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AGRICULTURA: ONTEM E HOJE


Ignácio Tavares

Ignácio Tavares*

 Se São Francisco Assis estivesse entre nós, a residir no sertão, com certeza perguntaria: onde estão os irmãos e irmãs voantes, caminhantes, rastejantes, naturais da região? Que pena hein? Ainda perguntaria: ora, o que levou esses entes queridos desaparecerem do nosso meio sem ao menos nos avisar?
  
Com certeza a culpa é nossa Assis. Isso porque, nós terráqueos, quando movidos pela a ambição da acumulação de riqueza, sem dúvidas somos capazes de sacrificar a mais perfeita jóia que Deus nos deu: a mãe natureza.

A nossa sobrevivência aqui na terra devemos agradecer a ela, não obstante negarmos preservá-la para bem das gerações que nos sucederão. Conheci um velho pescador cearense, o senhor Rebouças, que costumava dizer: “nós somos os tapurus da terra”. Ah seu Rebouças, como o senhor era sábio!

Estudos apurados realizados pelos mais importantes institutos de pesquisas do mundo confirmam o que disse o amigo pescador. Segundo os Antropólogos há evidencias de que, as ações antrópicas ao longo do tempo, têm sido responsáveis pela maior parte da destruição do patrimônio natural da humanidade. O senhor estava certo senhor Rebouças!!

Por outro lado também está certíssimo Francisco de Assis! Eu também sinto falta daqueles entes indefesos, com os quais convivi, principalmente, no mais belo momento da minha vida enquanto menino de roça. Aquele feliz convívio perdurou por mais de duas dezenas de anos.

Com o passar dos anos aconteceu que um dia, que triste dia, tive que sair da terra onde nasci e vivi, justo no fim da minha adolescência. Fui impulsionado a   buscar, como ente social, a razão do saber, fonte indispensável para garantia  do meu viver presente e futuro.

Ah, quantas saudades da fauna da minha terra! Já se foram os bons tempos em que homens e animais viviam harmoniosamente no mesmo habitat natural. Havia espaços para todos, não obstante os grandes estragos que os pequeninos entes causavam quando invadiam os plantios de arroz, feijão, milho, antes e depois da maturação dos frutos.
   
Quando os devastadores pássaros pretos (papa-arroz)  pousavam nos plantios de arroz, no nosso sítio, eram  afugentados por um exercito de meninos batedores de latas, que os esperavam a espreita dentro do arrozal. Eram tantos que ao sobrevoarem o arrozal formavam pequenas nuvens escuras. Era demais...
  
Em revoadas faziam espetaculares evoluções qual um bando de andorinhas capitaneadas pela ave-mestra. Vê-los ansiosos, na busca de mitigar a fome, com os grãos de arroz cultivados com o suor do rosto do meu pai e dos meus irmãos. Era algo espetacular, mas tínhamos que espantá-los, principalmente quando as lavouras atingiam a fase de maturação.
  
Da mesma forma, a maracanã, predadora contumaz, a sua preferência era o milho zarolho, mas, da mesma forma era afugentada pela meninada. Outros animais, em particular os roedores, jamais foram sacrificados pelo simples fato de estragar os plantios de batatas a ponto de colheita. Era uma verdadeira guerra entre meninos e animais, sem sacrifício de vidas.
  
Nada mal, pois podíamos conviver pacificamente com aqueles pequenos entes, não obstante o estrago que faziam nos plantios de inverno a verão. O solo fértil quando bem regado, em decorrência do bom inverno, produzia o suficiente para todos, quais sejam, homens e animais voantes ou caminhantes. O campo era um ambiente de alegria e felicidade, pois tudo era farto a ponto de nos fazer lembrar a bíblica terra prometida de Canaã onde se colhia em abundancia leite e mel.

Convém lembrar que neste tempo o homem amainava a terra com prazer e alegria. Não existia a generosa bolsa família ou coisa parecida, por isso o homem para ganhar o pão de cada dia tinha que trabalhar pesado. Assim sendo, trabalhar era um gesto de grandeza pessoal e familiar. Hoje, o trabalho rural é encarado como castigo, por isso, poucos se predispõem a enfrentá-lo.
  
Quando o homem do campo trabalhava, as atividades do dia a dia eram seqüenciadas, segundo a evolução dos ciclos do plantio, germinação e maturação das culturas. Dessa forma, logo em seguida a estação invernosa entrava a fase de colheita. Era o recomeço de uma segunda etapa cujos resultados dos trabalhos eram a grande recompensa. Claro que essa recompensa acontecia depois de estafantes esforços no cumprimento das diversas etapas da cadeia produtiva.

Catava-se o feijão, batia-se o arroz e quebrava-se o milho, colhia-se o algodão, ainda colhiam-se outras lavouras de menor importância. Não dava pra colher cem por cento de tudo que se plantava. Assim sendo, o rebotalho que ficava no campo, em particular sementes de arroz, milho, feijão e embiras de batatas formava em grande parte a cadeia alimentar dos nossos irmãos silvestres.
  
A partir daí os pequenos viventes tomavam conta do ambiente porque não havia meninos para perturbá-los. Fartavam-se a vontade, sem o risco de serem contaminados por resíduos de pesticidas. Foram os bons tempos, pois até então não havia sido introduzido o nocivo e devastador defensivo agrícola no campo. .
  
Era uma agricultura realmente sustentável, pois o meio ambiente não sofria qualquer tipo de degradação pelo uso excessivo do agrotóxico. A erosão do solo, na sua grande parte devia-se a ação do homem na busca de aproveitar maiores espaços de terra. Era isso mesmo, pois a empatia entre o homem e a terra faz a diferença entre a agricultura daquela época e a de hoje.

O ato de erodir o solo na busca de expandir a área cultivada, não era motivo de preocupação, porque envolvia apenas pequenas áreas. Quando a erosão acontecia era cosia imperceptível. Se algumas vezes isso ocorreu, deveu-se unicamente ao desmatamento, de forma descontrolada, das ribeirinhas, como já falei, no intuito de plantar um pouco mais em pequena fração de terra.
   
Insisto em afirmar que nessa época o agricultor não sabia o que era defensivo agrícola. Quando surgia alguma praga era combatida de forma manual. A lagarta rosada que atacava o algodão era capturada manualmente, da mesma forma a lagarta do cartucho que atacava o milho. Quando a situação agravava-se usava a água apurada no fumo de rolo, como inseticida, sem nenhum efeito colateral. A natureza agradecia, assim como a nossa saúde.

Dessa forma, é licito dizer que agricultura do passado era ecologicamente correta. Era uma produção de caráter orgânico, praticada não de forma consciente, mas porque o ciclo do uso indiscriminado dos defensivos agrícolas ainda não havia iniciado. Este devastador ciclo chegou com força total, depois do aparecimento do bicudo, no fim dos anos sessenta ao começo dos anos setenta.

A natureza pagou caro a partir do momento da introdução dos defensivos como insumo básico na cadeia produtiva do setor agrícola. O resultado é que flora e a fauna não são mais as mesmas. Ninguém tomou a iniciativa  de fazer uma avaliação dos estragos corridos na fauna do sertão paraibana depois da introdução dos defensivos agrícolas na cadeia produtiva do setor.
  
Quem não se lembra das nossas vistosas aves nativas que hoje não existem mais? Até mesmo a vetusta e matreira raposa que atormentavam os poleiros de galinhas na zona rural migraram pra outras remotas regiões serranas aonde o agrotóxico ainda não chegou.

Era comum ouvirmos o canto do concriz, do canário da terra, do galo campina, do cancão, da casaca de couro, do sanhassu, do bentivi, do sabiá, da peitica, dos periquitos, das rolinhas das diversas espécies, das maracanãs, dos anuns brancos e pretos, do tiziu, do papa lagarta, do azulão, do carão, do socó boi. O campo silenciou! Já não há mais aves cantantes tanto quanto existiam antigamente. Pobres criaturas de Deus, que pena, pois silenciaram para sempre.

Tem mais. Era comum assistirmos, justo no mês de julho, à chegada das primeiras aves de arribação vindas do alem atlântico. Ainda, nas nossas caminhadas em direção ao sítio da minha Avó era comum cruzarmos com juritis, codornizes entre outras aves raras. Da mesma forma  era freqüente avistarmos  preás, pebas, tejus, cobras de espécies diversas, camaleões, ao longo da estrada do sitio Outra Banda.

Encerro este escrito, que é mais um lamento entre tantos outros que escrevi sobre questões ambientais a envolver a ação do homem no trato da natureza. É pena que os homens das ciências naturais olhem muito para o alto esquecendo o que se passa cá em baixo.
  
A verdade de tudo isso é que capital se sobrepõe a natureza, não é? O que havemos de fazer? O Rio + 20 está acontecendo. O que vai acontecer? Pelo que tenho lido sobre o acontecimento, acredito que infelizmente nada de impactante possa acontecer, não é?

Sabe por que nada poderá acontecer? É muito simples de entender. Pois é, nós não temos problema com a natureza, pelo contrario a natureza é que tem sérios problemas em razão do nosso instinto predatório que nos levou e ainda nos leva a destruir, o patrimônio natural que nos foi legado, durante todo esse tempo da nossa existência como criaturas errantes a caminhar sem rumos  na face da terra.

Com certeza o Capital vencerá. Um cientista a serviço dos grandes conglomerados industriais do mundo desenvolvido já sinalizou com uma frase bem original: “essa historia de aquecimento global é uma farsa”. Precisa dizer mais alguma coisa?

Canta meu Sabiá! Caaaaanta!  Caaanta meu Juriti! Caaaanta meu valente Canário Ferrabrás! Oi cadê vocês???  Alguma coisa me consola: os conheci de perto. E as gerações novas o que dizem?

João Pessoa, 18 de Junho de 2012

*Economista e escritor pombalense
AGRICULTURA: ONTEM E HOJE AGRICULTURA: ONTEM E HOJE Reviewed by Clemildo Brunet on 6/18/2012 05:24:00 AM Rating: 5

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