O velho Relógio
Onaldo Queiroga |
Onaldo
Queiroga*
Céu azul, o Sol com sua luz
entregava-me o seu calor. Lá de fora, o canto dos pássaros anunciava o
florescer de mais um dia no sertão. No quarto, deitado numa rede, eu ouvia as
badaladas de um relógio. Sons que vinham da sala de jantar e anunciavam sete horas
da manhã. Era hora de me levantar, e, da sala de estar, via meu avô, Antonio
Hortêncio Rocha, dando corda no relógio que ficava na parede, defronte à mesa
de jantar.
De cor escura, com seus
belos vitrais, ali eu ficava a observar o pêndulo orquestrando o compasso do
tempo. Tempo de infância, de amizades descompromissadas, de banhos de rio, de
colecionar álbuns de figurinhas, de sair pelas ruas e
calçadas pedalando instantes de felicidade. Era Pombal, casa 123, Rua
João Pessoa. Ali, as badaladas do relógio, ouvidas a cada quinze minutos,
faziam com que um tempo inocente corresse no girar de uma bola de futebol, que,
no quintal da casa do meu avô, contagiava a molecada. Eram elas, as badaladas,
que marcavam a hora do almoço, da chegada do patriarca à mesa para a ceia.
Badaladas que, às 13 h, indicavam que o silêncio pedia licença para o cochilo
diário do vô Hortêncio. Também às 13h30m, pontualmente anunciavam que era hora
de ele ir para seu expediente da tarde, na velha torrefação do “Café Dácio”.
O relógio também anunciava,
às 15 h, que avó Raimunda já havia colocado na mesa o café da tarde. Servia
bolo, bolachas e um pão assado com manteiga da terra. A meninada comia numa
algazarra festiva, e logo retornava feliz ao quintal, pronta para mais uma
partida de futebol. O velho relógio comandava o meu tempo, pois às 18 horas
indicava o jantar, ao tempo em que me advertia e lembrava que a sessão do Cine
Lux começaria às 19 horas. Quando voltava, no final da noite, o relógio já
soava 22 horas, anunciando o momento de receber a bênção dos avós e me recolher
para dormir. Deitado, rezava um Pai Nosso, uma Ave-Maria e um Santo Anjo.
Aguardando o sono chegar, eu ficava a ouvir o som das badaladas do companheiro
relógio, que, a cada 15 minutos, quebrava o silêncio da noite, marcando o andar
do tempo.
Tempo que hoje levou meus
avós, mas não silenciou o velho relógio, que, da sala da minha casa, permite
que eu olhe por seus vitrais o pêndulo balançar, como empurrando a vida para o
amanhã. Eu e o relógio, olhando um para o outro, testemunhamos o caminhar da
vida — de um tempo que, como diz Cazuza, não pára. Relógio, símbolo da correção
de Antônio Hortêncio, que, no ontem, com cordas precisas, fazia-o marcar
exemplos de honestidade, de fé e paz. Hoje, de mãos dadas com o relógio,
escrevo um tempo veloz e feliz, pois a esperança de um mundo mais solidário
ainda se faz presente nos instantes marcados pelo compasso do mesmo relógio.
*Escritor pombalense
e Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de João Pessoa PB.
O velho Relógio
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/08/2013 06:17:00 AM
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