Nas águas de março há defecções e desatinos
Genival Torres Dantas |
Genival Torres Dantas*
Os
acontecimentos políticos ocorridos no decorrer da semana que se finda me
remeteram aos anos 1960, quando tivemos a vitória e renuncia do ex-presidente
Jânio da Silva Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), apoiado pela
União Democrática Nacional (UDN), e a tumultuada posse do vice-presidente João Belchior Marques Goulart, eleito pelo Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), à época a legislação eleitoral em vigência
permitia o eleitor votar no presidente de um partido e o vice de outro.
Depois de longas negociações e
a mudança do regime presidencialista para
parlamentarista, João Goulart toma posse como chefe de estado e não chefe de
governo. Com o retorno do presidencialismo em 1963, depois de um plebiscito,
quando a população pode se expressar e votar a favor do presidencialismo, pode
então João Goulart seguir um governo com ideias voltadas para o social, até
então o presidente que trabalhava com objetivos definidos para implantação da
reforma agrária, para o campo, com regras delineadas impedindo a privatização
das terras usadas no processo, o que ocorre hoje quando qualquer elemento pode
se favorecer de um lote de terra mesmo não tendo nenhuma intimidade com a
agricultura se beneficiando apenas com a venda da área logo em seguida do
benefício, e profundas modificações na área urbana, com reformas estruturais,
controle do déficit público, captação de recursos externos para a efetivação da
chamada reformas de base, de caráter nacionalista, com intervenção do Estado na
economia. Para implantação desse projeto o presidente contava com San Tiago
Dantas e Celso Furtado, como ministros da Fazenda e Planejamento
respectivamente.
Muito embora João Goulart tivesse o apoio do povo, o remédio indicado
para o tratamento da economia era muito amargo para as elites e políticos
conservadores, aliados ao empresariado, temendo uma radicalização à esquerda
começam a tirar o apoio tornando insustentável para o governo que já não tinha
mais o apoio integral do seu partido (PTB), e dos comunistas. Além desses
fatores o PSD e a UDN preocupados com a candidatura provável, em 1965, do
governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola (PTB), cunhado do
presidente, e com elevado nível de aprovação em todo território nacional, mais
ainda, com receio de um golpe do próprio João Goulart, com implantação de
regime parecido com o existente em Cuba e na China, começa a ser planejado o
golpe de 1964, executado pelos militares.
O Brasil assistia aos confrontos abertos entre esquerda e direita. No
nordeste, o governador Miguel Arraes de Alencar, considerado comunista, apoiava
manifestações dos estudantes e Francisco Julião, com as ligas camponesas
organizou lutas de resistência. Entretanto, o estopim do começo do fim do
governo João Goulart, foi o discurso do presidente, dia 13 de março de 1964, exatamente
há 50 anos, na Central do Brasil, como ficou conhecido como Comício da Central,
quando ele anunciava a nacionalização das refinarias particulares de petróleo,
reforma agrária e um plebiscito pela convocação de nova constituinte.
O desfecho dessa página da nossa história todos nós, da minha geração, já
sabe e até, de certa forma, ajudou na sua realização e as outras gerações
acompanham pelos estudos a respeito da matéria. Conhecemos ou acompanhamos os
personagens de meio século de lutas, decepções, traições, defecções e desatinos.
No decurso desse tempo as personagens mudaram, entretanto, o discurso continua
o mesmo.
O que ocorreu na última semana foi a exposição de um retrato fiel da
nossa realidade política, com o presidencialismo participativo se fazendo
presente na atitude do bloco composto na Câmara dos Deputados, por componentes
de vários partidos que fazem parte da base de apoio ao governo federal,
parecendo mais um bloco de sujos num avant-première
de um carnaval impróprio a decência nacional.
Em
1972 o músico, arranjador, cantor, maestro e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, numa inspiração genial
compõem ÁGUAS DE MARÇO, uma obra tão perfeita com o uso da inteligência
brilhante do artista, na inspiração do poema “O caçador de esmeraldas, do poeta
parnasiano Olavo Bilac”... Foi em março, ao findar da chuva, quase entrada do
outono, quando a terra sede requeimada, bebera longamente as águas da estação...
Outra inspiração é o ponto de macumba, gravado por J.B. de Carvalho... É pau, é
pedra, é seixo miúdo, roda a baiana por cima de tudo... Composta ainda com
pleonasmo como vento ventando e adnominação ponto/ponta, conto/conta. Essa
obra harmoniosa e perfeita, considerada pelos críticos como uma das mais belas
obras da MPB é o contra ponto do que estamos observando no cenário político do
atual momento.
O mais triste é que observamos que esse conjunto denominado de blocão é
uma formação de pessoas, sem a menor convicção política, podia mudar o cenário
da política no Brasil, com a retirada do apoio ao governo e votando com a
oposição, garantindo vitórias nos projetos de verdadeiro interesse nacional,
como foi o caso da convocação de vários ministros para deporem na câmara
federal, na apuração de assuntos relevantes à moral do nosso país.
Mas, para desanimo de todos nós, a ação conjunta foi um alarme falso, boa
parte dos seus integrantes já se debandou e voltou ao seu lugar comum entre as
presas de um projeto pessoal e não político. A presidente numa ação de
estadista enfrentou o levante e saiu fortalecida com sua decisão, mostrando aos
incautos que é temeroso e que não é bom aviltar o poder e se colocar dentro da
sua insignificância diante do poder, principalmente se quem o tem é vaidoso e
sabe manipular com seus recursos danosos.
Por sua vez a oposição numa situação incômoda, com material humano
escasso, se apresentando sem condições reais de confronto e recursos
compatíveis com a pujança da situação, vai continuar a lutar contra a corrente
das águas de março e de outras estações que estão por vir, com temporãos, até o
final dessa peleja política prevista para outubro, cujo favoritismo continua
com o poder da máquina administrativa, num erro crasso de uma regra eleitoral
no mínimo equivocada, quando os que ocupam cargos administrativos deviam
previamente renunciar ao mandato possibilitando condições de igualdade com os
oponentes.
Não podemos
esquecer, nesse balanço, o que nos ensinou Aristóteles (384 a.C/ 322 a.C,
Filósofo Grego, discípulo de Platão): A democracia surgiu quando,
devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos
fossem absolutamente iguais entre si.
*Escritor e Poeta
Nas águas de março há defecções e desatinos
Reviewed by Clemildo Brunet
on
3/16/2014 10:36:00 PM
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