”, reportando-se
aqui a lúcida perspectiva analítica do filósofo Michael Foucault (1926-1984).
A escola vigente é um carcomido modelo de organização
escolar e de economia da aprendizagem que herdamos como síntese da confluência
do iluminismo com a primeira e velha revolução industrial, paradigma de escola
bissecular que não mais se presta ao modo de viver contemporâneo e futurista que
ditam e
A velha escola que conhecemos, como espaço de reclusão, exclusão e controle social tem na sua hegemonia pedagógica uma história que frustrou o espírito, mutilou o físico e desagradou muitas gerações de estudantes e até mesmo de grandes gênios da humanidade, como Anatole de France (1844-1924), Michael Faraday (1791-1867), Albert Einstein (1879-1955) e tantos outros que a repudiaram ou a ignoraram completamente, nos últimos dois séculos.
Mudanças de “perfumaria” são aquelas “invenções”
acessórias e passageiras, embora até possam ser bem vindas, em alguns casos,
para ajustar e polir certos produtos e estilos de vida, mas só as mudanças
verdadeiramente transformacionais podem de fato mexer revolucionariamente nas
essências, nas estruturas, favorecendo o desabrochar de modelos inovadores e
conectados com a eterna ebulição e novidade do mundo.
Nos dias correntes muito se fala na “casa do
futuro”, na “espaçonave do futuro”, “na indústria do futuro”, no “carro do futuro”
na “medicina do futuro” (conquistas todas elas já consolidadas); e haja futuro
para tudo, menos em relação ao porvir de uma “escola de futuro” para os seus
alunos, de onde, em última análise, devem sair os “designers” futuristas que
tanto idolatramos e esteticamente estão a inundar de beleza e novidade a nossa
existência contemporânea, tanto em produtos como em serviços.
Nessa efervescente ambiência a “escola-prisão”
assemelha-se a um moribundo que queremos perpetuar a base de uma estada forçada
numa UTI, à custa de soro na veia e manobras inúteis de avivamento.
Querer alongar a vida de um paradigma que só clama
pela cremação e pela missa de sétimo dia é o que se propõe por meio da Medida
Provisória nº 746/2016, tendo como cerne o jogo logicamente fácil do velho
baralho curricular de disciplinas, que só traz uma esperança: a sua
provisoriedade, como de resto resultaram as muitas tentativas anteriores. Depois, é de se esperar que no próximo governo
de plantão, venham mais “novidades” na ordem do dia e assim Saecula
Saeculorum, Amen.
Certamente, seria bem melhor começar implantando de
logo uma política de estado mais definitiva que resulte na valorização da
classe docente, não apenas do ponto de vista da carreira salarial, mas provendo
condições para, revolucionariamente, requalificar, antes de tudo, os
professores e o corpo técnico-pedagógico, dentro de um novo paradigma
educacional.
E como seria esse modelo de escola transformada?
De forma breve, seria o ressurgir de um novo espaço
escolar que apeteça aos seus alunos, antes de mais nada, alimentando o ânimo e
a motivação. Ao invés de “celas” onde aprisionamos os corpos e os espíritos dos
infantes e jovens brasileiros, possamos lhes oferecer verdadeiros “estúdios”
produtivos, nos quais sejam exercitadas - com o acertado uso de técnicas
contemporâneas de ensino e o manejo colaborativo de uma metodologia ativa-,
vetores transformacionais como a criatividade, o pensamento inovador, a
criticidade, a autonomia cognitiva, a relação dialógica, o estimulo ao
empreendedorismo, o respeito à diversidade e a verdadeira inclusão
socioeconômica e afetiva de que tanto precisamos.
Que o letramento e o numeramento, desde os
primeiros anos escolares, sejam
trabalhados de forma inter-trans-disciplinar, com as demais ciências básicas,
para que o conjunto formativo possa fluir e ser fruto da conversa, de saberes e
práticas, do dialogo livre com os demais campos do conhecimento, não apenas
para informar, mas, focando numa formação contextualizada e ampla, almejando o
preparo de seres verdadeiramente humanos e afeitos à cultura da paz e da boa
convivência com os seus semelhantes, em particular e com a natureza e o mundo,
no geral. Precisamos de pessoas
autônomas intelectualmente, que não se deixem levar pelas águas turvas de
oceanos poluídos com falsas certezas e ideologias já vencidas. O novo mundo do
trabalho agradece!
Nesse aspecto, faria melhor se o estamento
governamental se despisse das velhas e arraigadas convicções do passado e
atentasse para o que nos ensina na sua essência a ainda atualíssima Lei de
Diretrizes e Bases, fruto da lavra de educadores visionários como Darci Ribeiro
e outros ilustrados que a conceberam para o novo milênio que já chegou, e, com
base nela, liderar de forma convincente um
debate nacional a fim de se construir de forma participativa uma transformação
que seja a favor de uma escola que forme jovens pensadores, acima de tudo, sem descurar de outras
qualificações voltadas para o mundo do trabalho, nas suas duas principais
vertentes: a da Empregabilidade e a do Empreendedorismo. Não basta mais o ato
superado da Instrução. É preciso construir pontes e estabelecer conexões
práticas com a vida e os múltiplos campos do conhecimento.
Pensadores, ressalve-se, não no
entendimento platônico do conceito, mas no sentido de que a escola pudesse pelo
menos se reposicionar estrategicamente para cumprir também um papel voltado
para forjar pensadores práticos; pessoas capazes de duvidar, de assumir os seus
erros como parte do processo construtivo da aprendizagem, de defender
convicções com certas reservas e de primar pela assunção de posturas éticas
prevalentes sobre todo o domínio que o conhecimento nos oferece. Ou seja:
trabalhar a formação de “livres pensadores”, afeitos à pesquisa, ao questionamento
e à criatividade e à inovação, por conseguinte.
Se assim já fosse observado, desde que as
essencialidades e diretrizes educacionais foram idealmente traçadas na nossa
atemporal LDB, não estaríamos a discutir temas tão medíocres e inócuos como infelizmente
se tem trazido à lume recentemente sobre falsas dicotomias, como a “escola sem
ou com partido”.
Quando uma sociedade forma pensadores autônomos,
discussões dessa natureza não se tornam motivo para perda de tempo,
principalmente porque no contexto que aqui defendemos a nova escola deve se
livrar de suas origens positivistas e opressoras, deixando de ser
definitivamente um “aparelho de estado”, um apêndice ideológico de governos, um
quintal de partidos políticos ou uma milícia a serviço de grupos ou governos
passageiros (e nem mesmo uma “instituição disciplinar” de um Estado Leviatã),
rompendo assim com o velho papel de ente focado no controle social das “massas
de manobra” e dos “exércitos de reserva”, tal como insistem, infelizmente, a
fazer os podres poderes desde as nossas remotas origens como nação brasileira.
A antítese desejável da nova tipologia de alunos,
para os quais devemos oferecer a transformação do processo de
ensino-aprendizagem em nossas escolas, é aquela que possa vivenciar a ressignificação
permanente, “on-line”, dos novos fenômenos e cenários educacionais,
socioambientais, científicos e tecnológicos. E que enseje renovadas
perspectivas econômicas, políticas, pari passu com enfoques sociológicos
e filosóficos de vanguarda, onde os alunos devam, antes de tudo, aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver com os outros
e aprender a ser, no sábio dizer de Jacques Delors (1999).
Em síntese: uma escola não pode se tornar, jamais,
num cemitério de ideias, nem seus atores serem transformados em simulacros de
narrativas, teses e ideologias cadavéricas, principalmente diante dos indomáveis
influxos socioculturais e tecnológicos de um novo tempo em que tudo se
transforma a toda hora.
Em 21 de
dezembro de 2016
*Almiro Sá Ferreira. Professor
Instituto Federal da Paraíba (IFPB)
A Escola Contemporânea: um sonho transformador
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/21/2016 07:44:00 AM
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2 comentários
Faltou dizer que a escola, prezado mestre Almiro, é um reflexo da sociedade na qual ela está inserida. A sociedade brasileira está em frangalhos. Nossa desigualdade social é uma sentença de morte para qualquer mínimo contrato social civilizado. Em uma sociedade assim, infelizmente sua bela concepção de escola,é uma impossibilidade política. Lamento muito.
Vários países de destaque hoje na economia mundial enfrentaram situações bem mais adversas do que o Brasil e só encontraram saída para o buraco sócio econômico em que se encontravam mergulhados, depois que resolveram priorizar duas iniciativas vitais: educação de qualidade (gratuita para todos) e distribuição de renda. Nisso você tem total razão. Realmente, não podemos dissociar esses dois vetores.
Mas, nem por isso, mesmo diante do nosso quadro desalentador de degradação social, econômica e moral devemos ficar inertes e imobilizados.
Penso que na condição de professores e educadores devemos continuar sonhando e trabalhando para mudar o atual status quo pela via transformadora da escola a partir do uso da nossa própria inteligência, enquanto intelectuais orgânicos e agentes pedagógicos. Respeitoso abraço!
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