Eu te darei amor
Ricardo Ramalho |
Ricardo Ramalho*
Os turbulentos anos sessenta estavam em
plena ebulição. O conflito geracional, também aportava em Pombal, em pleno
Sertão da Paraíba. Tempos que se impunham no despertar para uma vida de
desafios e esperanças, no desabrochar de sentimentos novos e impulsivos. Os
sinais dessa disputa se faziam nos comportamentos, na indumentária, nos
relacionamentos. A música, os ritmos moviam essa transformação na sociedade e
influenciava o pensar, o agir diferente.
Anunciou-se um tradicional baile no
Pombal Ideal Clube, típico, com as mesas ocupadas pelas famílias, conhecidas e
tradicionais, representativas da cidade. Raros visitantes. Mas, a orquestra?
Qual seria o estilo? Que repertório dominaria a festa? A Jovem Guarda iniciava
sua avassaladora onda musical e
Começava a aprender a dançar, muito
timidamente. Os “ensaios” se davam nos “assustados”, como se chamavam os
encontros dançantes realizados de improviso, em residências dos jovens, por
motivos como aniversários, aprovação em vestibulares, términos de cursos, os
mais diversos, inclusive de datilografia, vitórias e derrotas eleitorais nas
associações estudantis. Em verdade, se buscava qualquer pretexto para se reunir,
“paquerar” e dançar.
Naquele baile, com aquela música da
Velha Guarda, não me atreveria a convidar a garota com a qual sonhava. Não
saberíamos. Entretanto, a orquestra já entendera o espírito dos novos tempos,
inclusive, musicais e, sabiamente, realizava uma cuidadosa transição em seu
repertório, de modo a agradar as duas correntes. A canção “Eu te darei bem
mais” de Moacir Franco, um tanto mais moderna que clássicos populares, como os
de Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Cauby Peixoto, foi selecionada para
caracterizar esse limite. Melodia belíssima, voz sublime e educada, enchia o
salão com letra pobre, mas, pelo menos fora dos padrões poéticos musicais de
extrema valorização da rima. Ouvia-se: “eu te darei amor, eu te darei bem mais,
de tudo que um dia terei de ti! Se me quiseres muito mais, do que alguém já
pode dar, eu te darei bem mais amor, mais muito mais”. Que deleite! Terminada a
música, em seguida, a orquestra atacou com “Quero que vá tudo pro inferno” de
Roberto Carlos e, como mágica, os casais dançantes se desfizeram e aos poucos
os novos pares ocuparam o salão. Não aconteceu um protesto, mas uma reação
natural ao novo formato social. Resolvi arriscar. Olhei para ela de forma
furtiva e sem dizer uma palavra rodei o dedo indicador, no gesto que significava
o convite para dançar. Então, levantou-se e eu, com passos trôpegos, consegui
conduzir os passos do casal, com seus corpos separados, silentes e corações aos
pulos. Depois dessa estreia amadora, a desenvoltura passou a dominar.
Compreendi, naquele baile, as
transformações sociais profundas que viriam modificar o modus vivendi, nos anos
que se seguiram. Os hippies, a moda jovem, a sexualidade, o existencialismo, a
política, formaram um caldeirão de mudanças que nos levaram a um mundo
diferente e instigante e, até hoje, revejo o filme desse baile e as músicas que
o marcaram.
Eu te darei amor
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/22/2017 07:06:00 AM
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