Seca espiritual
Rinaldo Barros |
Rinaldo
Barros*
Estava eu posto em sossego quando um
amigo telefona, comentando sobre a confusão posta nestas eleições municipais;
com 35 partidos políticos registrados. Sem dúvida, uma crise da Democracia
brasileira.
Compartilho com o leitor minha opinião:
acho toda crise uma benção, porque nos indica que temos que abandonar o cadáver
de nossas desilusões e trocá-lo pela inquietante lufada de ar do imponderável.
Em verdade, preocupa-me bastante a crise
generalizada da ausência (seca) de ideias e
Ensinou-nos o saudoso Arcebispo
honorário de Natal, Dom Nivaldo Monte, que a verdadeira fome não é de alimentos
físicos, mas grave mesmo é a fome espiritual. A seca espiritual.
Ou seja, a pior miséria não é a
material, mas a de conhecimento, a do espírito.
É preciso atentar bem para o fato de
que, no Rio Grande do Norte, como de resto em todo o país, existem muitos
candidatos; mas impera a escassez de projetos de desenvolvimento para a nossa
sociedade. Como se fossem candidatos de si mesmos. É o tal do fulanismo.
Nessa pobreza espiritual generalizada,
ao eleitorado resta a alternativa de escolher entre nomes de pessoas, sem saber
ao certo o que cada candidatura significa.
Perdoem-me a franqueza, mas há realmente
pouco sinal de vida inteligente no planeta da política brasileira.
Quem são os candidatos, em termos de
ideias, ideologias ou projetos?
Defendem quais bandeiras de luta? O que
pensam sobre o Mercosul? Quais deveriam ser as prioridades do PPA do RN? E do
Plano Diretor de Natal? O que pensam sobre a Lei de Inovação Tecnológica? E
quanto à Lei do Bem? O que pensam sobre o uso da propriedade urbana? Qual o
percentual de imóveis sem regularização fundiária? Como enfrentarão o caos no
trânsito? Como tratar o gerenciamento da água? Como despoluir nossos rios? E a
violência urbana? Já leram o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)? O que fazer
para evitar a evasão escolar? E a proposta de reforma do Ensino Médio? Qual a
opinião do candidato (a)?
Que soluções propõem? Quais são os
projetos que irão desenvolver, caso sejam eleitos?
Uma eleição para milhares de Prefeitos e
Vereadores deveria representar um momento-chave para a manutenção do equilíbrio
socioeconômico e para que, a contento e com clareza, via debate de ideias,
pudéssemos participar do processo de escolha.
A maioria dos partidos sequer formula
programas de governo e, se for publicado algum documento semelhante, a maioria
do eleitorado, provavelmente, não tomará conhecimento; até porque não será
dessa forma que as alianças serão seladas. São outros os instrumentos para
costurá-las. Tudo depende da capacidade do candidato, na arte de se manter
dentro do jogo.
Quem sabe compreender o que não é dito
pelo que é dito, quem consegue questionar o "não poder" como sendo
"não querer" e que dispõe de condições para (re) contextualizar
situações acaba por romper inúmeras das "cascas" com as quais a
realidade se reveste; também consegue desmontar a dissimulação e distinguir os
amigos dos inimigos. Ou não. Pois a traição também é uma possibilidade.
A traição, a mentira, a inveja, a
vaidade, a arrogância, o rancor e a trapaça são armas sempre presentes.
Pensando positivamente, relembro também
do escritor peruano Mario Vargas Llosa, o qual nos ensina que:
"O futebol é o ideal de uma
sociedade perfeita: poucas regras, claras, simples, que garantem a liberdade e
a igualdade dentro do campo, com a garantia do espaço para a competência
individual".
Ao contrário, constata-se que nossa
sociedade está longe de exibir a singela virtude futebolística referida por
Llosa. Aqui no patropi, o fim da escravidão e do Império, e o surgimento da
igualdade jurídica republicana e das relações do trabalho livre assalariado,
ainda não superaram alguns vícios aristocráticos dos tempos coloniais.
Somos (ainda) uma República sem povo. A
República e a cidadania estão num porvir incerto.
Tanto é assim que essa ausência de
ideias atinge também a grande maioria dos financiadores de campanhas. Com
honrosas exceções, o empresariado considera o envolvimento com o social como
ação filantrópica. Grande parte desse importante segmento ainda não compreendeu
que a empresa tem corresponsabilidade pelas questões sociais, econômicas e
políticas.
Cada líder empresarial deveria exercer
uma gestão ética, pensando no bem comum, não o imediato, que se associa com
filantropia, mas no desenvolvimento sustentável do país.
E, como consequência, os financiadores
deveriam exigir dos "seus candidatos" a apresentação de projetos
viáveis, com os quais pretendem exercer o mandato. Apoiariam o político como
uma aposta em ideias viáveis.
Se assim ocorresse, a grana ganharia até
certa dignidade, seria um voto de confiança.
Resumo da ópera: todos têm o direito de
se propor como alternativa para o eleitorado. Todavia, para legitimar-se,
deveriam apresentar projetos concretos viáveis; como pretendem gerir os
destinos de nossa gente.
E que, não fosse a seca espiritual,
vencesse o melhor e o mais competente!
Como acontece dentro do campo de
futebol.
*Rinaldo
Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
Seca espiritual
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/29/2016 09:51:00 AM
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