Censura às artes se consolida e o país surfa na maré alta do obscurantista
João Costa |
João Costa*
O sentimento obscurantista no Brasil se agiganta, ecoa como
um trovão, multifacetado, e sua face mais visível é o recurso à censura. Ao
contrário das décadas de 1970/80, de novo,
hoje temos de enfrentar, discutir e denunciar a ação dos censores,
surjam eles dos credos religiosos, moralistas da hora ou da mídia. O fato é que
nos deparamos não apenas com a censura estatal(classificatória), mas a
econômica que toma corpo pela via do incentivo e a mais imediata – a judicial.
Lembro de
um tempo em que censura da Polícia Federal atormentava a produção cultural –
grupos de teatro e cinema – de forma até truculenta, e mesmo assim
enfrentávamos. Enfrentava-se o Estado e seus tentáculos.
Por
diversas vezes, pessoalmente, fui obrigado a cortar falas de textos teatrais (páginas,
cenas inteiras), explicar cenários para o policial-censor que não entendia o
que via, e até suprimir trilha sonora porque uma peça minha começava ao som a “Abertura
1812”, de Ilitch Tchaikovsky, logo, quatro vezes comunista.
- Como
assim? Perguntei ao censor federal.
-Está
escrito aqui, a música é russa, o autor é Ilitch Tchaikovsky; é o mesmo que
Ilich, o nome de Lenin, e a peça incita os operários contra os patrões,
respondeu o policial. E eu tive que negociar para a música permanecer, mas em
troca mutilei o texto. Era assim na Ditatura Militar. A censura, como existia,
executada por um agente do estado, não existe mais. Ela era prévia – agora é
pós.
Ela, a
censura, como existia na ditadura, não existe mais – repito. Volta pior e a
galope, com endosso de jornalistas, editores, pois embalada em sentimento político
de ódio e intolerância de forças obscurantistas que alegam proteger a família, a
religião, os bons costumes e as crianças. Mas de qual família, religião, moralidade
ou crianças esses cruzados de hoje fingem defender?
Certa
feita, no meio de uma apresentação em Cajazeiras, no Teatro Íracles Pires, de
“Um Edifício Chamado 200”, de Paulo Pontes, peça que dirigi para o Ideodrama, o
juiz local mandou parar o espetáculo, sob a ameaça de prisão.
- A atriz
exibia seios no espetáculo e em cima de uma cama redonda e acena insinuava
“repugnante” ato de sodomia, argumentou a autoridade judicial. Exibi do certificado
de censura – que foi solenemente ignorado.
Já em
Catolé do Rocha, freiras católicas e um delegado de polícia me encostaram num
canto de parede exigindo interromper a apresentação da peça que trazia o nome “A
Família”, mas em cena, os atores e atrizes manipulavam um falo gigante – uma ofensa
ao público que vibrava e gargalhava com
o ator Hércules Félix, interpretando Abelardo Barbosa, o Chacrinha. De novo,
entreguei o certificado de liberação da Censura Federal, que podia valer no
país inteiro, menos em Catolé do Rocha, não naquele momento.
A censura
como existia não existe mais. E eu que imaginava ser coisa do século passado, mas
neste século, a censura não é mais uma ameaça do estado policial, ela é
manifesta coletivamente e politicamente. A truculência policial e o tacape
judicial aparecem depois em socorro dessa Cruzada.
Modalidades
de censura que pouco depende do estado
Quem é do
meio agora já fala em três tipos de censura: a classificatória, feita pelo
estado, e que recentemente foi utilizada para causar danos econômicos,
inclusive para filmes, que antes receberiam classificação livre, mas devido a
viés ideológico do elenco, e diretores, recebeu classificação 18 anos,
reduzindo assim o público.
A censura
econômica. Apontam que esta resulta das leis de incentivo, que são uma forma de
censura. Se os patrocinadores são bancos, multinacionais, empresas estatais ou
privadas, o conteúdo certamente não pode contestar ideologicamente seus
patrocinadores.
Por
último, a censura togada. Qualquer juiz pode retirar uma peça de cartaz,
suspender uma exposição, cancelar a exibição de um filme. Basta alguém, ou um
segmento social se sentir ofendido e com poder aquisitivo suficiente para
calar, suprimir a liberdade de expressão de forma legal.
O estado
é de exceção e o efeito manada toca o terror destruindo reputações, promovendo
linchamentos morais, na tentativa de impor o pensamento único ou alinhado com o
novo normal estabelecido pós-2013 – o ano em que tudo parece ter começado.
*João
Costa é radialista, jornalista e diretor de teatro, além de estudioso de
assuntos ligados à Geopolítica. Atualmente, é repórter de Política do
Paraíba.com.br
Censura às artes se consolida e o país surfa na maré alta do obscurantista
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/10/2017 05:47:00 AM
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