TRÊS DÉCADAS SEM O REI DO BAIÃO...
Francisco
Vieira*
A figura de Luiz Gonzaga que
completaria no próximo dia 13 de dezembro cento e sete anos, literalmente não
morreu. Após trinta anos de sua partida ele permanece vivo, principalmente
entre os nordestinos. É que a arte eterniza o artista. Sua obra o faz imortal.
Natural dos carrascais de
Exu - Pe, como premonição, nasceu numa noite estrelada de Santa Luzia; um sonho
profético anunciando a chegada de um menino iluminado, garantia de uma vida
promissora.
A história vai dos oito aos cento
e vinte baixos, começando com Januário, seu pai e alcançando com Luiz o seu
apogeu. Bem disse ele: “de pai pra filho, de pai pra filho, desde 1912”.
O filho ilustre de Exu não
foi apenas, músico, sanfoneiro, cantor e compositor, mas um cantador,
tornando-se o maior representante da música nordestina. Com estilo próprio e
voz inconfundível, “andando por esse país”, entoando xote, toada, xaxado e
baião, Gonzagão cantou o Brasil por inteiro. Sozinho ou em parceria exaltou nossa
cultura nos quatro cantos do país, difundindo nossas crenças, costumes e
tradições com destaque para o nordeste e a seca.
A obra de Gonzaga abriga
grande amor telúrico que se reflete em suas letras a partir de “Asa Branca” que
batendo asas foge da terra ardente retornando ao som dos primeiros trovões e
relâmpagos incandescentes.
O legado musical de Luiz
Gonzaga tem conotação sócio - afetiva e religiosa, evidente em cada composição,
portanto, uma enciclopédia de expressivo valor cultural. A propósito, “Paulo
Afonso” exalta o progresso, “Xote Ecológico” defende a natureza enquanto “Triste
Partida” retrata o êxodo nordestino, sentimento que em “Vozes da Seca” eclode
em forma de súplica. É que o sertanejo, tinhoso por natureza, resiste até o último
“Pau-de-Arara”. Nem mesmo o canto agourento da “Acauã”, chamando a seca, abala
sua fé manifestada na ”Ave Maria Sertaneja”. Sua esperança chega até onde vai a
devoção a Virgem Santa e a crença nos “Santos” Padre Cícero e Frei Damião. “Danado
de bom” é que tudo acaba em festa numa “Sala de Reboco”.
Estudar a obra gonzagueana, é
trazer para o campo pedagógico o sertão, seu povo e seus problemas. É inserir
seca e inverno, fauna e flora, cangaceiros, vaqueiros, retirantes, religiosos e
a destreza da “mulher macho sim senhor”. É falar do sanfoneiro do Riacho da
Brígida, que popularizou a sanfona, instrumento de origem europeia, transformando
em símbolo da cultura nordestina que unida ao zabumba e triângulo formam a trindade
perfeita do forró.
Desde cedo tocando na região
onde nasceu, o filho de Januário dava sinais do grande artista que seria no
futuro. Com a sanfona no peito e voz na garganta, “andando por esse país” se
deu a carreira de sucesso de Luiz Gonzaga, incorporando na indumentária personagens
típicas da região como o cangaceiro, vaqueiro e o violeiro.
O repertório do “Velho Lua”
não só revelou o Nordeste para o Brasil como ultrapassou fronteiras, gravando
em diversos países e línguas. Admirado por uma legião de fãs e mundo artístico,
foi aplaudido por autoridades como os presidentes Gaspar Dutra e José Sarney e cantou
para o Papa João Paulo II. Reconhecido pela crítica, ganhou dois discos de ouro
da RCA Victor, foi agraciado com o Prêmio Shell, concedido aos melhores da MPB.
Foi o 3º artista do universo a receber o Nipper de Ouro antes entregues somente
a Elvis Presley e Nelson Gonçalves. Em vida recebeu cerca de 80 títulos de
cidadania municipais e estaduais, bem como condecorações maçônicas.
Os louros do sucesso não
impediram o artista buscar a paz em sua terra. Com obstinação e prestígio selou
a paz em Exu, acabando a mais sangrenta guerra política e familiar protagonizada
pelas famílias Alencar, Sampaio e Saraiva que durante mais de três décadas
ceifou mais de trinta vidas. Sua luta cantada na música “Prece por Exu Novo”
fez jus ao cognome de Pacificador.
Enfim, ao romper da aurora do
dia 02 de agosto de 1989, veio a “Hora do Adeus.” Cabelos prateados, voz
cansada, perda de memória – sequer lembrava de Asa Branca - pernas
enfraquecidas pela arteriosclerose e carcinoma prostático, morre o gênio, o mito,
o Guardião da Paz, o Embaixador do Forró e Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Partiu exatamente
há três décadas o maior símbolo da música nordestina e foi unir-se a outros
gênios na filarmônica do céu.
Suas exéquias, celebradas
com honrarias oficiais e maçônicas, contaram com grande número de fãs numa manifestação
popular. Impossível conter as lágrimas nos rios da face misturadas a voz
embargada da multidão entoando Asa Branca.
Quão penoso e revoltante é
aturar pseudo-cantores e bandas, agredindo sem voz e sem ritmo a autêntica
música nordestina, outrora com letra e melodia, hoje desnuda da mínima
qualidade musical. Cada vez mais raros são os cantores facilmente identificados
pelo ritmo e voz inconfundíveis o quanto Luiz Gonzaga.
Luiz Gonzaga, o grande
responsável pela valorização dos ritmos nordestinos, será perpetuado pela
verdade de seu repertório, traduzindo como ninguém, o comportamento de seu povo
com protestos e alegrias. Seu Luiz, hoje é saudade, lembrança, orgulho do
nordeste e patrimônio brasileiro. Sua história é seu legado. Será lembrado como
desejava: o sanfoneiro que amou e cantou o sertão e seu povo.
Ao eterno REI DO BAIÃO, aí
está o meu tributo, após três décadas de saudades.
Pombal, 08 de dezembro de
2019.
*Professor
e Escritor
Francisco
Vieira.
TRÊS DÉCADAS SEM O REI DO BAIÃO...
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/12/2019 10:33:00 AM
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