Eu nunca choro
Ricardo Ramalho |
Ricardo Ramalho*
Início dos anos oitenta. Maceió me
encorpava, mas, a Paraíba resistia e as emoções brigavam pelo que o coração
queria. Que encruzilhada espiritual, que duelo de puros sentimentos. Trabalhava
e estava nas Alagoas há mais de cinco anos, mas, os vínculos com minha terra
natal continuavam firmes. Não conseguia me desprender daquela atração, daquela
vontade de estar ao lado de um bem querer entranhado, fruto de convivência, de
desejos, de vontades. A garota dos sonhos se distanciava, desaparecia aos
poucos, escorria pelos dedos, pelos descaminhos da vida. Sentia esse processo,
mas, me deixava levar por uma realidade que encobria esse cenário e
Resolvi
preencher as noites estudando. Sempre desejei compreender o inglês, motivado,
principalmente, pela afinidade com a música e, sobretudo, com as bandas e
cantores ingleses e americanos que dominavam o mundo musical, desde a
adolescência. Matriculado no IBEU, Instituto Brasil Estados Unidos, passei a
frequentar as aulas na sede da Pajuçara. Evoluía muito bem, já que apresentava
facilidade neste campo de aprendizagem. Isto auxiliou na superação da crise emocional,
embora, me fixasse nas notícias do meu estado natal, sobretudo, dos movimentos daquela
que não esquecia. Soube que “namorava firme”, como se anunciava então, o que
hoje se denomina “relacionamento sério”. Confiava, entretanto, em que a um
sinal de reaproximação, certamente, a teria de volta ao meu círculo amoroso. O
tempo passava, a confusão de sentimentos aumentava e eu, simplesmente, estudava
inglês.
As
aulas avançavam, quando a professora resolveu adotar a música, como método de
ensino. Funcionava com um caderno que apresentava a música, nas duas línguas,
acompanhado de uma “fita cassete”, mídia moderna da época, uma fita magnética
em que se gravava o áudio e que facilitou o explosivo consumo de música, em
todo mundo. Uma das músicas selecionadas foi “I Never Cry” interpretada,
magnifica e inesperadamente, por Alice Cooper, um extravagante roqueiro
metaleiro, Belíssima canção, com um romantismo arrebatador. Além da apurada
melodia, a letra da composição é poesia de mais alto nível. Embevecido,
mergulhei naquele primor musical que iniciava dizendo: “ If there is a tear on
my face/it makes me shive to the bones” ( Se tem uma lágrima em meu rosto/Isso
me arrepia até os ossos), mas, a atenção não se desfazia da paixão paraibana. A
música continuava: “sometimes I drink more than I need” (às vezes bebo mais do
que preciso) e arrematava ao final: “ my heart is virgen, aint never been
tried” (meu coração é virgem e nunca foi tentado)/ and you know I never cry, I never
cry...” (e você sabe, eu nunca choro, eu nunca choro...).
Ela
se casaria em alguns dias. Soube por amigos comuns. Não conseguia internalizar
o fato que foi, aos poucos, se concretizando, inexoravelmente. O ponto crucial
aportou: chegou o convite de casamento para mim. Até o último momento, não
compreendia esse descaminho, mas, a realidade se impôs. Ouvi diversas vezes a
música. Não sei se para aprender a língua inglesa de sua letra ou para remoer
minha angústia. Alice Cooper cantava e
repetia; “but you know, I never cry, but I never cry…” (mas, você sabe,
eu nunca choro, eu nunca choro!). Contrariando, entretanto, o que afirmava a canção,
eu chorei e chorei.
*Cronista
pombalense radicado em Maceió Alagoas
Eu nunca choro
Reviewed by Clemildo Brunet
on
11/27/2016 07:09:00 PM
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