RACISMO
Severino Coelho Viana |
Por Severino Coelho Viana*
Podemos dizer
que o preconceito é gênero e o racismo, uma espécie. Logo a pessoa dotada
destas duas psicoses doentias precisa urgentemente de um tratamento
terapêutico. Ou gosta de manter o desprezo ou separatismo ante o relacionamento
no seio da sociedade humana.
Palavras não
são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os
fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha
um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger
by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no
Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
No mesmo
sentido quando a pessoa quer mostrar o seu preconceito disfarçado com medo de
ser ridicularizado usa as expressões: “um negro colocou um pé na Presidência da
República” (referindo-se aos Estados Unidos), ou, então, “um negro já chegou à
Presidência do Supremo Tribunal Federal” (referindo-se ao ministro Joaquim
Barbosa). A declaração preconceituosa é tão clara que, às vezes, balbucia os
lábios ou o rosto do declarante fica corado de maldade.
A discriminação ou o preconceito não é tema novo. Quando
adentramos e captamos o sutil deslinde da história universal, percebemos que
surgiu na antiguidade com os regimes escravagistas e
Os indígenas e os negros foram as grandes vítimas no
Novo Mundo e mereceram de José de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves as
mais belas e imorredouras páginas que gravaram para sempre, na literatura
pátria, de agonia, de sofrimento, de lutas, de martírio e de a morte, mas
também o retrato de sua alma pura e lacerada, em busca da libertação, o grito
alucinante de um corpo em infinita lassidão, na noite da escravidão.
Os judeus, os cristãos novos e os mouros ressentiram-se,
no Brasil, das leis lusitanas, que impediam, no Brasil Colônia, o livre acesso
aos cargos públicos, aos postos mais importantes, o casamento de cristãos
velhos com pessoas oriundas desses grupos; os judeus de entrarem na casa de
cristãos (e vice versa) ou determinaram que os judeus e os mouros saíssem
desses reinos e não morassem nem permanecessem neles.
O Direito Brasileiro, não obstante,
teceu uma crescente e salutar evolução, no que diz respeito à proteção das
minorias e do ser humano, emanado do poder constituinte originário, para
integrá-los na sociedade e banir o preconceito ou a discriminação, seja qual
for, conquanto a questão não seja apenas jurídica, senão e principalmente econômica,
social, educacional e de formação, sem se apartar da consciência. Esse fenômeno
está extremamente ligado à liberdade.
Sem dúvida, essa avançada trincheira
jurídica é um passo bem largo, nesta longa trajetória, visando o
aperfeiçoamento espiritual do homem, através dos séculos. Afinal, o verdadeiro
direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade.
E quiçá com a evolução do espírito humano. A lei é amostra de comportamento que
projeta a consciência social de um povo e de uma era e deve-se harmonizar com
as novas realidades e tendências que despontam para não se apartar de vez do
homem e fenecer solitária.
Constatamos
que no dia-a-dia há a maior confusão no meio social para um melhor
discernimento jurídico entre o crime de RACISMO propriamente dito e o crime de
INJÚRIA RACIAL QUALIFICADA.
O
legislador constituinte ofereceu proteção à igualdade entre todos os seres
humanos ao definir que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, inciso XLI, CF). Esse trato
igualitário entre todos, base das democracias modernas, proíbe a prática de
discriminações e preconceitos decorrentes de raça, cor, origem étnica,
preferência religiosa e procedência nacional, o que constitui odiosa e
histórica afronta ao princípio da isonomia jurídica.
Enfatizou
a nossa
Constituição Federal, ao estabelecer em seu artigo 5o, XLII, que: “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da
Lei”.
Concebemos
perfeitamente, contudo, após mais de cem anos da abolição da escravatura,
encontramos preconceitos constrangedores de um indivíduo em relação a seu
semelhante, resultado de um triste legado da colonização e do imperialismo
opressor, dominador e explorador.
A
Lei 7.716/89, à sua promulgação, não trouxe condutas típicas inovadoras,
reproduzindo grande parte da Lei Afonso Arinos, Lei combatente ao racismo que
estava vigendo à época.
Tal
fato fez com que referida Lei fosse alvo de críticas por parte dos movimentos
de grupos discriminados, bem como pela doutrina especializada, isso porque a
Lei 7.716/89, tão importante por elevar a prática de racismo de contravenção
penal a crime, continuou a penalizar apenas as condutas preconceituosas por
raça ou cor (exatamente como a legislação que a precedia), relegando ao
esquecimento àquelas resultantes de preconceito por etnia, religião,
procedência nacional, orientação sexual ou classe social.
Assim,
fizeram-se necessárias alterações legislativas nesse sentido, e isto se deu
através das Leis 8.081/90, 8.882/94 e 9.459/97, sendo que esta última
representou a modificação mais importante.
Esta
última Lei modificadora deu nova redação ao artigo 1o da Lei Caó,
passando este a ter como conduta criminosa não apenas os atos praticados por
discriminação ou preconceito por raça ou cor, mas também aqueles advindos de
discriminação ou preconceito por etnia, religião ou procedência nacional.
Outra
importante alteração trazida pela Lei nº 9.459/97 foi a introdução do artigo 20
na Lei Anti-discriminação, qual seja:
“Art.
20 - Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos e multa. § 1º - Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de 2 (dois) a 5
(cinco) anos e multa. § 2º - Se qualquer dos crimes previstos no caput é
cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de
qualquer natureza: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. § 3º -
No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério
Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de
desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos
exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões
radiofônicas ou televisivas. § 4º - Na hipótese do § 2º, constitui efeito da
condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material
apreendido.”
Este
artigo aumentou consideravelmente a possibilidade da adequação típica das
condutas preconceituosas, pois, tratando-se de crime de execução livre,
qualquer prática, induzimento ou incitação à discriminação ou preconceito por
força de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional tipifica o crime.
Esta
última alteração ainda modificou o art. 140 do Código Penal, acrescentando-lhe
seu parágrafo 3o, prevendo a injúria qualificada pelos elementos de
raça, cor, etnia, religião e origem, dando-lhe a mesma pena do crime do artigo
20, caput,
da lei especial.
O
§ 3o do artigo 140 do Código Penal, recebeu nova alteração pela Lei
nº 10.741/2003, acrescentando-lhe ainda, além da injúria qualificada dita
acima, também aquela por força de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Bem
como, a partir da Lei 12.033/09, passou a ser perseguido mediante ação penal
pública mediante representação do ofendido (art. 145, parágrafo único, do
Código Penal).
O
artigo 140, § 3o do Código Penal trazido pela Lei nº 9.459/97, diz
respeito à injúria preconceituosa, sendo esta, modalidade de injúria
qualificada. Esta Lei acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria,
impondo pena de reclusão, de 1 a 3 anos e multa. Tal dispositivo, que na
prática, muito se assemelha ao crime de racismo disposto em Lei especial, visa
à proteção da honra subjetiva da vítima, é dizer, sua dignidade ou decoro. “Na
sua essência, é a injúria uma manifestação de desrespeito e desprezo, um juízo
de valor depreciativo capaz de ofender a honra da vítima no seu aspecto
subjetivo.
Deste
modo, o valor que o agente atinge é imaterial, interior, superior à própria dor
ou sofrimento físico que o agente possa sentir, é o seu valor espiritual, a
própria alma, é aquilo que interiormente o motiva a continuar a aventura humana
na Terra: a sua honra pessoal. O corpo, a saúde, a integridade ou incolumidade
são atingidos reflexamente.
Diante
de tal problema, o legislador trouxe a forma típica qualificada envolvendo
elementos de raça, cor, etnia, religião, origem e, mais tarde, por força da Lei
nº 10.741/2003, também por condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência, agravando a pena.
A coincidência entre o fato e a descrição da norma penal
dever ser absoluta. Será crime o comportamento humano que se enquadra, na
plenitude, em um dos modelos consignados na lei, segundo o princípio vitorioso
contra o arbítrio de que não há crime nem pena, senão quando expressamente
previsto na lei –nullum crimen, nulla poena sine lege.
Trata-se de crime formal ou de mera conduta, isto é, sua
consecução independe dos efeitos que venham a ocorrer. Não há necessidade do
resultado para que se consume o crime. É suficiente o eventus periculi
ou o dano em potencial, ou seja, a consumação antecede ao eventus
damni, daí por que Nelson Hungria cognomina de consumação
antecipada.
Então,
fica caracterizado o crime de racismo quando a ação ou omissão é excludente,
eliminatória, impeditiva, de isolação, por exemplo, em virtude da cor não
deixar a pessoa participar nos quadros de um clube social. Enquanto que a
Injúria racial qualificada é quando, por exemplo, usando-se a expressão
depreciativa em virtude da raça, por exemplo, “negro safado”.
Portanto,
esta é a simples diferenciação entre estes dois tipos penais.
João Pessoa PB,
13 de maio de 2015.
*Escritor pombalense e promotor de justiça em João Pessoa PB
RACISMO
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/13/2015 09:34:00 AM
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