O GRANDE HOTEL DE POMBAL: DE CHICÓ A ZÉ PRETO
Francisco Vieira |
Francisco
Vieira*
Décadas de 60 e 70. Em vez de
asfaltada era de terra batida à estrada que nos conduzia a Pombal. Apenas as
principais ruas eram calçadas. O centro, além de igrejas e casarões seculares,
abrigava escolas, cadeia pública, clubes e praças, formando um rico acervo
histórico e comercial - uma combinação perfeita de arte e beleza que concentra
grande parte da história e economia do município. Hoje tombado, o conjunto
arquitetônico representa o cartão-postal da cidade, exibido com ostentação pelos
filhos da terra. A propósito, ouso afirmar, ser o centro urbano mais bonito e
expressivo
do sertão paraibano - quiçá do estado.
Com a mesma dificuldade se chegava a
rua Cel. José Fernandes ou Rua do Rio, por força do costume. Rua de D. Neca,
matriarca dos Queiroga que influente e respeitada, detinha grande poder de
decisão. Nos finais de tarde, o bate papo nas calçadas com vizinhos era
inevitável, tomando parte em quase tudo.
Rua dos cartórios de Zé Pretinho, Zé
Avelino e mercearia de Antonio Vieira - onde de tudo se encontrava. Do mercado
público, padaria de Luiz Barbosa, restaurante de João Queiroga e dormitório de
Chico Caetano. Dos cafés de Joaquim “Camisão” e Joaquim do “Grude”, onde a
limpeza não era a atração da casa. Também o de D. Carminha, onde se lia em
letras garrafais o seguinte anúncio: “Café Padi Ciço. Vende-ce lancho e soupa”.
Era no mínimo uma afronta a língua portuguesa.
Rua do rio, onde em meio a dezenas
de prédios antigos já se destacava o Grande Hotel de Pombal. Inicialmente foi
denominado Edifício Piancó, mudou para Ageu de Castro na década de 70 e hoje é
chamado Antonio Gomes. Embora tenha sido de Zé Vieira, Rosemiro, Seu Leopoldo e
Joaquim Galdino, prefiro chamar Hotel de Chicó e Zé Preto, períodos de maior
influência.
Construído em 1952, por Dr. Ageu de
Castro, conforme os padrões arquitetônicos da época, o Grande Hotel foi por
muito tempo a maior e melhor hospedaria do sertão paraibano. Sua estrutura pujante
dava-lhe ares de poderio e superioridade. Pelo menos assim se sentiam os hospedes,
alguns ilustres como Dr. Dirceu Arnaud, Otacílio e Nilton, gerentes da Brasil
Oiticica e Anderson Cleiton respectivamente, Eufrásio da Algodoeira Pereira, Ten.
Othon, Caxias e Marcílio, os dois últimos delegados da cidade, além de bancários
e caixeiros-viajantes que ali pernoitavam. E, como se não bastasse, ainda
hospedou, mesmo que por uma noite, renomados artistas como: Luiz Gonzaga,
Marinês, Roberto Muller, João Gonçalves, Cel. Ludugero, Cláudia Barroso, Luiz
Américo, José Augusto, Bievenido Granda, Noca do Acordeon, Miguel Ângelo e
outros.
Fato interessante foi a passagem de
Nelson Gonçalves pelo Grande Hotel onde permaneceu poucos minutos. Tendo a
notícia de sua presença se espalhado rapidamente, em pouco tempo, o hotel
estava lotado e a rua tomada de fãs, alguns trazendo discos para serem
autografados. Não resistindo a inúmeros pedidos o seresteiro cantou de seu
repertório A volta do boêmio e Flor do meu bairro tendo sido calorosamente
ovacionado – maior recompensa para o artista.
Outro fato marcante ali ocorrido foi o banquete de fundação da Loja Maçônica “Deus,
Caridade e Justiça”, em 07/09/68. O evento chamou a atenção pelo grande número
de homens de várias regiões trajando passeio formal preto. Comentários de
pessoas desinformadas afirmavam ser a Maçonaria uma seita satânica, que embora
defendesse a fraternidade seus objetivos contrariavam os princípios cristãos.
Grande Hotel de Chicó e D. Vicência.
Foi depois de Zé Preto e Maria, que banhava os filhos na calçada ao tempo em
que ensinava a reza intercalada com palmadas e palavrões.
Hotel que era ponto de parada da
Viação Gaivota e Andorinha, ônibus que num vai-e-vem incessante, levavam para
algum lugar e traziam de volta os filhos da terra. Que sua longa calçada
lateral servia de caminho para os banhistas se deliciarem nas águas do Rio
Piancó, depois de um aperitivo no bar da esquina. Era também lugar de embarque
e desembarque de canoas, onde o povo em romaria se concentrava para observar as
cheias do rio, fenômeno infelizmente raro nos dias de hoje.
A marquise frontal e dezenas de janelas
em volta do edifício ofereciam uma visão panorâmica de parte da cidade. Do alto
do primeiro andar se contemplava o comércio, procissões, passeatas e desfiles
cívicos, tendo inclusive servido de palanque para comício político com a
presença do Ministro e Escritor José Américo de Almeida. Dos fundos do prédio, como
num deleite, se vislumbrava as enchentes do rio e seus efeitos danosos. Lavouras
destruídas e casas inundadas, como a de Sulina, que mostrando apenas o telhado,
mais pareciam um chapéu de cogumelo. Era um misto de beleza e devastação.
O tempo passa e as lembranças
permanecem. De tão vivas parecem até que foi ontem. Ainda ressoa em meus
ouvidos o tinir da oficina de Zé Lima na fabricação de bicas de zinco, baldes e
lamparinas, barulho que se confundia com as conversas dos jogadores de pife no
cassino ao lado.
De um passado distante me vem à
lembrança as brincadeiras e os amigos. Relembro se não todos, pelo menos os
mais freqüentes. A começar de Pretinho – meu irmão – havia João de Chicó do
Hotel, Assis Caetano, Clemildo, Geraldo Aquiles, Toinho Ugulino, Moreirinha,
Elrizinho, cada um mais tempestivo.
A paz e a tranquilidade predominavam
no grupo, salvo em brigas de somenos importância, muito comum entre meninos. O
clima de alegria somente era alterado em raros momentos como: na morte de
Antonio eletrocutado na caixa d’água do hotel, a queda de Geraldo Aquiles do
alto do muro no chiqueiro dos porcos, a agressão de Pretinho furando a cabeça
de João e o insuportável ronco do motor Monark de Chicó, perturbando a todos os
viventes.
Gostaria de reunir a turminha e num
momento de descontração relembrar os fatos que compartilhamos juntos. Tudo
seria alegria se não faltasse Assis Caetano. Seu adeus prematuro foi causa de
pranto que se fez saudade.
Era assim o Grande Hotel de Pombal:
bucólico, majestoso e aconchegante. Não reconhecer seu valor seria injustiça. A
cidade cresceu, conheceu a modernidade, porém seu passado continua presente. E o
Grande Hotel, hoje loja comercial, continua firme e imponente. Unindo o ontem e
o hoje sua história continua - sei lá até quando.
Como parte desse contexto, aflora um
sentimento nostálgico no coração de quem foi moleque errante nas ruas, praças e avenidas de Pombal e que fez
também do Grande Hotel, palco de suas travessuras.
Exaltar as coisas boas da minha terra
é relembrar aos antigos e revelar aos novos. A melhor maneira de perpetuar sua
história.
Em síntese eis o meu tributo ao
GRANDE HOTEL DE POMBAL: DE CHICÓ A ZÉ PRETO.
*Professor e Escritor
Pombal,
25 de maio de 2014.
O GRANDE HOTEL DE POMBAL: DE CHICÓ A ZÉ PRETO
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/26/2014 09:26:00 PM
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