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Meu erro




Ricardo Ramalho*                                                                                        

Início dos anos setenta. O mundo era nosso, só nosso. Quem poderia deter a juventude, a beleza, a vitalidade, tão presentes naquela geração? Assim nos sentíamos, embora tão frágeis de propósitos e objetivos.

Chegava, como professor, das aulas de biologia, em Alagoa Grande e, fui surpreendido por uma movimentação de rua, ao lado do Colégio Estadual de Areia. Típica de festas religiosas tradicionais, ali estavam todos os elementos: barracas com bandeirolas, presença massissa de jovens, músicas em um altofalante, paqueras mil e os ‘bilhetes’, pequenos pedaços de papel que exprimiam sentimentos, tão puros e profundos, daqueles enamorados secretos que, naquele momento, se expunham, jorravam sem nenhum pudor espiritual. Era a festa de N.S. do Rosário, bastante minúscula, em relação à portentosa festa de N. S. da Conceição que aconteceria ao final ano.

Havia terminado um namoro com uma garota da cidade. Sabe-se lá, por qual motivo. Afinal que importava? Outras tantas surgiriam. Quem sabe, naquela festa?
De maneira furtiva, notava uma moça, da mesma geração da ex-namorada, do mesmo colégio, do mesmo meio. Estava desimpedida, como se nominava à época, aquela sem namorado,  a alguns metros de mim. Formosa, mas, sem, entretanto, se destacar entre as presentes. Demonstrava meiguice, ternura. Já a havia observado em outras ocasiões, com as demais estudantes do Colégio da Freiras.

Em geral os ‘bilhetes’ se originavam de ‘paqueras’ maduras, ávidas a se firmarem naquele ambiente propício, aos desfechos pendentes, de atrações reclusas. Também, despontavam, com menos frequências, as novas paixões. Essa expectativa borbulhava nos participantes, aflorava nos espíritos abertos, aos experimentos da amorosidade.

De repente, me aborda um emissário, com um bilhete, objetivo, direto: ‘estou a fim de você’.  ‘A fim’ era a gíria da época, significava que queria namorar com você. Olhei o bilhete e sem refletir, escrevi na resposta: ‘quem é você? Desembuche’. Que grosseria, que estupidez desmedida. Era ela, tão perto e, que, agora se distanciava. Por óbvio, não recebi resposta alguma. Nunca mais se interessou em, sequer, dirigir um olhar para mim. O tempo corroeu essa relação tão instantânea, tão inesperada, tão diferente.

No ar, se ouvia um dos sucessos musicais da atualidade: ‘My mistake’ (Meu erro) do grupo musical brasileiro ‘Pholhas’, que cantava em inglês, para seguir a ‘onda’ de então. Nos versos iniciais exprimia: ‘there was a place that I lived, and a girl so place and fluir (Havia um lugar onde morei, e uma garota tão bela e faceira), ‘ I have many things seen things in my life (eu vi muitas coisas na minha vida), some of them I’ll never forget’ (algumas delas que nunca vou esquecer) Everiwhere’ ( em toda parte).

*Cronista pombalense radicado em Maceió –AL
Meu erro Meu erro Reviewed by Clemildo Brunet on 6/24/2019 10:17:00 AM Rating: 5

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