Memórias poéticas de um beradeiro
Por Daguia Morais*
O problema filosófico do
tempo “Me diga quanto tempo o tempo tem?” logo emenda um lamento investigativo
sobre a vida de personagens e fatos que enfeitam, até hoje, a história da
diversidade cultural, folclórica, religiosa, política e social de Pombal. Essas
histórias e estórias estão na música Beradeiro Caduco de Dr. Sales, médico e
músico pombalense, herdeiro mor de Biró Beradeiro que ele prefere lembrá-lo
somente no título da canção; o que não é pouco quando se leva em conta o espaço
ocupado por seu pai no imaginário popular da cidade.
A música lançada nas redes
sociais, nesses dias, soou como um estalo no inconsciente coletivo de um grupo
social de Pombal que guarda amufambadas, num baú, ricas heranças da oralidade
popular, como os causos de Ciço de Bembém, Dinha Carne Assada, Sargento Mota,
Pedoca de Deca; a voz de Fonhonhon; o fole de Biino; o estilo de Vandeca; a
inconfundível zoada do trem que atiçava os anseios de Cotinha; o karaokê de
Severino...
Além dos personagens ditos
folclóricos, a narrativa musical sublinha a diversidade religiosa quando traz à
memória o centro espírita de Generino e a figura do Padre Solon; e, como não
poderia deixar na caduquice, recorda com lembranças contentes a Festa do
Rosário, um dos maiores bens do patrimônio imaterial da terra de Maringá.
É percebido um
distanciamento, por parte do compositor, de figuras do ramo da política
pombalense. Certamente não foi por falta de nomes, cavilações e feitos de
muitos ou de poucos, mas Dr. Sales só pergunta pelo ex-prefeito e médico, Dr.
Avelino.
Apesar disso, há uma
abordagem genial na canção quando se refere ao primeiro ministro português do
rei Dom José I, o Marquês de Pombal, que até hoje causa desconcerto quanto à
origem do nome da cidade. E ele, Dr. Sales, ironiza cantando que o Marquês
“...mudou-se pra Pombal raçado por santa inês”. Muito bom! Ah, “...e o Teodósio
do hino”? Pouco cabimento para o responsável pelo massacre dos índios Pegas e
Panatis, nativos das terras sertanejas.
Um recorte particular para a
construção de duas importantes imagens. A do rio “todo furado de cano”, que
assim cumpre sua função social e não deixa nunca de ser perene. A outra,
“Menino vendo o mundo acontecer assistindo a matinê no cinema de Galdino”. Era
o cinema, o bem cultural portador de tantos significados que conectava todo
mundo numa fila gigante nas tardes de domingo. Sem internet.
Por fim, há uma compreensão
peculiar sobre o autor personagem, que a ele coube fazer viagens pelo universo
cultural, folclórico, religioso, político e social de Pombal para também
distribuir a abundante colheita de suas traquinas vivências, como libertar os
passarinhos de Antônio de Cota; apressar o último gole porque soava o badalo do
sino; as farras no Bar Centenário com a batucada Maringá; a Festa do Rosário e;
muitos outros momentos que povoam a canção. Contudo, para não realçar apenas
lamentos de quem injustamente se acha meio caduco, é bom fazer viagens ao
cotidiano de seus contemporâneos lembrando o bar de FF; a cachorra de Chicota
e; a arte de João de Heron.
É certo que a poesia
cantada, Beradeiro Caduco, do Dr. Sales, será a mais curtida no Encontro do
sábado da Festa do Rosário de 2019. Os Filhos de Pombal nunca cansarão de
cantá-la e nem de ouvi-la.
Daguia
Morais
Daguia Morais |
*Professora
Memórias poéticas de um beradeiro
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/08/2019 05:30:00 AM
Rating:
3 comentários
Parabéns M.Daguia pêlo brilhante texto.sabias palavras
Bonita homenagem de Da Guia ao meu amigo eterno, Sales de Biró, que compôs com sabedoria e sensibilidade coisas que representam nossa querida terra.
Parabéns, professora Daguia Morais, pelos merecidos comentários da música do nosso querido Dr. Sales, que,com esta música ele faz o resgata do legado cultural do seu pai,Biró beradeiro, com a qual rememoriza e exibe a história para da nossa terra Maringá para às novas gerações que ainda não a conhecem.
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