José Gonçalves do Nascimento |
Por:
José Gonçalves do Nascimento*
Cavar é um ato construtivo. Cava-se para
assentar as bases do lar que abriga e aconchega; cava-se para lançar a semente
que faz germinar a planta donde advêm a flor e o fruto; cava-se em busca da
fonte onde está a água que dá vida e purifica.
Cavar é também construir conhecimentos,
suscitar provocações, forjar universos de sonho e poesia. Por conseguinte,
escrever é um ato de cavar, sendo o escritor um cavador de histórias, um
descobridor de tesouros, um arqueólogo da imaginação, capaz de trazer à tona mundos
e realidades que, de outra forma, talvez nunca fossem desvelados.
Ao cavar a história de Alice, “a menina
que gostava de ler”, e que “cavava com a caneta”, Sarah Correia se insere no
rol daqueles (e daquelas) que não se contentam com o lugar-comum, cientes que
são da existência de outros horizontes e outras possibilidades.
Alice é a garota determinada que reluta
em se submeter ao círculo vicioso que a circunda, que a apoquenta, que a
diminui. Para além desse campo fechado que sucumbe e consome aqueles que nele
estão inseridos (tal qual aquela divindade da mitologia grega que matava e
devora os próprios filhos), “a menina dos olhos grandes” deseja ser livre, quer
dar vazão aos sonhos, zarpar nos braços da poesia, percorrer mundos através das
letras, cavar histórias de vida, contemplar estrelas distantes, amar
perdidamente, reviver lendas de velhos casarões.
De certa forma, Alice encarna o ideal de
transformação alimentado por cada homem e mulher dessa imensa hinterlândia
sertaneja, ainda não totalmente livres das “correntes enferrujadas” da sujeição
que já dura séculos. Sujeição que se traduz em forma de analfabetismo,
desemprego, êxodo, falta de oportunidades, e tantas outras mazelas que ainda
afligem as populações interioranas.
Permeada de citações da boa literatura,
além de ricamente contextualizada do ponto de vista histórico, político e
social, não lhe faltando nem mesmo o traço da afirmação feminina, “A menina que
cavava com a caneta” soa como uma belíssima metáfora da esperança. Ou,
parafraseando a própria autora, “uma caixa cheia de esperança”. Esperança,
inclusive, num sertão livre, povoado de livros e leitores.
Marcada pela leveza literária e por uma
enorme profundidade simbólica, a obra de Sarah Correia cativa do início ao fim,
levando o leitor a mergulhar num mundo em que o sonho e a poesia caminham
lado-a-lado com a possibilidade de uma nova ordem social.
*José Gonçalves
do Nascimento
Poeta e Cronista
A CANETA DE SARAH
Reviewed by Clemildo Brunet
on
7/02/2017 11:31:00 AM
Rating: 5
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