COISAS DA MINHA TERRA – Os Carteados...
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Tempos atrás em vários pontos da cidade havia
casas de carteados onde se jogavam valendo dinheiro, em alguns casos, por pura
diversão. No centro da cidade - numa transversal a Rua Estreita - funcionava o
cassino de Chico Terto, palco de muitas estórias contadas pelos habituais frequentadores.
A
jogatina rolava dia e noite, noite e dia. Muitos jogadores chegavam a perder
todo dinheiro restando-lhe apenas um inusitado prêmio de consolação, qual seja,
dar uma ¨popa¨, o que é nada mais nada menos do que uma brusca reação, que
quase sempre resultava em perdas materiais para o dono do cassino.
Cada
jogador tinha seus momentos de cismas, principalmente quando estava perdendo.
Um frequentador assíduo do cassino pra poder sentar-se à mesa exigia que não
houvesse ninguém pra peruar suas cartas. Certo dia, este cidadão estava a
perder como nunca. Olhou prá trás não viu ninguém. Até aí tudo muito bem.
Mas,
observou que existia um Cristo Crucificado, exatamente, nas suas costas. Chamou
Chico Terto e/
falou: faça-me um favor tire esse moço que
está aí atrás de mim. Chico falou: que moço? Respondeu o doutor: Este moço que
está aí pregado na cruz. Chico arrematou: cuidado doutor, porque agora o
castigo poderá ser maior!
Dito e
feito. Jogou o dia e a noite, não ganhou uma só partida. Irado perguntou: Chico
eu posso dar uma ¨popa¨? Pois não doutor, fique a vontade. Não deu outra, o
cidadão juntou todos os baralhos que estavam sobre a mesa - por sinal novinho
em folha - jogou dentro de um pote que estava cheio d’água. Chico interveio:
doutor isto não é uma popa¨ é um coice na parte baixa do dono do cassino!
Na rua
da rodagem havia o cassino de Chico Espalha que atendia aos clientes daquela
região. Na rua do comércio, mais precisamente no beco da cadeia, havia a
jogatina na casa de João Facundo, ponto de muitas estórias hilárias. Na
referida casa jogava-se o bacará, relancinho, pif, vinte um, até mesmo o dourado.
É
importante ressaltar que estou a falar, mais uma vez, sobre uma época em que
Pombal tinha poucas alternativas de lazer. Assim sendo, o jogo era um
divertimento lúdico que despertava interesse daquelas pessoas que estavam a
precisar desses momentos para extravasar o cansaço da labuta do dia-a-dia, ou
até mesmo porque não tinha nada a fazer.
Como
falei, a casa de João Facundo era o ponto mais norte para a prática do
carteado. Era comum observar várias mesas formadas com diversos tipos de
carteados. O dourado era minha paixão, pois apesar de não saber jogar, entendia
muito bem a linguagem dos participantes. A mesa era formada por dois pares,
jogando em parcerias. O jogo era combinado, por isso envolvente. O que havia de
mais atraente eram os blefes ou melhor a enganação no momento decisivo de uma
partida.
Os
jogadores habituais de dourado eram Otacílio Formiga, Juquinha, Zé Bispo,
Mestre Álvaro, Cícero de Nini, Cícero de Bem-Bem, Edmivan Monteiro, entre
tantos outros. Ganhava a dupla que trouxesse mais trunfos ou que melhor
blefasse. O dourado e a sota eram os maiores trunfos, depois vinham a dama, o
valete, o rei, assim por diante.
O
blefe acontecia quando os principais trunfos dormiam na parte morta do baralho.
Na última cartada, até aí o jogo empatado, um dos pares estava com o rei,
considerado o maior trunfo na ausência do dourado e da sota. Mas, o outro par,
sem nenhum trunfo em mãos, pra superar o rei, fingia estar com o dourado ou a
sota.
Então
havia insultos de ambas as partes pra mais pedras. O barulho era tão grande que
as vezes os adversários entregavam o jogo. Pra surpresa do desistente, o par
adversário não tinha os trunfos que dizia ter. Estava caracterizado o blefe. Aí
começava a chacota, a gozação. Esse era o ponto alto do jogo do dourado.
O jogo
do dourado era barato, ao contrário dos outros carteados como o bacará,
relancinho, pif, e o vinte e um. Otacílio Formiga gostava de jogar com Cícero
de Bem-Bem. Pagava por ele, apenas pra ver suas mogangas nos momentos de
blefes. Cícero fazia um barulho infernal. Falava de uma tal de Cilibrina entre
outras jocosidades. Juquinha também gostava das peripécias de Cicero. Cícero de
Nini, irmão de João Facundo, também não ficava atrás, pois era outro
mogangueiro.
Cícero
Facundo quando estava ganhando gozava com a cara de todo mundo, mas, quando
começava a perder buscava uma justificativa pra ir embora. Quando fazia qualquer
movimento pra se levantar, era incitado pelos parceiros adversários a continuar
o carteado.
Não
havia jeito. Justificava-se ao dizer que sua sogra Joana Tereza, havia
preparado um tarrabufado de fígado de porco, assim sendo, tinha que estar em
casa na hora do almoço. Não podia perder a boquinha preparada criteriosamente
pela sogra.
É
tanto quando Cícero de Nini começava a perder os parceiros diziam: tá chegando
a hora do tarrabufado. Todos os dias esse grupo se reunia para jogar dourado.
Acabou-se, hoje, são poucos os que sabem jogar dourado.
Há
cerca de dez anos, um pequeno grupo constituído por Zaqueu, Benigno de Cândido,
Curinha, João rapadura, reunia-se na Rua de Baixo para algumas rodadas de dourado.
Metade desse grupo já não está mais entre nós. Resta saber, será que ainda
existem pessoas afeitas ao jogo do dourado?
A preço de hoje, restam três habilidosos
douradeiros: Curinha, João Rapadura e Edmivan Monteiro. Com certeza o jogo do
dourado, como manifestação de cultura popular, morreu. Só resta uma saída,
ensinar aos jovens o carteado do dourado para os momentos de lazer. Quanto aos
outros carteados, não precisa porque a festa continua.
João
Pessoa, 09 de Maio de 2015
*Economista e
Escritor pombalense
COISAS DA MINHA TERRA – Os Carteados...
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/11/2015 07:28:00 AM
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