A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO CUREMA-MÃE D’ÁGUA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOECONÔMICAS
Emmanoel R. Carvalho |
Professor
Emmanoel Rocha Carvalho aborda importância do complexo Curema-Mãe d’Água.
Artigo publicado em versão algo diverso na Revista Genius n°. 12, seção
“História/Economia (Out-Nov-Dez/2015).
No ano de 1911 o Presidente Hermes da
Fonseca – eleito pelo Partido Conservador (PRC), para o período de 15.11.90 a
15.11.1914 – autorizou a elaboração do megaprojeto do empreendimento. Era
governador do estado da Paraíba o Senhor João Lopes Machado, eleito para o
período de 28.10.1908 a 22.10.1912.
O projeto foi elaborado à época da
antiga IOCS (Inspetoria de Obras Contra as Secas), criada em 21.10.1909, tida
como a mais adequada instituição para o enfrentamento dos problemas trazidos
com as frequentes secas no Nordeste semiárido brasileiro durante longos anos.
Contribuíram com a sua elaboração técnicos americanos ligados ao US Bureau of
Reclamation, criado em 1902, agência americana voltada para abastecimento,
irrigação e hidrelétrica no Oeste do Estados Unidos.
Cabiam à IOCS os estudos, predomínio de
levantamentos e reconhecimentos da área, de suas potencialidades e recursos
naturais, missão de que se desincumbiu muito bem, chegando, na sua curta
existência, a construir algumas obras estruturantes como estradas, pontes,
pequenos açudes, perfuração de poços, dentre outras. Foi ela sucedida pela
IFOCS-Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, através do Decreto
13.687/1919, com atividades ampliadas, a exemplo de construção de grandes
reservatórios, de campos de pouso (aeroportos), portos, vilas operárias,
escolas, além de serviços de eletrificação.
Durante sua existência, grandes açudes
públicos da região Nordeste foram construídos, marcados com a atuação de dois
grandes presidentes:
1 - Epitácio Pessoa, eleito pelo Partido
Republicano Mineiro (PRC), período de 28.06.1919 a 15.11.1922 e cujo governo
autorizou a construção dos açudes Boqueirão de Piranhas e São Gonçalo, na
Paraíba, cujas obras somente foram realizadas nos anos de 1932 a 1936); e
2 - Getúlio Vargas, colocado no governo
pela Aliança Liberal (AL), período de 03.11.1930 a 29.10.1945 e, no segundo
governo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), período de 31.01.1951 a
24.08.1954, quando se suicidou.
O Projeto Curema-Mãe d’Água
Por motivos até hoje não bem
esclarecidos, o governo de Epitácio Pessoa não foi o responsável pela partida
inicial da implementação do projeto, o maior elaborado para a região Nordeste,
contemplando, em especial, represamento de águas, perenização de rios e
irrigação. A sede do projeto – hoje Coremas(PB), no alto sertão – dista 403 km
da capital.
Elaborado no governo de Hermes da
Fonseca, durante muitos anos o projeto esteve arquivado. Somente no governo de
Getúlio Vargas ele foi lembrado e enquadrado no Plano de Ação do presidente,
assim mesmo, de forma tardia, certamente por força do volume de recursos que
demandaria a sua execução, uma vez que outros projetos menores, no estado,
foram ali contemplados (Boqueirão de Piranhas, atual Barragem Engenheiro
Ávidos, com capacidade nominal de represamento de 255 milhões de m3, iniciado
em 1932 e concluído em 1936, no então município de Cajazeiras, e São Gonçalo,
com capacidade nominal de represamento de águas de 44,6 milhões de m3, iniciado
em 1932 e concluído em 1936, no município de Sousa). No meu entendimento, a
inclusão do projeto do complexo Curema-Mãe d’Água no Plano de Ação do
presidente Getúlio Vargas deveu-se ao empenho do grande estadista paraibano
José Américo de Almeida, que era Ministro da Viação e Obras Públicas.
O projeto Curema-Mãe d’Água era gigante,
formado por dois grandes açudes, o de Curema, com quatro barragens de terra (a
maior, com 1.550 km, com uma proteção interior de uma cortina central de
concreto armado, e revestimento de cimento em toda extensão, a montante; e com
capacidade nominal de represamento de águas de 720,0 milhões de m3) e o de Mãe
d’Água, com uma única barragem, de concreto ciclópico (com capacidade nominal
de represamento de 638,0 milhões de m3), sendo que esta seria o sangradouro do
referido complexo hídrico.
Para se ter uma ideia da dimensão do
referido complexo (1,36 bilhão de m3) é bastante reportar-se à capacidade da
barragem Gramame/Mamoaba, no município do Conde, de 56,9 milhões de m3, e que
abastece cerca de 60% da região metropolitana da capital do estado, aqui
entendida como João Pessoa, Cabedelo e grande parte de Bayeux. Vale esclarecer
que a referida barragem recebe águas, também, de rio perenizado.
Dados técnicos da barragem de Curema
O coroamento (extensão) da barragem
principal, como foi visto, é de 1.550 m; a bacia hidráulica é de 5.950 ha; a
bacia hidrográfica é de 6.840 km2 e a altura máxima é de 47 m; o volume de
terra zoneada com cortina central de concreto armado é de 2.687.530 m3. Com a
inclusão das três barragens auxiliares, são acrescentados – embora dispersos -
ao coroamento 945 m e ao volume, 76.040 m3 de terra; o rio barrado é o Rio
Piancó.
Os dados sobre a bacia hidrográfica –
área captadora das chuvas, cujas águas são direcionadas para a barragem - vêm
sendo hoje contestados, havendo informações oficiais que levaram o escritor
Francisco Teotônio de Sousa a registrar no seu livro PIANCÓ – O Pequeno Grande
Rio - edição da Editora Universitária, da UFPB, João Pessoa, 2008 - que a mesma
é de 9.242,75 km2.
Entendo que o atual desenvolvimento
tecnológico concernente confere mais credibilidade aos atuais instrumentos de
medição (o projeto data do início do século passado). A bacia hidráulica é
aquela formada pela lâmina d’água represável/represada, de medição pouco menos
complexa.
Objetivos do projeto do complexo
Dentre tantos objetivos, o projeto do
complexo focava a perenização dos rios Piancó, Aguiar e Piranhas, na Paraíba, e
Açu, no Rio Grande do Norte, bem assim a irrigação das várzeas de Sousa, na
Paraíba, então estimadas em 20.000 ha, e das várzeas do baixo vale do Açu, no
Rio Grande do Norte, estimadas em 25.000 ha.
O foco central do plano era dirigido
para o barramento do Rio Piancó, com nascente no riacho Santa Inês, ao sopé da
serra da Baixa Verde, no hoje município de Santa Inês (PB), a 120 km do local
onde seria construída a primeira grande barragem, de Curema, no boqueirão do
mesmo nome, na Serra de Santa Catarina; numa segunda etapa, seria barrado o Rio
Aguiar, com nascente no local Timbaúba, no então município de Itaporanga (PB),
a 80 km da barragem de concreto a ser construída no boqueirão de Mãe d’Água, na
mesma serra de Santa Catarina, a cerca de 3,7 km do boqueirão de Curema.
Com a construção das várias barragens
(quatro no açude Curema e uma no açude Mãe d’Água), as águas represadas
destinar-se-iam à dessedentação humana e de animais, irrigação, e perenização
dos referidos rios, com o que se produziria alimentação barata, inclusive
peixes, para as comunidades adjacentes e carentes, além de manter a população no
interior dos sertões envolvidos (Paraíba e Rio Grande do Norte).
Como a irrigação principal seria
dirigida às várzeas de Sousa (e do baixo Açu), o projeto previa a construção de
um canal para o açude de São Gonçalo, que alimentaria as necessidades aquíferas
das referidas várzeas. Seria uma obra de elevado custo, mesmo porque
contemplava construção de longo canal, de 45 km, com elevação e construção de
túneis no percurso, estes com 15 km de extensão.
A Longa Execução do Projeto
A história da IFOCS é rica de feitos
marcantes, de estudos e obras estruturantes na região do semiárido do Nordeste
brasileiro, por longo tempo esquecida. Para o êxito do seu grande papel, aquela
inspetoria criou várias comissões técnicas, a exemplo da Comissão Técnica de
Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste, e Comissão Técnica de
Piscicultura, em 1932. No ano de 1935 criou a Comissão do Alto Piranhas, para
construir os açudes Curema e Mãe d’Água, e as primeiras obras de irrigação do
açude São Gonçalo, além de trechos de estradas de Curema a Catolé do Rocha e
Sousa a Curema, via São Gonçalo. Sua sede foi fixada em Curema.
A execução do amplo projeto foi entregue
ao Dr. Estevam Marinho, rio-grandense do Norte, nomeado Chefe da Comissão do
Alto Piranhas. Diferentemente do que muitos pensaram por longos anos, ele era
geógrafo. Graduou-se engenheiro civil somente em 1948, juntamente com o seu
filho Luciano Marinho, em Recife(PE), em pleno exercício da chefia daquela
referida Comissão.
O local escolhido para a construção do
primeiro dos dois grandes açudes foi o boqueirão de Curema, juntinho do povoado
Boqueirão de Curema. Acredito que o nome Curema se traduza numa homenagem à
valente tribo Coremas, da nação Cariri, que teria povoado, nos séculos XVI e
XVII, parte do estado de Pernambuco e extensa região do Vale do Piancó,
chegando até os boqueirões da Serra de Santa Catarina.
No capítulo I, “Da povoação de Curema ao
início da construção da barragem”, do livro BARRAGENS DE CUREMA E MÃE D’ÁGUA –
Nos bastidores da construção, edição do Autor, João Pessoa, 2013, de minha
autoria, procurei mostrar, claramente, que o nome da barragem é Curema. Pelo
Decreto-Lei 1.164, de 15.11.1938, o distrito de Curema é alterado para Coremas
e com este nome foi mantido com a Lei 1.005, de 30.12.1953, que criou o
município, cuja instalação se deu em 04.04.1954.
A construção da barragem de Curema: 1ª.
etapa operacional do complexo
Grandes dificuldades foram enfrentadas
para a construção da grande barragem (local pobre, de diminuto povoamento
(estimei, para o ano de 1935, uma população de 500 pessoas, com argumentos
expendidos na minha obra citada), de estradas carroçáveis precárias e, como
consequência, um pequeno comércio, desprovido de quase tudo, o que, de início,
já se constituía num grande desafio para o Dr. Estevam Marinho.
O Dr. Estevam Marinho partiu para as
primeiras e acertadas providências. Logo instalou à margem esquerda do Rio
Piancó, juntinho do boqueirão da Serra de Santa Catarina , o acampamento que
abrigaria o sistema IFOCS-Curema, separado da sede do povoado, que ficava à
margem direita do mesmo rio. Não pensou duas vezes, deu celeridade, entre as
construções de obras de infraestrutura, à edificação de casas que viriam
abrigar as famílias dos engenheiros e dos funcionários técnico-administrativos,
além de 113 casas na vila operária, para pessoal semiqualificado; ao lado
desses serviços, em 1936 foi criada a Cooperativa de Consumo dos Funcionários
do DNOCS, e iniciados os trabalhos de escavação profunda no boqueirão, para a
formação da base principal de fundação do açude Curema, no local onde hoje está
a galeria.
Em março de 1937 — às vésperas do início
da construção da barragem, ocorrido em abril seguinte — estavam concluídos o
projeto urbano e o de obras estruturais (construção do almoxarifado, casa de
força, do escritório central, redes elétrica, hidráulica e sanitária, hospital
e maternidade, grupo escolar, hotel, casa de hóspedes e grandes prédios e
galpões para abrigar garagens e oficinas, instalação de serviços de
radiotelegrafia e telefonia, além de linda capela, devotada a Santa Terezinha,
para aliviar as carências espirituais dos moradores do acampamento.
Na parte sócio-desportiva, segundo
antigos moradores que residiram no citado acampamento, fazia gosto ver
funcionar aquilo tudo previsto no projeto, mas de uma forma muito melhorada,
graças à visão e o sentimento do Administrador Chefe: parque esportivo-social
constituído de grande piscina, campo para tênis (segundo o tenista José do
Patrocínio de Oliveira Lima, meu saudoso amigo e ex-colega no BB, o acampamento
da IFOCS chegou a sediar, na década de 1940, campeonato Norte-Nordeste, na
modalidade, o que me levou a admitir que o esporte chegou a Curema bem antes de
chegar a João Pessoa), campo para vôlei e basquete, e clube social.
O campo de futebol foi construído em
espaço diferente, junto ao final da vila operária, nem por isso deixando de ser
um primor. Ah, como deve ter sido bom aquele tempo! Faço tal juízo porque eu
cheguei a utilizar os mesmos equipamentos comunitários a partir de 1947, já
contando seis anos e frequentando a escola (Grupo Escolar Arrojado Lisboa). Ali
vivi uma infância da adolescência feliz, junto dos meus pais, irmãos e amigos,
estudando, brincando, pescando, caçando e criando pássaros.
As vantagens da construção tardia da
barragem de Curema
Como foi visto anteriormente, o projeto
Curema-Mãe d’Água só foi desarquivado quando os projetos de Boqueirão de
Piranhas e o de São Gonçalo estavam em adiantada execução, já próximos da
finalização. Estes foram concluídos em 1936, e puderam liberar mão-de-obra
experiente para a grande barragem de Curema (topógrafos, auxiliares de
topografia, mecânicos, serralheiros, carpinteiros etc.).
De outro lado, os projetos de Boqueirão
de Piranhas e de São Gonçalo contrataram, no início da construção dos açudes,
um número elevado de operários, porquanto foram utilizados trabalhadores
atrelados a animais no transporte de materiais, durante boa parte da execução
dos serviços. Esse transporte foi substituído nos dois últimos anos das
construções por patrulhas mecanizadas, que foram parcialmente liberadas para o
início da construção da barragem de Curema. Por isso, embora a execução do
projeto tenha sido iniciada tardiamente, a barragem de Curema foi
significativamente beneficiada, ao contar, de partida, com mão-de-obra
qualificada e experiente, além de equipamentos modernos.
Com os serviços de infra-estrutura e de
fundação concluídos — iniciados em 1935 e terminados em março de 1937 —, foi a
construção da barragem iniciada, efetivamente, em 08.04.1937, segundo o
historiador Cristovam de Abreu, no seu livro CONJUNTO ESTEVAM MARINHO, edição
dos familiares (sob a minha coordenação), João Pessoa, 2014. Na obra, são
tratadas, em versos, as construções das barragens Curema e Mãe d’Água, sendo de
destacar que o Sr. Cristovam exerceu, com competência, a função de topógrafo
nas citadas barragens, tendo sido grande servidor da IFOCS/DNOCS por longos
anos. De outro lado, considerada a grande dimensão do empreendimento, a IFOCS
chegou a utilizar, conjuntamente, seis engenheiros, espalhados pelas diversas
frentes de trabalho, no inicio da grande obra.
Pelo gigantismo do empreendimento e
dificuldades financeiras enfrentadas pelo país, com uma então economia focada,
consideravelmente, na exportação de commodities agrícolas, a obra caminhava
lentamente, mesmo porque, antes e durante muitos anos, o Nordeste semiárido do
Brasil não era uma prioridade nacional. Era sempre lembrado – e quase somente
isso – nos períodos de grandes estiagens, de mortes de pessoas e animais,
dentre outras ocorrências nefastas. Somente na seca de 1877, que se estendeu a
1879 e que foi chamada de a “Grande Seca”, morreram mais de 500.000 pessoas no
estado do Ceará e regiões circunvizinhas.
A construção do complexo foi iniciada
sob a administração da IFOCS, com o aparelhamento singelo mas com a forte
atuação em favor da referida região, calcada na competência dos seus
servidores. A referida IFOCS recorria sempre ao US Bureau of Reclamation, dos
Estados Unidos, para obter cooperação na solução de problemas técnicos
enfrentados, já que aquele país contava com experiência no trato com região
semiárida semelhante em alguns estados daquela grande Nação. E o que é mais
importante, socorria-nos e nos oferecia tecnologias novas na área. Um exemplo
disso é sua participação na elaboração do projeto do complexo e o socorro que
nos prestou no açude de Boqueirão de Piranhas, em 1972, para solução de
problemas técnicos na barragem e no sangradouro.
Em 1938, a IFOCS autorizou a instalação
de um Laboratório de Solos e Concreto, no acampamento em Curema, que chegou a
prestar serviços a obras da autarquia em outros estados do Nordeste brasileiro.
Teria sido o primeiro laboratório da espécie no país, o que não consegui
comprovar em pesquisas efetuadas. Instalou, também, um lindo e confortável
prédio (para os padrões da época), onde eram exibidos filmes interessantes, em
sessões noturnas, sem nada dever aos mostrados em regiões desenvolvidas do
país. Era o Cine CAP (Comissão do Alto Piranhas), que muito o frequentei na
minha infância/adolescência.
A barragem de Curema mereceu visitas de
pesquisadores, turistas e autoridades nacionais, dentre elas os Presidentes
Getúlio Vargas, em 16.10.1940, e Eurico Gaspar Dutra, em 01.10.1949; em julho
de 1955 visitou-a o general Juarez Távora em campanha eleitoral para a
presidência da República, em disputa com Juscelino Kubitschek de Oliveira. Este
a conheceu quando veio inaugurar a barragem de Mãe d’Água e a hidrelétrica de
Coremas, em 15.01.1957.
Com muitas dificuldades, a barragem de
Curema foi concluída em 08.05.1942, sem festas e sem inauguração. Uma tristeza!
Naquela época o país se encontrava envolvido com interesses, no meu entender,
muito delicados, diante da ocorrência da 2ª. Guerra Mundial (1939/1945). Em
fevereiro de 1942 o Brasil teve embarcações comerciais torpedeadas pelos países
do Eixo, em represália à sua adesão aos compromissos da Carta do Atlântico, que
previa o alinhamento automático com qualquer nação do continente americano que
fosse atacada por uma potência extracontinental.
Entendo importante registrar que ao
término da construção da barragem, Coremas contava com população urbana em
torno de 2.500 pessoas, bem superior ao número de 500 pessoas estimado por mim
no início da obra, por ocasião da pesquisa realizada para a produção do livro
Barragens de Curema e Mãe d’Água, já citado. De outro lado, como citado no
mesmo livro, a Revista Brasileira dos Municípios (no. 30, ano VIII, 1955)
informa que a população de Coremas era de 2.982. A justificativa que entendo
para o número de 2.500 em maio de 1942, é que as obras do complexo estiveram
paralisadas durante sete anos.
Ao reinício das obras, com a construção
do açude Mãe d’Água, pouca gente foi recrutada, cerca de 130 pessoas, segundo
escreveu Raimundo Carvalho (mestre de obras naquela barragem, 1949/1957), em
relatório manuscrito que produziu para mim, a partir da sua prodigiosa memória,
aos 91/92 anos, informações contidas no meu livro citado. Por fim, registro que
os insumos adquiridos pela autarquia responsável pela construção eram
adquiridos, na expressiva maioria, em centros comerciais do estado e de estados
vizinhos. É possível que tudo isso, naturalmente, tenha impedido um crescimento
significativo da população entre 1942 e 1955.
Paralisia na construção do Complexo
Curema-Mãe d’Água
O projeto esteve paralisado durante
vários anos, por motivos já conhecidos. Nem por isso o acampamento da IFOCS foi
dissolvido. As casas permaneciam ocupadas, com o engenheiro Chefe e auxiliares
qualificados e experientes, aguardando o reinício das obras do complexo, ou
seja, a construção da barragem de Mãe d’Água.
Foi um período de mansidão, de descanso para
aqueles que deram tudo de si para verem construído o primeiro açude, que
soltava águas pelas comportas, no período seco, e pelo Riacho Seco, afluente do
Rio Aguiar, em tempo de chuvas – quando a barragem enchia -, para irrigar
culturas ribeirinhas, da Paraíba ao Rio Grande do Norte.
Os serviços de piscicultura eram
ampliados; o açude recebia novos alevinos, com o que o povoamento total era
composto de pirarucu, tucunaré, curimatã, piau, traíra, cangati, cascudo,
apaiari e até (não sei porque) piranha. Tilápias e pescadas, só décadas depois.
Caía por terra a esperança de levar
águas do complexo para as Várzeas de Sousa, mesmo a longo prazo, em decorrência
do enfraquecimento, durante a segunda Guerra Mundial, de várias nações
compradoras de produtos da pauta das exportações brasileiras.
Sob o ponto de vista técnico, até que
foi válida a interrupção da construção do complexo. O projeto foi revisto e se
chegou à conclusão que o encaminhamento das águas para as várzeas de Sousa, a
partir da conclusão da barragem de Mãe d’Água, seria inviável, pela forma com
que fora inicialmente planejado - via açude São Gonçalo -, devido ao alto custo
das obras do canal e as dificuldades financeiras do país durante a guerra
mundial antes referida.
Barragem do açude Mãe d’Água – 2ª etapa
operacional do complexo
Dados técnicos da barragem
O coroamento (extensão) é de 175 m; a
bacia hidrográfica é de 1.128 km2; a bacia hidráulica é de 3.844 ha; a altura
máxima é de 35 m; o volume de concreto ciclópico é de 95.100 m3 e o rio barrado
é o Rio Aguiar.
Já citado, o relatório produzido por
Raimundo Carvalho registra 45 m para a altura da barragem e 95.000 m3 para o
volume de concreto ciclópico, enquanto o relatório de Cristovam de Abreu — que
serviu de base central do seu livro publicado, Conjunto Estevam Marinho —
registra 49,05 m para a altura e 91.242 m3 para o volume de concreto ciclópico,
isso tudo depois da barragem concluída.
Sobre a bacia hidrográfica, fineza
considerar as justificativas apresentadas logo após os dados técnicos da
barragem de Curema.
A construção da barragem de Mãe d’Água
“... em outubro de 1941, teve início a
locação; em 1943, início da barragem em fundação e; e em 10 de outubro de 1948,
a concretagem em ação. Foi com esses três versos que o escritor e topógrafo
Cristovam de Abreu ofereceu importantes informações à história da construção da
barragem, no seu livro, já citado, Conjunto Estevam Marinho, informações essas
não fornecidas nem tampouco confirmadas por antigos funcionários da IFOCS, em
Coremas, à época da construção, nem no Distrito do DNOCS (que sucedeu à IFOCS),
em João Pessoa, nem, ainda, na Sede do Órgão, em Fortaleza, em 2013, quando
pesquisei bastante para a pesquisa do meu livro já citado. Uma lástima!
Não duvido das palavras do incansável e
competente topógrafo Cristovam de Abreu. Pelo contrário, tenho muita crença
nelas e louvação em tudo que ele fez. Isso tanto é verdade que incluí o seu
nome numa diminuta e muito bem selecionada lista de HOMENS ÍNTEGROS, no meu
último livro, recém editado, VANDONY DANTAS – Um exemplo de integridade. Era
Cristovam de Abreu um homem honrado, competente e simples. Muito respeitado.
Era também, sem fazer alardes, sobrinho do grande historiador Capistrano de
Abreu, de muitas obras publicadas e um dos mais respeitados e antigos
escritores sobre a história do Brasil.
Pelo espaçamento das datas citadas pelo
Sr. Cristovam, há de se imaginar que a obra também foi atingida por
paralisações, certamente por escassez de recursos financeiros.
Em 28.12.1945, pelo Decreto-Lei nº 8.486,
é criado o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), sucedendo à
IFOCS e que nasceu com enriquecido acervo de obras e estudos técnicos e
científicos das antigas IOCS e IFOCS. A novel Instituição (considerada secular,
computando também os anos de funcionamento da IOCS e IFOCS), outrora
prestigiada e atuante no semiárido nordestino, encontra-se hoje sem o
necessário apoio governamental.
A primeira concretagem da barragem foi
iniciada em 1948, tendo como mestre de obras o Sr. João de Paiva, sobre quem
Cristovam de Abreu registrou muito boas referências no seu livro já várias
vezes citado. Naquela época, continuava no comando da Comissão do Alto Piranhas
o Dr. Estevam Marinho. Os serviços de concretagem eram realizados em reiterados
espaços de três dias e três noites, ininterruptamente, fato que exigia a
presença do mestre de obras na empreitada, chamada, naquele tempo, de “virada”,
numa alusão à virada do dia para noite, trabalhando.
Surpreendentemente, meu pai, Raimundo
Carvalho — que prestara relevantes serviços na construção da barragem de Curema
—, foi procurado em casa, em setembro de 1949, por emissário do Dr. Estevam
Marinho, que solicitava a presença dele no seu Gabinete. Da conversa, resultou
um convite para acompanhá-lo numa viagem à obra. No dia seguinte, uma séria
conversa no trajeto de ida e volta (cerca de 8 km), com intervalo para mostrar
a construção.
Na oportunidade, Dr. Estevam Marinho lhe
segredou que não estava satisfeito com o andamento dos serviços, que liberava
muito dinheiro e que os serviços não correspondiam ao esperado. Finalizou,
dizendo, “preciso do senhor para assumir a função de mestre de obra da
construção da barragem do Mãe d’Água”.
Meu pai, surpreso, disse: “Como, logo eu
que estou exercendo função de almoxarife e que pouco conheço sobre cimento
armado?”
O Dr. Estevam Marinho, arrematando,
falou: “O senhor, sim! Venho acompanhando seus serviços há anos e tenho informações
que o senhor já esteve várias vezes no Laboratório de Solos e Concreto, no afã
de conhecer os serviços ali praticados. Pense sobre o meu pedido”.
Semanas depois o Sr. João de Paiva se
afastou da condução da obra, alegando necessidade de ir morar em Natal e dar
educação aos filhos. Diante disso, Raimundo Carvalho é guinado à função de
mestre de obras da grande barragem de Mãe d’Água, em dias de outubro de 1949.
Com isso, estava sepultada a vida mansa de almoxarife e diminuídas as
atividades de lazer que tanto amava, a caça e a pesca. Em contrapartida,
ganhava carro com motorista, telefone e uma grande área para plantio, nos
fundos da casa onde morávamos, com cerca de 3 ha. Foi muito bom para a família,
e para o Dr. Estevam Marinho, acredito.
Os trabalhos em ação faziam Raimundo
Carvalho e o Dr. Estevam Marinho felizes.
O Dr. Estevam Marinho, que padecia de
problemas cardíacos, convenceu o médico Dr. Firmino Ayres Leite — que morava em
Piancó — a vir residir em Coremas, assegurando-lhe residência confortável no
acampamento do DNOCS, ao tempo que invocava a necessidade de cuidados
especiais, já que sua sede residencial era em Recife, onde permanecia a sua
esposa, conduzindo mais de perto a educação dos filhos. Dr. Firmino também era
político e escritor.
Quando tudo corria bem, em 1952 o Dr.
Estevam Marinho foi nomeado Chefe do 2º. Distrito do DNOCS, em João Pessoa-PB,
sendo substituído pelo adjunto, Dr. Egberto Carneiro da Cunha, seu fiel amigo,
que conhecia bem a capacidade do mestre de obras e tinha por ele grande
admiração; por isso, manteve Raimundo Carvalho no cargo.
Em 23.02.1953 faleceu em João Pessoa o
Dr. Estevam Marinho, cujo corpo foi sepultado em Recife (PE), onde morava sua
família.
O Dr. Egberto, fiel aliado do Dr.
Estevam Marinho era, como ele, portador de problemas de saúde. Em decorrência
disso, retornou em 1955 para Fortaleza — de onde viera há anos — para cuidar da
precária situação da saúde. Foi substituído por um engenheiro jovem, Dr.
Ivanildo Marinho Cordeiro Campos, egresso da sede do DNOCS, em Fortaleza, com
pouca ou quase nenhuma experiência em concreto. Talvez por isso, manteve
Raimundo Carvalho no cargo de mestre de obras da barragem. Sua passagem por Mãe
d’Água foi meteórica; não consegui apurar os motivos.
Foi ele substituído por um outro jovem
engenheiro, o Dr. Vitoriano Gonzalez y Gonzalez, também inexperiente em
serviços de concreto e em administração de grandes obras. Vinha, em 1955/56, do
pequeno açude Escondido, com barragem de terra, no município de Brejo do
Cruz-PB, com capacidade nominal de armazenamento d’água de apenas 16,6 milhões
de m3. Certamente uma promoção. De cara, via-se diante da administração da
maior barragem de concreto em construção pelo DNOCS, projetada para 640 milhões
de m3, o que se constituía em grande desafio. Talvez por isso, meu pai, já
amadurecido conhecedor dos serviços de concreto e de condução da obra,
permaneceu no cargo de mestre de obras, dando a sua indispensável colaboração.
Por ato ministerial, a barragem de
Curema passou a se chamar de barragem Estevam Marinho, conforme ofício do Sr.
Diretor Geral do DNOCS, de número 636 T, de 03.06.1955, o que foi traduzido
como homenagem merecida ao saudoso construtor, respeitável administrador e
acreditado engenheiro. É uma tristeza que a barragem continuasse a ser chamada
de Curema depois da homenagem. Ele não merecia isso! Hoje, até o DNOCS, quando
se reporta à barragem Estevam Marinho traz, entre parênteses, a expressão
“ex-Curema”.
Com as sucessivas mudanças de
engenheiros na direção da construção da barragem de Mãe d’Água, Raimundo
Carvalho era cada vez mais exigido, explorado diante dos seus conhecimentos em
concreto. A sorte dele veio com a execução do plano governamental do Presidente
Juscelino Kubitschek (eleito em 1955), denominado Plano de Metas, que previa
ações de cinquenta anos em cinco. Nesse diapasão, foi incluído o açude de Mãe
d’Água entre aquelas grandes obras inauguráveis em 1956, com o que recursos
financeiros para a obra passaram a aportar celeremente.
Acreditava meu pai que isso lhe exigiria
muito mais, todavia, em compensação, após o ato inaugural poderia descansar
longamente. Esse seu desejo não foi satisfeito. Após a inauguração, com
serviços de acabamento ainda em curso, foi ele convocado pelo DNOCS para
realizar serviços de concreto na adutora de Campina Grande e, depois, nos
açudes Banabuiú e Orós, no Ceará, onde se aposentou na autarquia.
Segundo me afirmou Raimundo Carvalho,
mestre de obras da barragem de Mae d’Água, no período de 1949 a 1957, muitos
engenheiros e acadêmicos de engenharia visitaram a barragem durante quase todo
o período da sua construção, sendo ele, a partir de 1949, sempre indicado para
prestar esclarecimentos e informações sobre a respeitável obra de cimento
ciclópico, a maior do DNOCS.
Entendo até que aquela obra era vista
como um centro tecnológico de concreto do Nordeste, pelo muito que instruiu
centenas de estudiosos e pesquisadores que por lá passaram. No final de 1955, a
barragem de Mãe d’Água, em construção, já barrava o Rio Aguiar, afluente do rio
Piancó, desaguando neste antes do encontro do rio Piranhas com o Piancó, nas
proximidades de Pombal (PB).
Diante da impossibilidade da construção
do canal partindo da barragem de Mãe d’Água para o açude São Gonçalo, a
Diretoria do DNOCS mandou elaborar projeto de construção/instalação de uma
hidrelétrica na barragem de Curema, já que a água que estava sendo solta com
destino ao Rio Grande Norte era suficiente para fazer funcionar a referida
hidrelétrica.
Ela foi imediatamente construída e
inaugurada juntamente com a barragem de Mãe d’Água. Do seu funcionamento,
resultou fornecimento de energia elétrica para várias cidades do sertão, a
partir de Coremas; depois, Piancó, São Gonçalo, Sousa, Cajazeiras, Patos,
Catolé do Rocha e Itaporanga, segundo Cristovam de Abreu, no livro já citado,
Conjunto Estevam Marinho.
Para a realização dos serviços de
distribuição da energia, foram gastos consideráveis valores com aquisição de
transformadores, postes e linhas de transmissão de alta tensão. No final de
1969, esses serviços, à exceção dos de Coremas, foram absorvidos pela CHESF,
segundo o engenheiro Evandro Souza Araújo, Chefe do Órgão em Coremas (a
referida hidrelétrica foi desativada em 2014, quando produzia energia só para o
município).
Paralelamente à realização dos serviços
finais para a inauguração da barragem de Mãe d’Água, foi construído o canal
vertedouro na região Riacho Seco, através do qual as águas do açude Curema se
interligam com as do açude de Mãe d’Água. Na verdade são dois reservatórios
distintos, barrando rios distintos. Só com abundância de chuvas nas suas
cabeceiras os açudes se interligam, na cota 237, formando um imenso
reservatório, com capacidade nominal de 1,36 bilhão de m3.
Essa capacidade está hoje reduzida,
efetivamente, para 1,16 bilhão de m3, segundo serviços de batimetria realizados
nos dois açudes em dezembro de 2013, de que resultou uma capacidade nominal de
591,6 milhões de m3 para Curema e 568,0 de m3 para Mãe d’Água, tudo por força
de assoreamento de muitos anos. Esses serviços de batimetria (determinação do
relevo do fundo da área lacustre) tornaram-se necessários a partir da inclusão
dos dois reservatórios dentre aqueles que, espera-se, receberão águas do Rio
São Francisco, com a transposição de suas águas para reservatórios receptores nos
estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Pessoalmente e diante das gravíssimas
dificuldades financeiras por que passa o país – com possibilidades de se
manterem e/ou se a agravarem nos próximos semestres – e as hídricas no
Nordeste, não acredito que as águas do São Francisco cheguem aos açudes de
Curema e de Mãe d’Água nem tão cedo, ainda mais porque a crise hídrica por que
passa a região do semiárido nordestino vem ocorrendo desde 2012 e já há
registros midiáticos de estudos sobre a possibilidade do seu prolongamento.
Finalmente, depois de inaugurada a
barragem, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, em 15.01.1957,
estava concluído, em termos de represamento de águas, o complexo Curema-Mãe
d’Água, que se constituía no maior reservatório público construído pelo DNOCS,
no Nordeste, então com capacidade nominal de represamento de 1,368 bilhão de m3
.
Outros grandes reservatórios lhe
seguiram, também construídos pelo DNOCS, tomando a sua hegemonia: açude Orós
(barragem Juscelino Kubitschek de Oliveira), no Ceará, com 2,1 bilhões de m3,
concluído em 1961; açude Açu (barragem Armando Ribeiro Gonçalves), no Rio
Grande do Norte, com 2,4 bilhões de m3, concluído em 1963; açude Banabuiú
(barragem Miguel Arrojado Lisboa), no Ceará, com 1,7 bilhão de m3, concluído em
1966; e o último — resultado de uma parceria do governo do Ceará/DNOCS —, o
açude Castanhão (barragem Padre Cícero), no Ceará, com 6,7 bilhões de m3,
concluído em 2002. Todos esses reservatórios, inclusive os que integram o complexo
Curema-Mãe d’Água, apresentam baixos níveis de represamento, devido à
prolongada estiagem na região semiárida do Nordeste, desde 2012.
A barragem do açude Mãe d’Água, anos
depois, em data que não consegui apurar, passou a ser denominada de Barragem Egberto
Carneiro da Cunha, homenagem do DNOCS a um dos seus construtores. Para minha
tristeza, tal como ocorreu com a homenagem prestada ao Dr. Estevam Marinho, que
emprestou o nome à barragem do açude Curema, os nomes dos engenheiros
construtores foram esquecidos. As duas barragens continuam conhecidas, no
âmbito externo do DNOCS, como Curema e Mãe d’Água, sendo mesmo, e oficialmente,
Barragens Estevam Marinho e Egberto Carneiro da Cunha, respectivamente.
Registro que o cuidadoso povoamento de
peixes no reservatório de Curema – tão bem executado e acompanhado pelo saudoso
Estevam Marinho – foi um sucesso até poucos anos depois do falecimento do
grande construtor Chefe. Não sei se sua decadência deveu-se à omissão e/ou
desinteresse da Chefia da Comissão do Alto Piranhas, ou pela falta de recursos
para manter ativo e equilibrado o referido povoamento. O fato é que o município
de Coremas se tornou grande produtor e distribuidor de peixes durante muitos
anos, incluindo os dois açudes.
A pesca predatória ali exercida era
afrontosa, sem fiscalização na década de 50. Lembro-me bem, quando adolescente
e antes de deixar o município em 1957, para residir em Campina Grande,
presenciei nos reservatórios centenas de pescadores do local, do Ceará e do Rio
Grande do Norte, atuando livremente, sem atropelos de quaisquer fiscalizações.
Isso foi um grande mal. Aos poucos o município de Coremas ia passando da
condição de produtor e exportador para a de importador e distribuidor de
peixes, como hoje se encontra, adquirindo pescados no Ceará, provenientes, na
maioria, do açude Castanhão, já que os reservatórios do complexo Curema-Mãe
d’Água — outrora comprovadamente piscosos — encontram-se praticamente
despovoados das diferentes espécies.
Projeto de irrigação das várzeas de
Sousa (PIVAS)
Com a eleição do sousense Antônio
Marques da Silva Mariz para governador do estado (1995-1999), o projeto de
irrigação das várzeas de Sousa voltou à tona. Ele assumiu os primeiros estudos
e encaminhamentos, contudo, em vista do seu falecimento precoce em 17.09.95, as
ações iniciais pareciam caminhar para o esquecimento.
Não foi isso o que aconteceu; com a
posse do seu vice, o Dr. José Targino Maranhão, o desejo de Antônio Mariz foi
honrado e o canal que levaria águas da barragem de Mãe d’Água para o município
de Aparecida (PB), praticamente nos portões das várzeas, de 37 km, foi
construído. Com isso, finalmente as várzeas de Sousa receberiam as tão
esperadas águas do açude Mãe d’Água.
Em 2004 — quando já existia a grande
barragem de Açu, no município do mesmo nome, no estado do Rio Grande do Norte,
e não se vislumbrava o período de longa estiagem que enfrentamos —, foi editada
pela ANA (Agência Nacional de Águas), a Resolução nº 687, de 03 de dezembro,
que dispõe sobre o Marco Regulatório para a gestão do Sistema Curema-Açu e
estabelece parâmetros e condições para emissão de outorga preventiva e de
direito de uso de recursos hídricos e declaração de uso insignificante.
A referida resolução cita, nos
“considerandos”, o Convênio de Integração celebrado entre a ANA, os estados da
Paraíba e do Rio Grande do Norte, e o DNOCS, para a gestão integrada,
regularização e ordenamento dos usos dos recursos hídricos na bacia do rio
Piranhas-Açu, em particular, do Sistema Curema-Açu. No Art. 2º estabelece a
vazão máxima disponível de 27,30 m3/s considerada para o Sistema Curema-Açu,
sendo 6,4 m3/s na Paraíba (o Conselho Gestor posteriormente criado para gerir
as águas do Sistema Curema-Açu limitou as vazões de Mãe d’Água para as várzeas
de Sousa em 2,0 m3/s e em 4,4 m3/s a vazão do açude Curema para a Paraíba e o
Rio Grande do Norte, através dos rios Piancó e Piranhas) e 20,9 m3/s no Rio
Grande do Norte.
O parágrafo único do Art. 5º estabelece
que a ANA deverá delegar para os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte
competência para emitir outorgas no Sistema Curema-Açu. Esse sistema é
compartilhado com o Sistema Piranhas-Açu, pelo encontro dos rios Piancó e
Piranhas, na região do Areial, bem próxima da cidade de Pombal (PB). Apenas no
parágrafo único do Art. 1º da citada Resolução 687, no item I, o açude de Mãe
d’Água é citado, nestes termos: “Trecho no. 1: Curema. Corresponde ao perímetro
da bacia hidráulica dos reservatórios Curema e Mãe d’Água. Trecho localizado
integralmente no Estado da Paraíba”.
Durante a fase de pesquisa, feita nos
primeiros meses de 2013, para produção do livro Barragens de Curema e Mãe
d’Água, constatei que em Dez/2012 a vazão do açude Mãe d’Água era de 1,9 m3/s e
a estimada do açude Curema estava em torno de 3,5 m3/s. Recentemente, obtive
informações extraoficiais junto à Coordenadoria Estadual do DNOCS, na Paraíba,
de que a vazão autorizada para as várzeas de Sousa, a partir do açude Mãe
d’Água, é de cerca de 0,82 m3/s, inclusive cerca de 0,17 m3/s para a adutora de
Sousa, a ser inaugurada; a do açude Curema, de cerca de 2,0 m3/s, é destinada
aos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte.
O que é mais grave e me preocupa
bastante, é que essas vazões atuais ocorrem num momento muito difícil, diante
de: a) perspectivas de prolongamento da atual e preocupante estiagem na região
das bacias hidrográficas dos dois açudes, Curema e Mãe d’Água; b) baixo nível
de disponibilidade de águas nos dois reservatórios, respectivamente de 15,1% e
de 18,6% (posição em 10.09.15 - fonte: AESA-PB).
Com a realização da pesquisa, em 2013,
para a produção do meu livro citado Barragens de Curema e Mãe d’Água — que
trata, também, sobre o PIVAS – e com a experiência de ex-analista de projetos
agroindustriais na alta Direção Geral do BB em Brasília, à época do PROÁLCOOL,
visitando, no mais das vezes, bases agrícolas dos projetos em diversificadas
regiões do país, firmei juízo no referido livro sobre a temática, sobre o
precário funcionamento do projeto em 2012, quando já consumia considerável
volume de água do açude Mãe d’Água. Cheguei a listar algumas informações e/ou
considerações pertinentes no referido livro, adiante resumidas:
- os recursos destinados ao PIVAS
(parceria do governo estadual com o federal) totalizaram R$ 160,5 milhões e
corrigidos pela IPCA, a preços de maio de 2013, atingiam a 351,9 milhões.
- a área do projeto, de 6.335,74 ha,
contempla, principalmente, 992,53 ha destinados à implantação de 179 lotes para
colonos, ao que fui informado, já ocupados; 2.336,32 ha destinados a 19 lotes
empresariais, sendo 03 ocupados e, ainda, 1.007,30 ha destinados ao INCRA, para
assentamento de 141 famílias (que estariam hoje ocupados; por outro lado, o
Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo, com área irrigável de cerca
de 3.000 ha, foi implantado há muitos anos nas várzeas de Sousa, muito próximo
da região onde se instalou o PIVAS, e que chegou a ser orgulho para o DNOCS nas
décadas de 50/70, encontra-se hoje abandonado, sem água, sem crédito e sem
rumo, com os cerca de 450 experientes irrigantes entregues à própria sorte; o
açude São Gonçalo – que o alimentava – encontra-se com apenas 5,7% da sua
disponibilidade aquífera, fonte AESA, 10.09.15, dirigidos para Sousa-PB);
- em novembro de 2012, foi remetida pelo
açude Mãe d’Água uma vazão de 1,9 m3/s; apenas 0,96 m3/s chegou ao PIVAS
(desperdício de 49%, causado por furto de águas em 122 pontos do canal);
- as terras utilizadas pelo PIVAS não
seriam as melhores das várzeas de Sousa (opinião do experiente agrônomo Dr.
José Furtado da Silva, ex-técnico e ícone do DNOCS, Mestre em Fitotecnia pela
Escola de Agronomia de Piracicaba, com vários estágios e treinamentos no
exterior, que trabalhou no Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo e
que conhece muito bem a constituição das terras das várzeas, segundo me
afirmou);
- diminuto uso de mão de obra em 2013
(776 empregos diretos, contra 15.000 do projeto).
Destacada importância benéfica no uso
das águas de Curema
Dentre os benefícios do complexo
Curema-Mãe d’Água, listarei aqui somente aqueles que considero de grande alcance
social; no passado:
a) desenvolvimento populacional,
educacional/cultural/esportivo/turístico, econômico e religioso no antigo e
atrasado povoado do Boqueirão de Curema – a população, que era de cerca de
2.500 pessoas ao término da construção do açude, em 1942, hoje está acima de
15.000 habitantes;
b) produção e distribuição de energia
elétrica para várias cidade do sertão;
c) fornecimento de águas para irrigação
de terras ribeirinhas do estado e do Rio Grande do Norte (apurei junto ao DNOCS
que os 2,0 m3/s liberados pelo açude Curema não chegam ao grande açude Açu-RN);
e
d) produção e distribuição de pescados
próprios (hoje, continua centro distribuidor, porém de pescados de outras
regiões).
Dentre benefícios do presente e de um
passado recente, cito a utilização de águas por 25 municípios/distritos do alto
sertão paraibano, bem assim por populações ribeirinhas do estado e do Rio
Grande do Norte, sem falar em incontáveis carros-pipas que as distribuem nas
zonas rurais.
Vejamos os 25 municípios/distritos beneficiados,
a partir de pontos, minissistemas e sistemas adutores, seja no próprio açude ou
nos rios Piancó e Piranhas (este, também perenizado, a partir do encontro com o
Rio Piancó): Areia de Baraúnas, Assunção (serviços já concluídos mas ainda não
ativada a adutora), Belém de Brejo do Cruz, Brejo do Cruz, Cacimba de Areia,
Cajazeirinhas, Catolé do Rocha, Condado, Coremas, Malta, Patos, Paulista,
Passagem, Piancó, Pombal, Salgadinho, Quixaba, Santa Gertrudes, Santa Luzia,
São José de Espinharas, São José do Sabugi, São Mamede, São Bentinho, São
Bento, Várzea e Vista Serrana. Ao todo, cerca de 180.000 pessoas são assistidas
pelo sistema Curema-Açu. Tem-se como certa a adutora de Sousa, a ser inaugurada
proximamente, com água de Mãe d’Água.
Informações colhidas em Coremas dão
conta de que a água da cidade foge ao controle da CAGEPA e as águas do açude
estariam poluídas, o que — é de se apurar — constitui-se em ameaça à saúde dos
usuários locais e dos atendidos pelo sistema adutor originário do açude Curema.
Como último registro sobre os dois
açudes, informo que a primeira sangria do complexo Curema-Mãe d’Água ocorreu
entre a noite do dia 19 e a madrugada do dia 20.03.1960, segundo me passou o
saudoso amigo de infância, José Virgulino Guerra, conceituado servidor do
DNOCS/CHESF, que esteve presente a tão importante momento histórico.
Nesta oportunidade, invoco a atenção das
autoridades responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos do estado
para um controle mais rígido dos poucos ainda disponíveis nos dois
reservatórios. Igualmente, invoco o Ministério Público para acompanhar, de
perto, esse gerenciamento, presente a possibilidade de prolongamento da
estiagem, o que levaria o estado a enfrentar sérios problemas de abastecimento
d’água para o consumo humano, no sertão. Ademais, faz-se necessário agir
rapidamente para a eventual solução de problemas suscitados no presente
trabalho, especialmente os que dizem respeito à qualidade das águas
distribuídas para o consumo humano e animal, focando, prioritariamente, a saúde
e as necessidades aquíferas desses seres, ao meu sentir mais importantes que
quaisquer outros interesses.
Ao finalizar, manifesto o entendimento
de que se outros benefícios não resultaram do megacomplexo é porque o homem não
deu o exemplo que era esperado para a proteção da sofrida região semiárida do
Nordeste do nosso Brasil. A propósito, permito-me transcrever as contundentes e
apropriadas palavras que um dos mais inteligentes, competentes e respeitados
cientistas do quadro do DNOCS, o engenheiro Dr. Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa
em 28.08.1913, no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, ao discursar sobre
soluções para mitigar os graves efeitos das secas no nosso semiárido
nordestino; encerrou a palestra assim:
“[...] Chegamos, assim, ao mais grave de
todos os problemas: o da educação! Só ela, unicamente ela, permitirá que o povo
goze de sã higiene, aprenda a aperfeiçoar a irrigação, promova a indústria
compatível com a ambiência, adote a fenação e use o silo, não abandone o gado e
melhore-lhe a raça, facilitando-lhe a água não contaminada, desenvolva as
culturas nas grandes várzeas irrigadas, abra por si poços, faça pequenos
açudes, compreenda, enfim, a importância desse grande esforço que está sendo
empregado em prol do seu bem estar”.
*Emmanoel
Rocha Carvalho, Historiador e
Escritor da União Brasileira de Escritores, em São Paulo - UBE-SP
A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO CUREMA-MÃE D’ÁGUA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOECONÔMICAS
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/23/2017 06:28:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário