ZÉ BISPO E SUAS PERIPÉCIAS
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Zé bispo, embora não tenha vivido no Rio de Janeiro - nas primeiras
décadas do século ´passado - foi um típico malandro, no sentido correto da
palavra. Descendente de uma família de Italianos que chegou a Pombal, lá pelos idos
da metade do século XIX. Filho de dona
Delmira Alcântara nasceu e viveu em Pombal por toda a sua vida. Na juventude
conheceu a jovem Generosa Cardoso de Alencar, conhecida na intimidade familiar
por Quieta, com quem iniciou um namoro sem maiores pretensões.
.A família não via com bons olhos o namoro de Quieta em razão da vida
desregrada que o namorado levava. Aconteceu que um dia Zé Bispo ganhou um bom
dinheiro no jogo, comprou um carro, roubou Quieta e foi casar em Mossoró. Tio
Arão foi lá, trouxe os dois e
Zé Bispo sabia tudo sobre baralho, por isso nunca permaneceu numa
atividade fixa, porque o jogo era o seu melhor ganha-pão. Tentou o comércio no
ramo de tecidos, mas não se deu bem, porque o seu negócio mesmo era o baralho.
Habilidoso como ninguém, ao lado de amigos, não menos trapaceiros, sabia engabelar
o dinheiro dos incautos bobalhões.
Formou um quarteto, até hoje, considerado o
mais famoso de toda história da jogatina em Pombal. Era Ele, Bocage, Pedrinho
de João Gualberto e Pololô. Naquele tempo, o cassino ficava ali onde funcionou
as Lojas Paulistas, na esquina lateral à Farmácia Queiroga.
O
local era estratégico, pois, permitia que os quatro pudessem observar toda movimentação
nas principais ruas do centro da cidade, e ainda podiam observar as pessoas que
vinham da SANBRA em direção ao centro da cidade. Ora, se vinha da SANBRA, com
certeza foi vender algodão. Eles olhavam pra o freguês e via que os bolsos
estavam abarrotados de dinheiro. Então o moço era convidado a participar de
algumas rodadas de Pif ou bacará. A arapuca- como de costume - estava bem armada a espera das primeiras
vítimas.
Qualquer um que entrasse no atrativo cassino
dos quatro amigos sem um centavo no bolso. O cara era depenado, a ponto de não
sobrar dinheiro sequer pra comprar uma rapadura. Conta-se que certa vez um
cidadão de várzea comprida, entrou na roda dos quatro, quando saiu, a única
coisa que sobrou foi o saco que trouxe pra levar a feira. Desconfiado depois de
perder os últimos centavos, pôs-se a olhar pra rua e disparou: ô feirão!
Esse grupo reinou por muito tempo em Pombal,
mas aos poucos se desfez. Zé Bispo continuou solitário na luta. Certa vez,
estava precisando renovar o estoque de baralho, que já não estava tão bom pra o
carteado, mas não tinha dinheiro. Então foi ao Armazém Estrela, de Lourenço
José da Silva e propôs a compra de um estojo de cartas pra pagar no final do
mês.
Lourenço conhecia muito bem a malandragem de
Zé Bispo, assim sendo depois de muita conversa, ficou a acertado de que a venda
só podia ser realizada se o pagamento fosse à vista. Ao sentir-se humilhado,
ante a negação de Lourenço, Zé Bispo alegou que era filho da terra, de família
boa, portanto não havia motivo pra Lourenço desconfiar dele. Lourenço
permaneceu irredutível, reafirmou que a venda só seria possível se fosse à vista.
Zé Bispo então falou que ía até a casa apanhar o dinheiro e voltava logo.
Que fez então o malandro? Foi à casa de Mizinho
Formiga, seu amigo do peito, perguntou se ele tinha ainda aquelas notas de mil
contos de reis. Mizinho respondeu: tenho Zé Bispo. Pra que é que você quer
tanto dinheiro? Não se preocupe, porque depois você vai saber, respondeu. Em
seguida perguntou: quantas notas você tem? Seu Mizinho respondeu: aqui em casa só
tenho seis. Então me empreste todas, que eu trago daqui a pouco.
Seu Misinho contou as notas, uma, duas vezes e
passou pra Zé Bispo. Ora, o Zé foi direto pra o Armazém Estrela. Ao chegar, enfiou
a mão no bolso e jogou as seis notas de mil contos de reis sobre a mesa de
Lourenço. Foi um susto sem tamanho pra o dono do Armazém, ao ver tanto dinheiro
nas mãos de Zé Bispo.
Lourenço
de olhos a fitar as seis notas disse: ô Zé, você pode levar os baralhos. Não
tenho como trocar uma nota dessas pra tirar uma conta tão pequena como esta que
você está a fazer. Era tudo que Zé Bispo queria. Retornou a casa de seu Misinho
devolveu as seis notas e nunca mais foi ao Armazém Estrela pra pagar a sua
dívida. Lourenço reconheceu que foi mais uma vítima da esperteza de Zé bispo.
Zé Bispo habitualmente viajava pra Mossoró sob
a alegação de que havia sido convidado pra participar de rodadas de pif, com
pessoas endinheiradas da cidade. As viagens pra essa cidade amiudaram, a ponto
de madrinha Quieta, a sua esposa, começou a desconfiar que algo estava errado
nessa repentina paixão de Zé Bispo pela cidade de Mossoró. Estava mesmo. Zé
Bispo tinha uma namorada na cidade e estava noivo de aliança.
Madrinha Quieta botou alguém pra acompanhar os
passos de Zé bispo em Mossoró. Quieta era chapeleira e a única da cidade.
Produzia chapéus de luxo, pras mulheres ricas da terrinha e cidades vizinhas.
Esta atividade lhe rendia um bom dinheiro. Assim sendo, dependia muito pouco ou
quase nada da renda que Zé Bispo auferia nas suas jogatinas.
Madrinha Quieta insiste na investigação e
acabou descobrindo tudo. O malandro estava cercado e não sabia. Nesse tempo
Mimosa, esposa de Juquinha, tinha um carro cujo motorista era João Teodoro. Quieta convidou o irmão Juquinha pra servir de
companhia na viagem que ia fazer até Mossoró.
Fizeram uma madrugada e logo cedo chegara a
cidade norte-riograndense. Quieta já sabia de todos os passos de Zé Bispo, até mesmo
o horário que estava na casa da noiva. Quando o carro estacionou frente a casa,
Zé Bispo percebeu que Quieta era uma das passageiros do veiculo.
Foi um momento de aflição pra Zé Bispo. Antes
que Quieta descesse do carro, deixou a noiva com um breve aviso: sei que tem
gente doente na minha família e vieram me buscar. Aguarde que em breve
voltarei. Entrou no carro, pediu que o motorista partisse o mais breve possível
em direção ao hotel pra apanhar suas tralhas e partir, urgentemente pra Pombal.
No caminho quis se explicar, mas Quieta,
sempre calma e tranqüila, falou que qualquer conversa tinha que ser em Pombal,
diante da família. Zé Bispo viveu o seu momento de inferno austral no retorno a
Pombal. Tentou conversar, no entanto, nem Juquinha, nem a esposa Quieta lhe
deram a mínima atenção.
Ao chegar a casa, ajoelhou-se aos pés de
Quieta, pediu perdão, ao estilo de malandro arrependido, e lhe assegurou que
jamais poria os pés em Mossoró. Os irmãos Felix Alencar e Juquinha tiveram uma
demorada conversa com o esperto cunhado. Depois dessa conversa, Zé Bispo mudou
os rumos da sua vida. Noutras palavras: o malandro aposentou-se para sempre.
João
Pessoa, 10 de junho de 2013
*Economista e
Escritor pombalense
ZÉ BISPO E SUAS PERIPÉCIAS
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/15/2015 09:38:00 AM
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