"CIÇO DE ERICE" FAZ VERSO DIANTE DO CORPO DA MULHER AMADA!
Paulo Abrantes |
Há muito tempo que Cícero vivia exalando porre de cachaça pelas ruas de Pombal, sempre com Erice debaixo do braço. Por isso o chamavam de “Ciço de Erice”.
“Ciço” certa vez foi processado por ter causado à Erice lesões de natureza grave. Entretanto o magistrado desclassificou o delito para ferimentos leves e lhe deu a atenuante de violenta emoção. No interrogatório contou “Ciço” ter conhecido Erice na estação ferroviária de Fortaleza no Ceará e convidou-a para “juntarem os trapos” e vir morar em Pombal. Aqui, Erice só queria saber de beber e passear. Até que se separaram. Adorava Erice. Por isso, continuava auxiliando-a. Fizeram nova tentativa. Reuniram-se outra vez. Mas Erice continuava a mesma. Houve nova cisão. Ele continuou firme. Dava dinheiro para Erice pagar a casa, longe dele, que não sabia onde ficava, porque ela não dizia. Até que soube de tudo... Foi ao Riacho do bode e ficou nas proximidades da morada de Erice, quando a viu sair bêbada sendo puxada por outro homem... Feriu-a com uma faca.
A autoria e a materialidade do delito estão provadas. Está também provado que o acusado praticou o delito em condições muito especiais de espírito, movido pelo ciúme, esta flor negra do amor.
Não se justifica, mas compreende-se que alguém, por amor, cometa desatinos. Um estágio de loucura. È preciso que se seja muito senhor dos seus sentimentos para controlar esses movimentos de afeição, ainda mais quando são estimulados por práticas sexuais e cachaça. O amor físico é brutal. A amizade é perfume do amor carnal. Essa é branda, é suave, não comete loucuras, porque para elas há substitutivos espirituais. Um livro, uma hora de leitura, substitui a amizade que falta. Não há ciúmes na amizade, porque ela vive dentro do espírito. Só há no amor, isto de querença e sexo, porque é fundamentalmente paixão do corpo.
Compreendo o “Ciço”, o porquê do viver bêbado, palavroso, conversando só e amoroso, caído por sua fugidia Erice, sua “Iaiá”, de roupa rendada e torço de seda, cheia de requebros cearenses dentro da saia rendada, ágil nos maneios, como nas fugas. Borboleta morena do subúrbio de Fortaleza, Erice queria vida livre, e “Ciço”, homem de alma feita vivendo na beira do rio Piancó, embalado pelo canto da sereia que vinha embalada no marulho manso da praia cearense, queria aconchego, queria o calor do lar, na pobreza limpa de uma casa de campo. Veio o ciúme e pôs pimenta quente demais na mesa do humilde casal.
Para não ferir o coração que amava, feriu Erice no lado direito, com a faca da sobremesa, depois de jantar o arroz amargo, abandonado, sozinho, na mesa vazia, no vazio angustiante de sua alma de amoroso. A pomba rola morena e cheia de feitiços fugira do ninho do pombo negro, só isso. Pobre “Ciço”, pobre José das Chagas. Chagas não fazia nem no nome, nem chagas na alma, nem chagas no corpinho quente da sua amiga Erice, chagas, talvez, na alma do juiz que o condenou. Foi mais um homem, um casal, marcado pelo destino para sofrer por amor e por amor fazer sofrer. È que lá bem no fundo do seu corpo preto, estava escondida uma alma de poeta, que endoidecia de amor...
* Paulo Abrantes de Oliveira, é engenheiro, escritor pombalense e Membro da Academia Maceioense de Letras.
"CIÇO DE ERICE" FAZ VERSO DIANTE DO CORPO DA MULHER AMADA!
Reviewed by Clemildo Brunet
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3/06/2012 04:21:00 AM
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